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sábado, outubro 29, 2005

Ao aspirante a filósofo

Escrevo isto, em primeiro lugar, para os meus colegas de Filosofia. Não deixo porém de remeter esta mensagem a todos aqueles que porventura aportarem por estes lados, enquanto navegam pelo vasto mundo dos blogs.

A primeira lição que um estudante de filosofia deve ter em conta é que a percepção que temos da realidade que arrogantemente chamamos nossa, não passa de uma visão subjectiva, baseada nas necessidades instintivas, racionais e ontológicas do animal humano. Se a maior parte dos alunos de Filosofia – o que quero acreditar – se inscreveram por vocação, ou por amor ao pensamento e à sua história, deixo aqui uma reflexão que entendo dever aos meus caríssimos condiscípulos, fruto da minha intensa, ainda que humilde experiência na tentativa de compreender afinal, o que é isso a que chