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quinta-feira, outubro 28, 2010

Novo Blog

O meu último artigo sobre a refundação da Res Pública deu-me uma ideia. Criei um novo blog que procura isso mesmo, contribuir para pensarmos o actual regime político, o significado da actual crise, e o que fazer para sairmos disto.

É preciso refundar a república... ou então, a solução passa por mudarmos de bandeira. Que tal esta?





http://refundararespublica.blogspot.com

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quinta-feira, outubro 21, 2010

Refundar o Regime - o divórcio que mata a democracia



Quando as pessoas já não se revêem nem se sentem representadas por uma determinada classe política, talvez esteja na altura de mudar. Os partidos, como acontece com as pessoas e com tudo na vida, têm uma história, uma razão de existir que radica num determinado contexto social, político, enfim, epocal. A crise das democracias, hoje, nomeadamente no nosso país, tem a ver com este progressivo, lento mas corrosivo, divorciar entre as populações representadas e as classes representativas; entre os políticos e as suas estruturas, e a dita sociedade civil.

As democracias mais frescas e participadas são, quase sempre, aquelas onde poder político emana directamente dos sectores activos da sociedade civil. Aqueles que formaram as fileiras dos primeiros aparelhos partidários estavam longe de ser aquilo que hoje se chama de político profissional. Eram antes personalidades distintas, industriais, empresários, professores, proprietários rurais, filósofos, escritores, que souberam, num determinado contexto social e político, fundir ideias e actos, pensar e agir de modo a fazer história, a fundar nações e regimes. Foi assim nos EUA, no conturbado mas rico período da sua fundação. Foi assim em Portugal, no conturbado mas rico período do vintismo, do setembrismo, ambos manifestações de um liberalismo que haveria de dar mote à fundação de um frágil regime republicano. Se quisermos ir bem mais atrás, foi assim na Grécia Antiga, quando os cidadãos eram chamados a cumprir a sua função no governo da cidade, para além da sua função ou profissão comum. As forças vivas da democracia ou, se quiserem, da república, estão nos diversos sectores que constituem a própria sociedade, sejam eles económicos-produtivos, culturais, educacionais, sociais, de baixos ou altos rendimentos, instruídos ou menos instruídos, científicos, etc.

Não é admissível que numas eleições, como aconteceu há um ano com as legislativas, se assista a uma percentagem de abstenção na ordem dos 60%! Se por um lado se deve imputar a culpa aos políticos, por outro não se deve deixar de imputá-la às pessoas que se demitem de querer fazer alguma coisa para alterar o estado de coisas. Hoje, como no passado, é urgente que novas forças políticas venham à luz do dia, emanadas das forças vivas da sociedade, renovando a aliança entre governantes e governados, expressão de uma só sociedade que, em última análise, se governa a si própria. Não se pede que se eliminem os actuais partidos, mas que estes deixem de ser tão abertos ao clientelismo e à mediocridade, e deixem de dar cobertura aos carreiristas para abrirem, de par em par, as portas à sociedade, ao mérito dos que sabem porque fazem, e aos que fazem por que sabem. Do que precisamos também é de novos partidos, novos movimentos de cidadãos, novas associações civis que facilitem a participação anónima dos cidadãos comuns, que sejam atalho limpo e largo que facilite o intercâmbio entre o cidadão e o decisor político. É preciso religar o poder às pessoas, procedendo a reformas sérias do sistema eleitoral que façam emanar os representantes políticos das regiões que estes melhor conhecem, porque nelas nasceram e viveram, ou porque nelas trabalham. Isto não é possível num país em que os deputados à AR são escolhidos no interior dos aparelhos partidários mediante afinidades políticas – quando não por simples amizades e troca de favores –, colocados em listas representando círculos eleitorais dos quais nada conhecem, e depois eleitos a reboque de um partido. Isto mina a confiança na política e no sistema. É deste tipo de coisas que o país tem de se livrar rapidamente. É preciso refundar a república. A questão é: teremos gente à altura para assumir compromissos neste sentido? Temos, claro que sim. E nenhum deles é político profissional.

sexta-feira, outubro 08, 2010

Vídeo sobre a vida dos deputados na Suécia



É com exemplos destes que o povo acorda. Ou talvez não... Curiosamente, é no momento em que Portugal celebra os 100 anos da implantação da República que uma Monarquia (a Sueca) dá um verdadeiro exemplo de respeito e de abnegação em prol da coisa pública...

A propósito: já enviei este vídeo aos seis grupos parlamentares da nossa AR.

terça-feira, outubro 05, 2010

100 anos a aprofundar a Coisa Pública em Portugal




República vem do latim Res Publica (coisa pública). Há 100 anos, alguns aventureiros influenciados largamente pelo exemplo da Revolução Francesa, Americana, e pelos ideais maçónicos, e apoiados por elementos do exército regular e por milícias populares, empurraram o último dos representantes da Casa de Bragança para um exílio sem retorno. Pelas 9 horas da manhã do dia 5 de Outubro, a República era proclamada da varanda dos Paços do Concelho, em Lisboa, pela voz de José Relvas, um dos mais eminentes elementos do directório republicano.

O ideal da república não é novo. Podemos afirmar até, com alguma segurança e acuidade, que não existe apenas uma república, mais várias. A primeira das repúblicas – ou pelo menos a primeira propriamente designada como tal – foi a Romana, implantada depois da deposição do rei romano Tarquínio O Soberbo. A partir desse momento até à autoproclamação de Júlio César com Imperador, Roma foi uma república na medida em que foi governada por Cônsules e por um órgão novo – o Senado. Verdadeiramente, o Senado pretendia representar o populum (o povo), e o Cônsul não era mais do que o primo inter pares, ou seja, o primeiro entre iguais, sem lhe estar reservado qualquer privilégio de nascimento ou legitimação divina. Além disso, o cargo de Cônsul estava aberto a plebeus, ou seja, aquilo a que hoje podemos de chamar de civis.

Antes dos romanos, já os gregos ensaiaram tanto a nível teórico como prático o republicanismo. A democracia (demos kratia ou governo do povo) foi verdadeiramente a primeira expressão de um governo da cidade baseado na representatividade dos cidadãos. Qualquer cidadão do sexo masculino tinha direito à palavra nas Assembleias, bem como o direito de voto. Sólon, no séc. VI, aristocrata a quem foram dados plenos poderes pelos notáveis de Atenas depois de uma série de convulsões políticas, pôs em prática uma série de reformas legislativas e institucionais que conduziriam à democracia, nomeadamente a divisão da sociedade em classes cujo critério de hierarquização consistia no rendimento. Assim, os mais ricos tinham mais poder e representatividade no sistema, mas mesmo os cidadãos mais pobres podiam assistir às assembleias e usar da palavra. Para esse efeito, Sólon criou um conselho constituído por quatrocentos cidadãos, nos quais cada uma das quatro tribos da Atenas estava representada. Cada tribo elegia cem cidadãos da classe dita intermédia para a representar no Conselho. Foi ainda fundado um tribunal denominado Tribunal dos Heliatas aberto a todos os cidadãos de todas as classes – menos obviamente aos escravos -. A nível teórico, a filosofia grega veio abrir caminhos novos para a compreensão do político, e para o aprofundar de princípios demo/republicanos. Desde a República de Platão( Politeia no original grego), à Política de Aristóteles. No primeiro, o regime proposto subvertia a democracia, entendida por Platão como um regime perigoso e que facilmente degeneraria em tirania, pelo que, o melhor dos regimes era a Aristo kratia (governo dos melhores). Neste tipo de governo, a hierarquia era rígida e não existia mobilidade social. O aspecto novo e mais interessante consiste no governo dos filósofos, considerados os mais aptos para governar na medida em que são mais sábios e estão mais próximos da verdade. No caso de Aristóteles, a situação inverte-se. Ele queria um regime para homens, e não para deuses. Nessa medida, Aristóteles foi o primeiro a propor uma forma de governo com instituições muito próximas das ditas republicanas actuais, nomeadamente no que concerne à constituição de um senado representativo de todos os sectores da sociedade, bem como relativamente à separação de poderes. Roma haveria de concretizar muito daquilo que foi proposto por Aristóteles, bem como 2300 anos mais tarde os EUA, a França, a Inglaterra, e, por arrasto, toda a Europa.

Portugal, no ínicio do séc. XX, era um país de analfabetos e de elites estabelecidas e inertes. A revolução industrial teimava em chegar, e o fraco e incipiente sector primário era, a par das remessas dos emigrantes nas colónias, o motor da economia. Portugal era basicamente um país importador que gastava mais do que aquilo que tinha, e que se endividava continuamente, muito à semelhança do que se passa hoje. As relações com os britânicos, sobretudo depois da humilhação do ultimato de 1890, deteriorou-se largamente, e o exemplo em todos os aspectos políticos, sociais e culturais, era o da França republicana. Vigorava no nosso país uma monarquia constitucional desde a revolução vintista de 1820, que culminou nas Cortes Constituintes de 1822. O constitucionalismo tinha vindo desde essa altura a aprofundar-se assumindo um carácter cada vez mais parlamentarista. A constituição de 1822 era, na época, das mais progressistas da Europa, consagrando direitos e liberdades, instituindo as Cortes eleitas, consagrando a separação dos poderes judicial, executivo e legislativo, retirando privilégios à nobreza e ao clero, afirmando a legitimidade real como emanação da vontade da Nação, e não fruto de direito divino, e, sobretudo, a igualdade de todos os cidadãos – incluindo o Rei – perante a Lei. Na teoria e, em muitos aspectos também na prática, a monarquia constitucional portuguesa era já republicana. Uma monarquia, no sentido estrito, é o governo de um só (mono arkia). Nenhuma monarquia constitucional dos nossos dias é, em último análise, uma monarquia no sentido estrito. Será, no máximo, como diz um autor francês, uma monarquia rodeada de instituições republicanas. A novidade está, em larga medida, na substituição de um chefe de estado cuja legitimidade é hereditária, por um chefe de estado cuja legitimidade resulta do voto popular directo ou indirecto, e que não possui qualquer privilégio adquirido por nascimento. É interessante verificar o seguinte: países que assumiram progressivamente um regime de carácter parlamentarista, associado a uma sociedade civil cada vez mais forte e participativa, foram progressivamente esvaziando o papel do chefe de estado em detrimento do poder do parlamento. Isso aconteceu na Inglaterra e, em larga medida, em países como a Dinamarca ou a Suécia. Nos EUA, apesar do poder do presidente, este nada pode contra a vontade do Congresso e do Senado. Alguns destes países, nomeadamente a Inglaterra, esvaziaram o poder do rei e lograram criar um equilíbrio de forças que dispensou, em larga medida, o papel do mediador, ou seja, de um chefe de estado. Portugal, ao destruir o papel do moderador (o rei) e ao lançar-se num parlamentarismo cerrado e imaturo, conduziu a I República ao fracasso. Ainda que estivesse prevista a existência de um presidente da república, este tinha poucos ou nenhuns poderes, não lhe sendo sequer possível dissolver o parlamento, na medida em que a legitimidade daquele emanava deste. Ora, um regime republicano em Portugal não poderia dispensar o papel do mediador, ou seja, do chefe de Estado. Por isso, temos hoje um regime republicano de cariz semi-presidencialista.

Podemos afirmar que o projecto inicial da I Republica, baseado num parlamentarismo exacerbado, fracassou. Em nada melhorou o estado da nação e conduziu, em última análise, a uma ditadura (como curiosamente Platão prevê na Republica). É certo que existiram conquistas importantes, sobretudo no progresso das mentalidades e no reforço do poder civil em detrimento do poder das elites, da Igreja ou dos militares. Contudo, não teria o aprofundamento do liberalismo vintista e setembrista conduzido ao mesmo mais tarde ou mais cedo? Ou nada mudaria?

Desde a revolução americana que a expressão governo do povo, para o povo se tornou paradigmática da essência de um regime voltado à coisa pública. Portugal, mercê das suas fragilidades, da sua iliteracia, da inoperância de uma quase inexistente sociedade civil, não teve, na altura certa, base de apoio suficiente para sustentar um parlamentarismo sério e consistente. A verdadeira república, aquela a que todos aspiramos, é aquela na qual os cidadãos, através da sua participação activa, interessada e competente, tornem desnecessárias e obsoletas certas instituições de governo e controlo. Um Estado forte, não é um Estado de instituições fortes. É um Estado de cidadãos fortes, instruídos, autónomos e interessados. Só assim existe democracia; só assim há republica. Um Estado está doente quando as suas instituições cristalizam, e quando as pessoas já não se identificam com elas. Quando um Estado e demais instituições se divorciam das pessoas cuja missão é representar, ou o Estado muda, ou mudam-no as pessoas. Uma vezes mal, outras bem. Enquanto as pessoas, directa ou indirectamente, através da sua acção directa, ou através dos seus representantes eleitos, tiverem uma palavra a dizer na administração da coisa pública, então haverá republica.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Mestrado

Caros leitores,

Se por acaso eu estiver um pouco mais ausente deste blog, a explicação é simples. Dei início ao Mestrado em Filosofia no ramo de Ética e Filosofia Política. Pretendo dedicar-me ao máximo e dar o meu melhor, visto que, infelizmente, nos dias que correm a competição é muito grande e não dão o devido valor a quem não tem as devidas "credenciais". Fá-lo-ei com sacrifício, tanto financeiro como físico, mas fá-lo-ei. Trabalhar como eu trabalho, em turnos desgastantes, numa área que nada tem a ver com a minha formação, com um ordenado que é pouco melhor que um ordenado mínimo, não ajuda muito. Ainda assim, pagarei do meu bolso este Mestrado e tentarei conjugar os horários o melhor possível.

No país das reformas milionárias e dos putos de 20 anos jogadores de futebol a auferirem 15 mil euros por mês, é fácil denotar uma espécie de inversão das prioridades. Só há uma forma de singrar num país assim: ser-se o melhor. Só há uma forma de se encontrar um lugar ao Sol: ser-se competente, humilde e pró-activo. Ou então, o melhor mesmo é encontrar melhores e mais verdes campos lá fora...

Obrigado

segunda-feira, setembro 06, 2010

Aos professores que querem ser mestres




A todos os professores que vão iniciar no mês corrente o ano lectivo 2010/2011, desejo boa sorte, e faço votos para que não percam nem a esperança nem a motivação. Não percam a esperança no futuro da profissão/arte de formar, não se deixem abater pela máquina trituradora da burocracia e dos imperativos económicos que regem e determinam todo estado de coisas a que chegou o sistema de ensino no nosso país. Para quem acredita ainda que o professor é antes de mais um mestre, e não um mero funcionário; para quem acredita ainda que o acto de formar se faz integralmente e com espírito de missão; para quem acredita ainda que é possível ver o aluno como um microcosmos de possibilidades de cidadania, responsabilidade, criatividade e realização; a esses dedico esta mensagem.

A decadência de um sistema de ensino é o prenúncio da decadência de uma sociedade. A escola existe para que haja memória, continuidade e evolução. A escola é o ponto onde converge o conhecimento e a vontade de conhecer. A escola é o ponto de encontro daquele que sabe ou julga saber, com aquele que não sabe mas quer saber, e onde ambos encontram ou inventam meios para conhecer. A escola é isto. Contudo, não é nada disto. O “realismo” cínico das tutelas subverteu tudo isto. Actualmente, a escola assemelha-se mais ao ponto onde convergem aqueles que sabem qualquer coisa acerca de nada, e os que não sabem mas também não querem saber. Não querem, nem precisam, porque ainda assim vão passar sempre, e ainda que não passem logo descobrem que afinal, com muito maior economia de tempo e esforço, podem sorrir para a fotografia com um diploma instantâneo das “Novas Oportunidades”. No meio deste aparato a que chamam “sistema educativo”, desviam-se recursos já por si tão escassos e trabalha-se para as estatísticas. Recursos esses que deveriam servir para premiar mais e melhor quem tem verdadeiro mérito, quem investiga e quem cria, quem ensina e/ou aprende com verdadeiro prazer e dedicação. Não é admissível que se paguem subsídios a tempo e horas para formandos pouco interessados, e se pague mal e a más horas aos bolseiros de licenciatura/doutoramento e aos próprios formadores…

Sinais dos tempos. Este nivelamento por baixo mascarado sob a capa da “democratização do ensino” é, verdadeiramente, sintoma de decadência. Existem cada vez mais professores, e cada vez menos mestres. A formação humana dos agentes educativos já não importa perante a voragem de uma sociedade que idolatra o que é “útil”, que premeia o especialismo em detrimento do universalismo. Já é suficientemente grave que se saiba tudo acerca de uma área e nada acerca do resto. Contudo, há muito quem ensine sem ter sequer o conhecimento mais essencial da sua própria área, quanto mais acerca de tudo o resto… como podem sequer ensiná-lo aos outros? De quem é a culpa?

É a ascensão das massas iletradas. Já lá vai o tempo em que havia uma maioria de analfabetos. Actualmente, a percentagem de analfabetos é vestigial, mas deu lugar a uma percentagem inversamente proporcional de iletrados. A iliteracia é, hoje, a grande nódoa das sociedades modernas, mas isto não importa nada desde que os iletrados não sejam info-excluídos… Não importa que na escola não se ensine, desde que não faltem a banda larga e os quadros electrónicos. Não importa que um aluno, nas vésperas de entrar na faculdade, só tenha lido os resumos – e mal – das obras de leitura obrigatória do secundário. Afinal, para que serve ler livros? De quem é culpa? Primeiro: dos pais que são os primeiros responsáveis pela educação dos filhos; Segundo: dos professores que também foram alunos e que também não leram as obras e que vão também ser pais…; Terceiro: dos responsáveis políticos cujo “realismo” cínico é um mau exemplo para pais, professores e alunos.

No fim de contas, quem vai pagar a factura são as gerações futuras.

sábado, agosto 28, 2010

No limite
são claras as certezas
Aspira-se a um todo inefável
a uma glória que está aí

No limite
a palavra é nada
os versos escrevem-se de actos
a glória chama por ti

No limite
despertas de novo
do sono em que te habituaste a viver
o tempo é nada



o mundo é teu

quinta-feira, agosto 26, 2010

Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento - sucesso ou farsa?



Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento

Acabar com a fome e a pobreza

Igualdade de Género

Saúde Infantil

Saúde Materna

Combater o HIV/SIDA bem como as doenças oportunistas

Atingir a Sustentabilidade Ambiental

Cooperação Global


Concretizar estes oito objectivos é um desafio hercúleo para a comunidade global. Contudo, não é um desafio impossível. Tudo depende de uma enorme dose de boa vontade por parte dos Estados e das organizações internacionais. Neste novo milénio, é necessário que os estados superem diferenças, lancem pontes de cooperação verdadeira, estruturada e duradoura. É preciso encarar a concretização destes oito objectivos com a mesma determinação com que se encararia uma catástrofe global que a todos implicasse. A união é importante, e é já.

Para tal, é necessário esboçar uma parceria global sustentada pelo primado da lei internacional, reforçando desde logo os poderes dos actuais grandes fóruns mundiais, em particular da Organização das Nações Unidas. Curiosamente, a criação de uma parceria global está no último lugar da lista, mas parece-me que deve ser o primeiro a ser, senão concretizado, pelo menos ensaiado. A ordem internacional que existir depois da concretização dos objectivos do milénio será certamente sustentada por um novo modelo de parceria global muito mais forte e duradouro que o actual. Até agora, os estados mais poderosos continuam a encarar o Direito Internacional como um empecilho à concretização dos seus interesses particulares. É preciso começar por perceber que o que se passa é exactamente o oposto. Procurar descredibilizar os fóruns globais, as instituições supranacionais de Direito e cooperação, é pôr em causa o futuro de todos os Estados, e, em última análise, os tais “interesses particulares” de cada estado.

Para já, continuam a existir estados capazes de impor as suas decisões ao resto do mundo através da sua supremacia económica, política e militar. O Conselho de Segurança das Nações Unidas continua a ter como membros permanentes os vencedores da II Guerra Mundial, mesmo que actualmente tal já não faça qualquer sentido visto que pelo menos a China e a Rússia muito têm a explicar em termos de respeito pelos direitos humanos e pela lei internacional. Os EUA também não se livram da nódoa, mas continuam a influenciar as decisões das Nações Unidas desculpando-se com o facto de terem sido os pais fundadores desta organização e também, ainda, os maiores contribuintes. Isto inquina verdadeiramente a legitimidade da Lei Internacional que continua a ter filhos e enteados. Verdadeiramente, a ONU de hoje está muito longe de ser a instituição imparcial, neutral e eficaz, debeladora de conflitos, mediadora e garante da aplicação justa e equitativa do direito internacional de que o mundo precisa. Há grandes reformas a fazer, mas nunca serão levadas a cabo no actual estado de coisas.

Cumprir os oito objectivos do milénio implicaria uma mudança do estado de coisas, uma reforma séria e visível da ONU que a tornasse verdadeiramente eficaz no combate a muitos dos maiores flagelos da Humanidade. Enquanto os países mais poderosos - as tais potências globais com direito de veto no CS - continuarem a vender armas a países governados por ditadores e oligarcas, ou a facções consoante os seus próprios interesses (como acontece em tantos países africanos cujo caso mais gritante talvez seja o do Darfur), então não há esperança de os objectivos serem cumpridos pelo menos nos próximos cinquenta anos. Enquanto factores económicos se sobrepuserem à defesa sem quartel dos direitos humanos; enquanto farmacêuticas poderosas continuarem a lucrar com as doenças de milhares; enquanto a miséria de milhões significar a opulência de centenas; enquanto a hipocrisia for a regra… os objectivos do milénio não passarão de mera retórica, mera descrição de uma utopia possível, mas negada pelo “realismo” dos cínicos que pululam nas maiores instâncias governativas por todo o mundo.

Logo se verá se na cimeira que terá lugar em Nova Iorque de 20 a 22 de Setembro, e que juntará líderes de todo o mundo subscritores desta causa, se fará um balanço verdadeiro do que foi feito, e uma análise do que ainda pode ser feito até 2015, ou se não passará de uma formalidade para cumprir calendário e de um fórum para dizer coisas bonitas acerca da miséria e dos desgraçadinhos deste mundo. Infelizmente, o mais provável é que não passe disso mesmo – uma grande farsa patrocinada por todos nós, cujos actores são aqueles cujo dever consiste em representar-nos e governar-nos o melhor possível de acordo com o mandato que lhes concedemos. Ou talvez não. Talvez a democracia seja também, ela mesma, uma tragicomédia.

segunda-feira, agosto 23, 2010

Era uma vez um jovem licenciado em Filosofia que queria um lugar ao Sol

Era uma vez um jovem estudante de Filosofia. Ele era sonhador, idealista, queria envolver-se, participar na mudança que estava a ter lugar no mundo.

Terminada a sua licenciatura, o jovem foi batendo a diversas portas na esperança de encontrar um trabalho como professor de Filosofia. Tinha sede de ser útil, de pôr em prática as suas capacidades e talentos. Diziam-lhe frequentemente que a com a sua licenciatura dificilmente encontraria o tão desejado “lugar ao sol”. Contudo, ele não desistiu.

Um dia, decidiu voltar a França onde se tinha licenciado para procurar emprego numa qualquer organização internacional. Através de um conhecimento de seu pai, candidatou-se a um lugar na ONU, mais precisamente na UNESCO. Contudo, e ainda que tenha sido mais que brilhante em todas as entrevistas, não ficou. A resposta que lhe deram foi simples e taxativa: “Desculpa, mas nas Nações Unidas não há lugar para a Filosofia.”.

O nosso jovem não se deixou abater. Candidatou-se a uma vaga temporária na ACNUR, a agência para os refugiados das Nações Unidas, e… foi seleccionado.

Esse jovem chamava-se Sérgio Vieira de Mello. Morreu em Bagdade, Iraque, no ano de 2003, depois de 34 anos de serviço exemplar reconhecido internacionalmente na Organização das Nações Unidas.

No seio da organização era já visto por muitos como o futuro Secretário-Geral.



Para quem diz que não há lugar para a filosofia….


sexta-feira, agosto 06, 2010

galáxias a acelerar sem recurso à "matéria negra" - uma hipótese

Ainda que existam milhares de fóruns na internet, páginas e páginas sobre ciência e astronomia, não existe uma única que nos permita propor uma ideia, uma tese, uma intuição. É verdade que somos quase todos leigos, que não temos as bases matemáticas e científicas para apresentar propostas estruturadas. Contudo, as grandes ideias não radicam desse conhecimento formal, mas de intuições que por vezes nos surgem do nada mas que infelizmente não somos capazes de “vestir” de forma a sermos aceites pela comunidade dos entendidos.

Não tendo espaço para tal, faço-o no meu espaço.

Para grande pasmo dos cientistas, as galáxias não estão a “travar” a velocidade da sua expansão. Os teóricos do Big Crunch sempre afirmaram que a gravidade forçaria as galáxias da desacelerar, à semelhança do que acontece quando atirarmos uma bola ao ar e ela começa por subir rapidamente para progressivamente perder velocidade e, por fim, cair.

O que está a acontecer é o contrário. As galáxias não estão a diminuir a velocidade da sua expansão. Elas estão a acelerar. Seria como se atirássemos a bola ao ar e ela, ao invés de diminuir a velocidade e cair, continuasse a subir a uma velocidade crescente até entrar em órbita. Este facto levou os cientistas a proporem novas forças para explicarem este comportamento nada ortodoxo das galáxias. Uma dessas forças consiste na manifestação de um tipo de matéria que não é visível e que, de acordo com os cientistas, constituí mais de 75 por cento de toda a matéria existente no Universo!

Muito se tem falado desta “matéria negra” que nunca ninguém pesou, mediu ou contemplou. A matéria negra é uma espécie de variável necessária para que um determinado modelo teórico faça sentido. É colocada lá e depois testada continuamente. Os cientistas afirmam ter encontrado diversas evidências de que a matéria negra existe. Não se percebe bem como, mas de alguma forma a matéria negra estaria a provocar a aceleração das galáxias, servindo como força opositora à gravidade.

Tenho uma proposta que até certo ponto torna desnecessária a existência da matéria negra no processo de aceleração das galáxias. Vejamos: todas as galáxias possuem um buraco negro no seu centro. Isto é sabido. Eles são alimentados pela matéria existente no centro das galáxias sobretudo remanescente de estrelas mortas, ou de outros buracos negros mais pequenos resultantes de estrelas de maior massa que morreram e se contraíram num corpo de gravidade infinita. Assim, à medida que as galáxias envelhecem os buracos negros aumentam de tamanho. Agora imagine-se um barco a motor. Este possui uma turbina cujo movimento o faz progredir na água. Imagine-se que o buraco negro é a turbina, e o meio no qual este se movimenta é o tecido espacio-temporal que, segundo a relatividade geral, é elástico. Desta forma, posso ser levado a concluir que o que faz as galáxias acelerarem é o aumento do poder dos buracos negros nos seus centros que as faz progredir no tecido espacio-temporal, à semelhança de uma turbina na água.

Contudo, há uma falha nesta minha teoria – penso eu -. Os buracos negros não são propriamente aberturas como a boca de um aspirador. Não há uma sucção unilateral, como um remoinho na água. Temos de vê-los mais como objectos tridimensionais que atraem tudo de todos os lados, como uma bola magnetizada. Se assim for, e se depender só do poder crescente do buraco negro, então a galáxia não tem propriamente uma aceleração linear, “para a frente” como um barco com a sua turbina. No entanto, o buraco negro não está parado! Ele gira continuamente, como um planeta. Ao girar, arrasta consigo o tecido espacio-temporal e todos os objectos que dele fizerem parte.

Se não é um objecto unilateral, pelo menos gira unilateralmente, provocando o movimento giratório da própria galáxia no seu conjunto. É possível que, ao girar a uma velocidade perto da luz, ele provoque uma singularidade que funcione como a tal turbina na água, fazendo a galáxia progredir. É possível até que, numa galáxia de disco como a Via Láctea, o movimento giratório provoque sucessivas ondas gravitacionais no espaço-tempo, como se fossem os braços da tal turbina, impulsionando a galáxia para “a frente”.

Muitos poderão afirmar que não é possível acelerar se o buraco negro aumentar progressivamente a sua massa. Não é verdade, pois a massa da galáxia é, em principio constante. O aumento do tamanho de um buraco negro massivo faz-se em prejuízo da matéria que constitui a própria galáxia.

É apenas uma hipótese.

terça-feira, agosto 03, 2010

Filosofia, Marx e o homem novo




“Já muitos interpretaram o mundo. O importante agora é mudá-lo”. Com esta frase Marx pretendeu selar o seu entendimento do papel da filosofia. A filosofia deveria deixar de ser uma disciplina meramente especulativa, para assumir gradualmente o papel de agente transformador ou, numa expressão mais ao gosto do próprio Marx, de agente revolucionário.

Sou, em certa medida, um marxista por acreditar nisto. O filósofo não deve limitar-se ao mister da especulação racional, ainda que não deva cair no extremo oposto de pretender ser apenas homem de acção. Ele deve sim ser actuante. Não pode ser indiferente ao mundo nem às eventuais consequências – negativas ou positivas – do seu pensar. Porquê? O perigo do homem de acção que toma para si a missão de concretizar a mudança pensada, é o de transfigurar as ideias e os sistemas filosóficos que o precedem em ideologias. O perigo do homem que só reflecte sobre o mundo e não age sobre ele está no progressivo desfasamento do seu pensar em relação à teia do concreto. A filosofia deve tecer-se, não puramente no abstracto, mas urdindo sobre certos pontos de orientação que se fixam no real. De que outra forma pode a filosofia chegar à verdade? Que sistema filosófico pode afirmar estar completo e ser reflexo da totalidade do mundo se abdicar de uma ou outra face da realidade?

Este é o aspecto descritivo da filosofia. Não haverá também um carácter prescritivo? A filosofia deve prescrever sobre os dados descritos, sobre a realidade, ou pode também prescrever mudanças concretas? É tal possível? Interpretar é descrever. Para mudar o mundo, como queria Marx, talvez se deva começar por compreender o que está descrito, reinterpretar teorias e ideias, entender o seu alcance e a sua aplicabilidade. No entanto, mudar o mundo é querer que o mundo se vergue à teoria, que os factos se alinhem de acordo com os trâmites da ideia. Não é isto já um erro? Não tem a realidade um tempo, um ritmo próprio que não se compadece com os ritmos humanos? Estarão todas as interpretações do mundo fechadas e prontas a usar, ou serão antes sistemas abertos à contínua interpretação?

A ciência, irmã e filha da filosofia, procura descrever o mundo, o modo como funciona e se comporta. Ao mesmo tempo procura prescrever, e a isso se chama técnica. A filosofia questiona métodos, põe em causa teorias, procura sentidos e finalidades. A filosofia vai até onde a ciência não pode ir, ao eminentemente humano, ao social, ao político, ao religioso e ao ético. Muitos filósofos, na ânsia de encontrar a vida boa, o sentido para a vida, apressaram-se a descrever uma espécie de natureza humana. Para um Rousseau, a natureza humana consiste numa bondade essencial, comum a toda a humanidade. A sociedade destrói e deturpa esta bondade. Para Kant, a natureza humana é a liberdade, a autonomia racional que permite ao indivíduo viver de acordo com normas universais se este tiver boa vontade e se guiar por imperativos categóricos. Outros afirmam, como Nietzsche, que não existe qualquer natureza humana, mas apenas uma vontade de poder que determina toda a acção do indivíduo. Porque será tão importante compreender a natureza do homem? Porque é sobre uma hipótese acerca da natureza humana que é possível fundar uma ética. É sobre os fundamentos de uma essência universal que é possível prescrever normas, políticas, regras, e até criar futuros possíveis que contemplem projectos de organização humana ditos perfeitos, expurgados dos defeitos das sociedades que tais utopias pretendem ultrapassar em cada momento da História. Esta compreensão da natureza humana permite a fundação de um direito natural, ou seja, um conjunto de normas orientadoras que radicam na natureza essencial do homem, em vez de o oprimirem contrariando a sua natureza. É neste direito natural que radica a Declaração Universal dos Direitos do Homem que hoje subsiste ainda como farol ético e normativo da sociedade dita ocidental. É por natureza um sistema normativo aberto, que permite a pluralidade e a diferença, ainda que seja intransigente em relação a alguns aspectos basilares como o direito à vida e à dignidade. Não procura fundar um homem novo, mas lançar as bases para que o homem se construa a si mesmo, de acordo com a sua liberdade e autonomia.

O erro de Marx talvez tenha sido o de colocar a tónica na interpretação do mundo, e não na interpretação do homem como mundo (microcosmos). O Marxismo pretende que o mundo se divide em classes que se substituem continuamente através de processos dialécticos de luta e superação de umas por outras. A contradição está em gérmen no seio de uma determinada ordem social, mas mais cedo ou mais tarde esta subverte a ordem assumindo um carácter hegemónico sobre as outras classes que, contudo, continuam a subsistir no seio da nova ordem e se adensam em novas contradições. O materialismo marxista pretende que é possível superar todas as contradições instaurando uma ordem perene. Marx bebeu de forma flagrante das teorias hegelianas, adaptando-as aos seus propósitos revolucionários, convertendo o sistema filosófico numa ideologia revolucionária. Transformou a História numa espécie de motor previsível, cujo funcionamento seria refém de regras mecânicas, por leis que poderiam ser inclusive compreendidas através do método científico, à semelhança das leis da gravidade ou da termodinâmica. É possível que tenha também bebido muito deste néctar da bica positivista do séc. XIX.

As contradições existem, mas são quase tantas quantos os seres humanos. Como se veio a verificar, a história é muito mais imprevisível e não se compadece com regimes de cariz científico. Não é possível, tanto quanto compreendemos, criar um homem novo à revelia da autonomia e da liberdade dos indivíduos. Interpretar a natureza do homem é positivo, e abre novas possibilidade ao entendimento de quem somos, de onde viemos, e para onde vamos. É esse o papel da filosofia, da arte, da ciência. Por outro lado, pretender injectar no homem uma nova natureza, criar um homem novo, quase sempre é pretexto para criar indivíduos dóceis e permeáveis a novas formas de controlo e opressão. Para compreender isto, nada como ler um 1984 de George Orwell, ou um Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley.

terça-feira, julho 27, 2010

"Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."


Na edição de hoje do JN deparei-me com a transcrição integral de um texto de José Saramago num pequeno caderno dedicado ao ambiente. Depois de uma breve pesquisa googliana, descobri que esta extraordinária reflexão acerca do mundo económico e social dos nossos tempos foi escrita por Saramago aquando do II Fórum Social na qual o mesmo participou, e onde a leu pela primeira vez. É absolutamente audaz e acutilante a crítica que o Nobel faz à democracia - ou antes à pantomina desta -, e o modo como procura levar-nos a reflectir acerca da lenta transformação que devemos à globalização e à hegemonia do económico e do financeiro. É raro eu transcrever textos de outros autores neste blog, mas este vale mesmo muito a pena.


Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de 400 anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo...

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e ação social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há 50 anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas 30 direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há 400 anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos fatos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os de certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.


Alocução de José Saramago no encerramento do II Fórum Social Mundial

quinta-feira, julho 22, 2010

Utopias


O nosso tempo carece de utopias. Num ou noutro momento do séc. XX e XIX lá foram aparecendo algumas, como cogumelos, aqui e ali, e na maioria das vezes foram subvertidas - se não mesmo destruídas - por aqueles que se arvoraram no direito de as interpretar e pôr em prática à luz da sua pretensa infalibilidade.

Contudo, são as utopias abertas e não-concretizadas que merecem a nossa atenção. Nenhuma utopia deve ser simplesmente um presente mais-que-perfeito, um agora projectado no futuro expurgado de todos os seus defeitos e de exponenciadas virtudes. Uma utopia é mais que apenas uma época elevada a antecâmara do paraíso.

Uma utopia fechada, científica, torna-se numa ideologia e num meio de aprisionar a realidade. A realidade não pode ser aprisionada, delimitada em quatro paredes, rodeada de arame farpado. A realidade é sempre a primeira a revoltar-se, e no fim, sempre vence. As utopias do séc. XX tiveram sempre na sua base uma ideia do económico. Superar a escassez, dar pão a quem não tem, terminar com a exploração dos mais fortes pelos mais fracos. Daqui derivaram todo o tipo de socialismos e comunismos, e até capitalismos, que só pecaram por se tornarem reais e científicos.

Recuando no tempo, por exemplo, à República de um Platão, encontramos uma outra ideia, não apenas do material do pão para a boca, mas do espírito. É o reflexo de uma era de culto racional, sustentada por uma sociedade com poucas preocupações materiais, estribada que era por uma escravatura que tornava fúteis discussões de carácter meramente económico ou produtivo, ou mesmo de exploração do homem pelo homem, na medida em que tudo tendia a harmonizar-se na anulação de uns em prol da expansão de outros.

Qual pode ser hoje a nossa utopia? Que sonhos acarinhamos nós para o futuro? Que Humanidade? Quando falo em Humanidade estou já a querer arrastar no jugo da minha ideia uma entidade abstracta chamada “Humanidade”. Duas questões se colocam: não será a “Humanidade” feita de muitas humanidades?; que obrigação tem o resto da humanidade de seguir uma só ideia?

De onde vem esse enorme voluntarismo e altruísmo que certos ideólogos, revolucionários, utópicos aparentam quando pretendem interpretar a vontade do resto da humanidade, do “povo”, das “massas oprimidas”? Quantos males advieram deste voluntarismo que ninguém pediu. Quantas atrocidades se cometeram em nome do “povo”, das “massas”, da “humanidade”? Gostava que a Utopia do futuro, a verdadeira utopia, fosse em nome das pessoas. Pessoas é bastante menos ambíguo que povo, porque se refere aos indivíduos e não às massas amorfas e acríticas. O futuro vai por aí.

Fala-se tanto em revisão constitucional. Porque não começar por aí, substituindo o tão recorrente “em nome do povo”, “ao povo”, “para o povo”, pelo “em nome das pessoas”, “às pessoas”, “para as pessoas”? É toda uma diferença que vai desde o respeito que se tem pelo indivíduo cuja dignidade depende de uma abstracção, até ao respeito pelo indivíduo cuja dignidade está assegurada desde logo em si mesma, no ser indivíduo. É a diferença entre o mero rebanho, e a colectividade organizada. A utopia que interessa não pede voluntarismos nem seguidores. Antes pede voluntários e aderentes.

Por isto, nenhuma utopia verdadeira pode negar a mais importante das aspirações: seja qual for o sistema político, económico, social, o tipo de relação entre classes, a religião ou ideologia, nada é mais fundamental do que a realização intelectual, ética e humana de cada ser humano, no âmbito da esfera da sua individualidade irrepetível, bem como no de animal político (zoon politikon) que é. A realização e a liberdade das pessoas são o ponto de partida e de chegada de qualquer projecto de sociedade.

PS. De notar que em língua inglesa traduz-se por vezes a palavra people por povo, quando na realidade people significa sempre pessoas independentemente do contexto. O verdadeiro significado de Government by the people, for the people é Governo das pessoas, para as pessoas. É tudo uma questão de história e mentalidade...

sábado, julho 17, 2010

Portugal indeciso é Portugal não cumprido



Nos últimos tempos, são muitas as confusões, indecisões e meias-medidas que caracterizam o rumo (incerto) desta nossa praia à beira mar plantada. E é disso mesmo que se trata. Urge redefinir Portugal, não redesenhando fronteiras ou limites, mas tentando perceber se, de facto, somos ainda um país no sentido clássico, independente, soberano, auto-determinado, ou se somos, cada vez mais, uma região mais ou menos periférica, lentamente dissolvida num federalismo crescente, cuja política e direito se abandonaram às directivas de um direito mais abrangente, e cuja autonomia económica é hoje heteronomia em relação às instituições financeiras internacionais e ao Mercado Global.

Temos de nos decidir. Temos de nos decidir, e rapidamente. E temos de nos decidir sob pena de nos enredarmos cada vez mais na teia do erro, na ilusão de uma hipotética soberania que já não existe, na falácia de uma autonomia eminentemente nacional que é hoje, em parte, apenas folclore pseudo-patriota.

Temos de escolher dois caminhos possíveis, para que possamos, com alguma acuidade e propriedade, criticar governos e políticas. Não podemos, em boa verdade, criticar um governo pelas decisões que toma, quando este é pouco mais do que um corpo administrativo ao serviço de instituições transnacionais em altas instâncias federalistas, ou tendencialmente federalistas. Não é sério atribuir a um governo poderes que ele há muito não tem, ou imputar-lhe a responsabilidade por más decisões que reflectem apenas pactos, PEC´S e PAC´S com o objectivo de o obrigar a prestar contas e a respeitar deficits em tempo recorde. Não é sério culpar governos por altas taxas de desemprego, por mau desempenho económico, pela miséria endémica de um pequeno estado, quando ao mesmo tempo este se vê obrigado por abstractas leis de mercado e por Tribunais de Justiça Europeus a escancarar as suas portas à circulação de capitais, aos movimentos financeiros, sempre sob ameaças de cotações negativas, de má fama internacional, de abandono do investimento estrangeiro. Não é sério culpar governos pela perda de direitos sociais e laborais dos seus cidadãos, quando só através da baixa de salários, do aumento do horário de trabalho, e da facilitação de despedimentos é possível aos governos corresponderem às solicitações cada vez mais insistentes e birrentas dos grupos económicos transnacionais, que ameaçam a cada minuto abalar para pastagens mais verdes, onde os custos do trabalho e a responsabilidade social é quase nula.

Com isto não estou a afirmar, nem de longe nem de perto, que os governos sejam inimputáveis. Pelo contrário. Eles têm culpa, sobretudo ao alimentarem ilusões e ao fazerem promessas que, certamente, não serão capazes de cumprir. Seria mais sério que assumissem, desde o início, uma atitude pedagógica, explicando os verdadeiros limites dos seus poderes, e jamais prometendo aquilo que a própria conjuntura institucional não lhes permite cumprir. Mas esta falta de escrúpulos é acompanhada, para nosso prejuízo, por uma terrível falta de inteligência e de visão. Essa visão permitir-lhes-ia perceber o que está verdadeiramente errado nisto tudo, ao mesmo tempo que lhes daria uma verdadeira ideia ou plano para o país.

Por isso eu digo e repito: é preciso tomar decisões a sério, sem subterfúgios. O que queremos e podemos ser? Qualquer que seja a decisão tem de ser assumida para o bem e para o mal, sem meias medidas, panos quentes ou marketing.

Queremos ser proteccionistas e voltar ao clássico Estado-Nação, cerrar fronteiras, implementar taxas alfandegarias, promover a absoluta auto-suficiência, proibir as empresas de ir para o estrangeiro, sair da UE, recuperar uma total autonomia? Pois, se sim, então assuma-se. Por outro lado, queremos ser abertos, abrir fronteiras, abdicar progressivamente de uma autonomia política, económica, social, em prol de uma futura união federal de estados de direito baseados no primado da Lei e da Democracia? Pois, se sim, voltemos a assumir tal decisão com vontade, consistência e sem desculpas. Queremos, num plano intermédio, encontrar uma terceira-via menos maniqueísta? Mais uma vez, sejamos inteligentes nessa tentativa e assumamos todas as consequências de tal decisão, para o bem e para o mal.

O que está a matar Portugal (e a Europa) é precisamente esta recorrente indecisão que tudo paralisa e que não traz qualquer progresso a ninguém. A própria União Europeia e o seu projecto estão reféns de interesses cada vez mais díspares, e ao invés de uma verdadeira união aberta constituída de estados fortes e solidários entre si, caminhamos para uma Europa coxa, na qual uns estados vão assumindo uma preponderância cada vez maior, defendendo em relação a si mesmos aquilo que condenam para os outros, influenciando as instituições europeias que deveriam ser imparciais e equilibradas em termos de representatividade, mas que, em última análise, estão contaminadas pelos interesses dos governos mais influentes que, por sua vez, se deixam manipular por forças económicas e financeiras muito pouco consentâneas com os princípios da verdadeira solidariedade e do progresso.

Pois, assume-te Portugal, se te queres cumprir.

domingo, julho 11, 2010

Aforismos e meditações dispersas




Mais importante do que acreditares em Deus, é Deus acreditar em ti.


Tu és o primeiro agente da mudança, o teu próprio Messias.


As grande pirâmides ensinam que nada de verdadeiramente grandioso é possível sem sangue, suor e lágrimas.


Um dia, de pé em cima de uma rocha em frente ao mar, seguia um barco que se afastava do cais, cada vez mais longe confundia-se com o horizonte indeterminado. Quando menos esperava, escorreguei e caí desamparado do promontório numa fracção de segundos. Com as pernas e os braços esmurrados, levantei-me e compreendi: aquele que não está preparado para ver o horizonte, e mesmo para além deste, há-de cair sempre até que o hábito de subir o promontório lhe enrijeça os músculos, a vontade e a sensibilidade.


Antes de pretenderes ser feliz, pretende ser sereno. Estar sereno e conciliado com o mundo – é isso que deve procurar.


O mundo é terrivelmente imprevisível, e a consciência dessa imprevisibilidade conduz-nos a um estado permanente de preocupação e insónia. De um momento para outro podemos perder alguém que amamos, o emprego que nos traz pão para a mesa, o estatuto ou a reputação. A roda da fortuna é implacável no seu movimento. A tua vida pode ser uma luta constante contra o imprevisível; podes muralhá-la toda de várias maneiras: isolando-te dos outros, lendo fábulas, não saindo de casa, ou até reescrevendo o mundo numa metafísica que satisfaça a tua necessidade de ordem e previsibilidade. Há milhares de desculpas possíveis para evitar o perigo. Quanto mais o fizeres mais medo terás do mundo. Chegarás a um ponto em que a própria ideia de sair das tuas quatro paredes te enche de temor. Nesse dia morreste antes de morreres. Preparas o teu corpo para as quatro tábuas que substitituirão as quatro muralhas que à tua volta ergueste.


Na vida há dois tipos de problemas: os que têm solução, e os que não têm. Os que têm solução devem ser abordados com a mesma frieza com que se aborda um problema matemático, ou um puzzle. Só podemos resolver aquilo que está ao nosso alcance resolver. Assim, quando um problema não tem solução, devemos aceitar e assumir com a mesma frieza as nossas próprias limitações e tentar, na medida das nossas possibilidades, integrar o problema na nossa vida de modo a que se ajuste o melhor possível na nossa condição de seres humanos. O primeiro passo para resolver um problema, é colocá-lo. Não podemos dar respostas precisas sem formular perguntas precisas.


Os problemas podem surgir-nos a um nível superficial, mas todos os problemas derivam de outros problemas mais profundos. Por vezes, há pequenos problemas que vão surgindo e que, na mesma medida, vamos resolvendo. Contudo, eles continuam a surgir incessantemente. Porquê? Porque derivam de um problema maior cuja resolução é mais complexa, e cuja formulação exige um esforço maior por parte do indivíduo. O mesmo acontece com as ervas daninhas. Por mais que as arranquemos, elas continuam a surgir. Se utilizarmos herbicida é possível que tenhamos algum sucesso, ainda que temporário, pois as raízes manter-se-ão mais ou menos intocadas e acabarão por dar origem a mais ervas daninhas, mais fortes e resistentes que as primeiras. Portanto, para eliminar definitivamente as ervas daninhas, só arrancando as próprias raízes e eliminando da terra quaisquer sementes que possam existir.


Conquista os teus vícios; cultiva as tuas virtudes.


O homem de hoje já não conhece nem celebra o carácter litúrgico da vida. Cada dia é apenas mais um no correr das semanas, meses e anos. Já não se sacraliza o nascer do sol como a vitória da luz sobre as trevas, nem o banho matinal como um novo baptismo que purifica e renova através da água o corpo e o espírito. Neste aspecto temos tudo a aprender com civilizações ditas “arcaicas”.


A primeira das prerrogativas para se atingir um patamar considerável de serenidade consiste em aprender a não estar só. O sentido de pertença a uma comunidade é reconfortante por garantir apoio e entre-ajuda em qualquer circunstância, o que reduz a dor da imprevisibilidade. A comunidade garante, em princípio, o exercício da amizade e da lealdade para com os outros, bem como o seu reconhecimento e afecto para connosco. A partilha dos medos torna-os mais suportáveis, e o mesmo acontece com o sofrimento e a dor. Isto não retira importância ao estar só. Estar sozinho é também muitas vezes uma necessidade fundamental para o auto-conhecimento e clarificação das próprias ideias e objectivos. Contudo, é grande a diferença entre estar só e estar isolado. A pertença a uma comunidade, para ser verdadeiramente frutuosa, tem de partir de um acto voluntário de adesão, e o mesmo se passa com a vontade de estar só. A verdadeira pertença implica que o indivíduo seja capaz de ser ele mesmo no seio do grupo, estando perfeitamente à vontade para agir segundo as suas próprias idiossincrasias sem, como é óbvio, desrespeitar os restantes membros da comunidade. Um ser humano isolado dificilmente é feliz.


A razão nem sempre nos leva por caminhos fáceis. É o preço a pagar por se escolher a verdade, ainda assim muito menor que o preço a pagar por se persistir no erro.


Quando somos crianças não existe metafísica. O tempo não existe, nem responsabilidade, nem nada mais que o jogo que se joga, a corrida que se dá, a história que se inventa. Há uma felicidade inquestionável e inconsciente de si mesma no acto de brincar, um sentimento de completude no qual se esbatem todas as preocupações do passado ou do futuro. Quando nos tornamos adultos, andamos toda a vida à procura deste sentimento, e chamamos-lhe felicidade. Porquê? Porque não soubemos encontrar ainda o ponto de equilíbrio. Há pessoas que prorrogam o fim da sua infância até demasiado tarde, e outros, por força das circunstâncias, demasiado o antecipam. No primeiro, toda a sua vida é um esforço e uma frustração na tentativa de retornar ao passado dessa infância perdida; no segundo, toda a sua vida é esforço e frustração na tentativa de viver a infância que nunca conheceu verdadeiramente. Ambos, não vivem a sua idade como deveriam. Vivem antes uma idade que não é a sua.


O Deus da Bíblia é a projecção de uma humanidade


Em todo o mito ou cosmogonia está patente um princípio divino para a criação e a existência.


Essa divindade assenta no carácter absolutamente misterioso da existência.


O Deus de hoje é ele mesmo símbolo e metáfora de um princípio divino imanente a tudo. Esse princípio é movimento, procura de equilíbrio, liberdade e criatividade, criação e destruição. Os deuses são as forças que constituem o próprio universo. Conhecidas essas forças, explicadas e definidas pela ciência, resta o indefinível. Todas as forças fazem parte de outras forças, mais complexas, que por sua vez remetem para um única força, incognoscível. Essa força parece esconder um finalidade, uma intencionalidade última que nos é completamente alheia, mesmo que procuremos intuí-la através da razão, da metafísica, ou mesmo do esvaziamento mental. Essa finalidade é Deus, na sua matriz derradeira. A vida, ou seja, nós seres humanos, partilhamos dessa finalidade, somos expressão de uma dessas poderosas forças do universo que ainda não conseguimos definir. O deus da vida é a alma, porque a própria força da vida continua indefinível aos olhos de qualquer ciência. Será a vida apenas o resultado da soma das componentes físicas, de aglomerados celulares e relações neuronais, ou algo mais? Será o corpo apenas uma máquina aperfeiçoada por milhares de milhões de anos de evolução biológica, de tentativas e erros, de selecção natural? É possível que sim, mas isso não dessacraliza o valor da vida e o seu mistério. A vida complexa é o resultado da vida simples, mas continuamos sem saber o que é a vida. O que permite que um complexo orgânico, constituído essencialmente por átomos de carbono, hidrogénio, oxigénio e azoto, possua autonomia de movimentos e seja capaz de gerar pensamentos ou ideias? Como é possível que esse mesmo aglomerado seja capaz de reflectir sobre si mesmo e dizer “eu sou”. É admirável e misterioso. Que admirável mundo novo é esse o da consciência... Que admirável e notável maquinaria biológica permite que um aglomerado orgânico abra os olhos e “acorde” para a sua existência e a do mundo. O que lhe permite fazer poesia, ou escrever sinfonias? O que lhe permite fazer ciência, elaborar teorias baseadas em relações matemáticas ou lógicas? O que lhe permite ter fé ou ideais abstractos? Claro que a vida de que falo é apenas uma parte muito ínfima do conjunto de toda a vida conhecida. O fenómeno da vida é incrivelmente variável e complexo, manifesta-se das formas mais insuspeitas e inimagináveis, adapta-se a diversos meios e ecossistemas. Além de ser das mais ubíquas – pelo menos no que respeita ao nosso mundo -, é das forças mais persistentes e duradouras. Uma vez surgida dificilmente é eliminada completamente. Foram várias as extinções em massa e os momentos em que a vida esteve quase a desaparecer da face da Terra. Porém, ela recuperou e prevaleceu, instituindo o seu domínio sobre a Terra uma e outra vez. O mesmo acontecerá no futuro, se não neste planeta noutro concerteza. É caso para perguntar, qual a importância da vida para a finalidade do universo? Porquê a inevitabilidade da vida? Aquilo que é divino é aquilo que é último, e que, por ser último é ao mesmo tempo primeiro. Deus é o princípio e o fim. É o Alfa e o Ómega.

sexta-feira, julho 02, 2010

...sem ideias, não vamos a parte nenhuma"



"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma."
José Saramago em Entrevista ao Expresso, 2008


Pois é. Agora que Saramago se exilou para sempre num qualquer Lanzarote celestial, deixou de ser aquele que incomoda com o seu pensar, único e senhor de si, para se tornar património de todos. Do país e da Humanidade, há quem diga. Chegará talvez o dia em que a UNESCO declarará pessoas ou obras individuais como património da Humanidade. É o chamado património imaterial do qual faz parte a literatura, a filosofia, a ciência pura.

Sempre que morre um homem, sobretudo se é grande, logo nasce o mito que o fará ainda maior. Cada um encontra agora na sua obra um qualquer pedaço de si mesmo. Eu, ainda que tenha estado muitas vezes em completo desacordo com o indivíduo, não posso deixar de sublinhar que, no fim de contas, há um aspecto de atitude que não pode ser posto de lado e que tem todo o valor. Esse aspecto está reflectido na citação em epígrafe.

Pensar. Reflectir. Perante as investidas dogmáticas de muitos sectores da nossa sociedade, sejam religiosos, políticos, económicos ou outros; perante o persistente desencorajar ao acto de perguntar, de contradizer, de pôr em causa, posto em prática pelas ordens, hierarquias, autoridades; perante as ideias que se vendem todos os dias, já empacotadas e com livros de instruções, de fácil mastigação e digestão, ideias que cada indivíduo toma como suas sem lhe ter colocado no caminho grandes resistências, cedendo facilmente às “autoridades”, aos “bem-falantes”, aos muitos vendedores de sonhos que por aí pululam cada vez mais; perante tudo isto, perante um geral adormecimento – não é inocente a imagem da cegueira geral posta em evidência sua obra Ensaio sobre a Cegueira – é urgente reabilitar as pessoas com essa extraordinária faculdade de pensar, individual e colectivamente. Não é inocente esta ideia de que a cegueira endémica de uma sociedade inteira conduz ao desastre, ao desmoronamento em bloco de uma civilização assente em pés-de-barro. Uma sociedade que baseia a sua existência numa concepção do indivíduo como consumidor, produto e produtor, que investe grande parte das suas energias no aperfeiçoamento da propaganda, da publicidade, na sugestão de necessidades supérfluas e perfeitamente acessórias, no engano, não está esta sociedade a “cegar” o homem um pouco todos os dias?

Agora que penso no assunto, talvez Saramago pretendesse sugerir o contrário. A cegueira não corresponde ao adormecimento, mas, pelo contrário, ao verdadeiro acordar. Pois, é no momento em que os homens cegam que a sociedade se desmorona. Por não serem capazes de ver, os indivíduos estão afastados da influência agressiva da propaganda visual, da sugestão, da publicidade. Estando a civilização assente nos alicerces deste poder sugestivo, não pode subsistir quando os indivíduos lhe são completamente indiferentes. Isto é só a minha interpretação...

Pensar é correr o risco de ser subversivo. É instalar a divisão onde antes existia coesão. Ao longo da história, muitos nacionalismos foram fundados no sacrifício da autonomia individual. Por vezes, no desespero de manter a coesão, sacrificaram-se aqueles que pensavam diferente, queimavam-se os seus livros, quando não se queimavam os próprios que os escreveram. O tempo revelou a fragilidade desta coesão falsa e com pés-de-barro. Pensar é correr o risco de dividir, mas nunca com o intuito de reinar. Dividir para fundar novos tipos de coesão, mais verdadeiros, assentes na autonomia de pensamento, na liberdade que é também razão. Talvez seja esta a proposta de muitos filósofos que, desde Kant, falam em comunidades de razão, ou em comunidades de comunicação (Karl Otto Apel).

Sim, esses espaços de reflexão de que fala Saramago são olhados de través por quem preza acima de tudo a estabilidade. Porque pensar, quando é sério e feito com boa-vontade, quando é fundado em argumentos límpidos, quando é estruturado numa rede lógica coerente, abre novos caminhos e possibilidades. O perigo vem da cristalização das ideias em ideologias, porque frequentemente as ideias são postas em prática, não por quem as imaginou em primeira instância, não por quem compreendeu o seu verdadeiro alcance – como quem diz limites -, mas por quem as tomou para si como dogmas fechados imunes à crítica, subvertendo toda a atitude que está na base do pensamento sério, límpido e baseado na boa-vontade.

Porque, pensar é também agir. Agostinho da Silva dizia ser indissociável o pensar e o agir, as duas faces do Pensamento. Um homem coerente age de acordo com aquilo que pensa. Se o mundo vai mal, é porque há muito quem pense sem agir, e muito quem aja sem pensar.

5 anos



No passado dia 13 de Junho este blog completou 5 anos de existência. Por minha culpa, por minha tão grande culpa, não lhe prestei nesse dia a devida homenagem. Por isso – e pondo em prática a tese de Ricardo Rodrigues (o sequestrador de gravadores) segundo a qual o que interessa é celebrar a Liberdade, nem que seja a 26 de Abril – dou hoje conta desse mesmo facto.

Esquecer-me do blog foi apenas uma consequência de me ter esquecido de mim. Também fiz anos dia 22 e nem sequer o celebrei. Sim, tenho 25 anos.

Graças às novas funcionalidades do blogger, tive oportunidade de “vestir” o cenáculo com outras vestes, dar-lhe um novo visual, lavar-lhe a cara. Se mudou na aparência, nada mudou na essência.

Obrigado mais uma vez a todos os que o lêem, ainda que muito raramente o comentem. É pena. Preferia que os leitores deste sítio virtual fossem um pouco mais participativos, sugerissem e até criticassem mais. Só tinha a ganhar com isso.

E para quem ainda tiver dúvidas de que este blog é lido - e lido em todo o mundo -, nada como dar uma vista de olhos ao mapa do Histats em cima. Os pontos vermelhos falam por si.

Ruben

sábado, maio 29, 2010

Para seres homem precisas de três coisas: Razão, Coragem, Disciplina. A Razão mostra o caminho; a Coragem percorre-o; a Disciplina constrói.

Cenáculo dixit

quarta-feira, maio 26, 2010

Akademia Kosmos


Olá a todos.

Dentro em breve gostaria de dar início a um projecto de formação. Na senda do que vem já sendo feito por outras organizações, gostaria de dinamizar uma série de workshops sobre os mais diversos temas, sobretudo no âmbito da filosofia, da história, das civilizações antigas, da ciência antiga e actual.

Para tal, gostaria da vossa contribuição para perceber qual das formações que delineei teria mais interesse. Seriam direccionadas a todos, desde que embuídos de um espírito curioso e aberto.

Respondam ao inquérito no scroll do lado esquerdo.

Obrigado.

quarta-feira, maio 19, 2010

terça-feira, maio 18, 2010

sobre o individualismo



Deixo-vos um interessente artigo escrito pela minha irmã mais nova no âmbito da disciplina de Português. Vai pelo bom caminho....

A tendência da sociedade actual é a de enriquecer cada vez mais o espaço individual em detrimento do espaço colectivo. Ao longo das últimas décadas o individualismo tem vindo a acentuar-se, reflectindo-se no modo como as pessoas se relacionam umas com as outras. Este fenómeno é mais visível nos grandes aglomerados populacionais onde factores como a tecnologia e a competitividade económica muito têm contribuído.

Antigamente, o espaço público era mais valorizado. As actividades do quotidiano eram partilhadas pelos vizinhos pois a pouca tecnologia existente era comunitária. Desta maneira, existia uma relação de dependência entre os habitantes. Por outro lado, nos tempos actuais há uma privação da comunicação presencial. Factores como a tecnologia, a economia e a insegurança vieram mudar todo o comportamento da sociedade. Actualmente, tecnologias como a internet valorizam cada vez mais a comunicação virtual, desvalorizando a presencial. Existe agora todo o tipo de produtos tecnológicos ao nosso dispor, nas nossas próprias casas, fomentando assim a independência da sociedade. Em consequência da riqueza dentro do lar, a sociedade capitalista onde vivemos vem completar tudo o que foi dito. Todo o funcionamento dela visa o lucro e a compra desmedida. Cada produto ligeiramente mais eficiente que o anterior é “bombardeado” pela capacidade apelativa da publicidade. Outro factor de valoriza o individualismo é a insegurança existente nos cidadãos. Devido ao contraste de riquezas existente nestes aglomerados populacionais, a criminalidade tende a aumentar, potenciando a insegurança do cidadão e da propriedade privada.

Desta maneira, e complementando tudo o que foi dito anteriormente, o sucesso profissional tornou-se a plataforma da felicidade. Este sucesso permite ao cidadão ter uma vida mais confortável, recheando a sua cada com a mais alta tecnologia que se tornou tão desejável graças às maravilhas da publicidade.

Em última análise, vivemos num ciclo vicioso. Deixou de haver o espaço colectivo para haver diversos espaços, tanto ao nível dos espaços individuais como ao nível dos espaços que reflectem a divisão da sociedade em classes. Assim, o indivíduo e as colectividades deixam de se ver inseridos num espaço que é de todos e cuja responsabilidade de manter é de todos, para se tornarem cada vez mais senhores da sua “pequena propriedade”. Um exemplo disto é a ilusão de que “a minha vida e o meu bem-estar não depende do bem-estar dos outros”. No entanto, depende. E cada vez mais num mundo global onde todas as relações são interdependentes. Mesmo assim, o mundo onde vivemos leva-nos a perceber que a ilusão da independência tem de se esbater perante as novas realidades económicas, sociais e ambientais.

domingo, maio 09, 2010

Sinais da Modernidade



Nunca deixando de ter em vista o significado de “modernidade” como tendência em moda, e não como sinónimo de progresso (como é de uso corrente), é mister fazer uma síntese geral dos principais sintomas da modernidade em que vivemos.

Hoje, são pelo menos dois os sinais dos tempos. A saber,

1) os grupos económicos transnacionais têm cada vez mais poder político, sobrepondo-se largamente ao poderio nacional tradicional, influenciando-o e esbatendo-o em nome de interesses eminentemente lucrativos. Isto é perfeitamente sintomático no actual estado-de-coisas, na medida em que a dependência financeira dos países em relação às entidades financiadoras é cada vez maior, colocando-os à mercê de empresas de rating e de especuladores sem escrúpulos.

2) as pessoas, habituadas à redoma de uma existência controlada, aos ecossistemas artificiais, a uma previsibilidade aparente fundada na evolução tecnológica, parecem cada vez mais alienadas dos ritmos que o homem não tem capacidade de controlar, noutras palavras, os ritmos naturais. Só isto explica o absurdo constrangimento que a maioria das pessoas imputam às “entidades oficiais” por “nada fazerem”, quando um fenómeno natural ocorre e impõe paragens preventivas nos ritmos artificiais. Sim, é garantido que o vulcão na Islândia se “está nas tintas” para os problemas humanos, e é bom que as pessoas se habituem à velocidade da natureza que sempre vence, e sempre vencerá.

Quanto ao primeiro sintoma, uma evolução linear assente na sua premissa conduzirá inexoravelmente à dissolução dos estados nacionais em prol de estados transnacionais, assentes em modelos empresariais que redefinirão fronteiras e assentarão em novos “fascismos” assentes na produtividade como objectivo primário, reeditando a ideia do “homem novo” voltado para novas escalas de valores que serão consequência de um novo status quo.

Quanto ao segundo, a Natureza se encarregará progressivamente de desiludir a humanidade, impondo-lhe cada vez mais os seus limites, e confrontando-a com a inevitabilidade da sua hegemonia, à qual os ritmos artificiais e humanos terão de se subjugar, e não ao contrário como até hoje tem acontecido.

Entenda-se como se quiser.

terça-feira, abril 20, 2010

Homem versus Natureza - dois mundos a duas velocidades


A erupção do vulcão islandês e consequente paralisação do tráfego aéreo nestes últimos dias, teve o condão de nos despertar para uma importante realidade: a fragilidade dos fundamentos da nossa economia e, em última análise, dos pilares da nossa civilização. Uma simples erupção – num vulcão considerado “pequeno” pela comunidade científica – foi capaz de pôr a Europa de joelhos durante quatro dias, provocando avultados prejuízos às companhias aéreas, e inesperados atrasos e adiamentos no movimento de pessoas, bens e serviços.

Dá que pensar. Os fenómenos da natureza fluem a uma velocidade diferente da dos fenómenos eminentemente humanos. Se para uma sociedade humana quatro dias de paralisação nos transportes conduzem a um caos sem precedentes, para a natureza quatro dias são apenas o aperitivo para um muito maior e mais prolongado período de mudanças geológicas que se manifestam através de sismos e de actividade vulcânica. Um vulcão como o Eyjafjallajökull pode manter-se activo durante dois anos, sem qualquer contemplação ou compaixão pela realidade humana para quem quatro dias são já prenúncio de apocalipse. A natureza não tem quaisquer contemplações em relação à humanidade, e não hesitará um segundo em destruir tudo aquilo que os homens constroém durante anos e dão como garantido.

Existem diversos vulcões por todo o mundo, alguns muito conhecidos e de má memória para muitos povos que tiveram a infelicidade de construir a suas vidas nas imediações das suas caldeiras. O Vesúvio,que na década de 70 d.C. arrasou a cidade de Pompeia, ou o Etna na Sicília; o Krakatoa perto de Sumatra que, em 27 de Agosto de 1983, despertou numa explosão apenas equivalente a uma potente bomba H, provocando a destruição da ilha de Krakatau e um maremoto gigantesco que matou quarenta mil pessoas ao rebentar nas costas de Java e Sumatra. Existem neste momento, em todo o mundo, 450 vulcões activos, uns de carácter efusivo como os conhecidos vulcões do Havai, e outros de carácter explosivo/catastrófico como o já referido Vesúvio, ou mesmo o do vulcão de nome impronunciável que continua a expelir nuvens piroclásticas ao fim de seis dias de actividade na Islândia. Para quem já ouviu falar na eminente e poderosa Civilização Minóica, cuja capital Cnossos se situava na Ilha de Creta, e que se desenvolveu entre 2700 a.C. e 1450 a.C, não será novidade o facto de esta civilização ter sido destruida praticamente de um dia para o outro por uma erupção titânica na ilha vizinha de Santorini que, de acordo com os cientistas, terá provocado maremotos gigantescos que em pouco tempo engoliram a ilha arrasando-a por completo. Há quem diga, inclusive, que a lendária catástrofe da ilha de Creta terá servido de inspiração a Platão para "inventar" o mito da Atlântida.

O que importa registar é que num mundo cada vez mais global e interdependente, existe cada vez mais uma real possibilidade de um fenómeno natural catastrófico imprevisível poder lançar o caos. Por exemplo, os sistemas de comunicações estão dependentes de sistemas electrónicos. Os telemóveis são, nos dias que correm, praticamente indispensáveis. Pois, o que aconteceria se, subitamente, ficassemos impossibilitados de os utilizar? E se uma tempestade solar, por exemplo, fosse capaz de inutilizar os circuitos electrónicos dos satélites ou mesmo das centrais eléctricas comuns - como aliás já aconteceu por diversas vezes nos EUA e no Japão -? Como reagiriam as populações a apagões que durassem, não dias, mas meses a fio? Como poderiam os aviões navegar às cegas sem os modernos sistemas de navegação global?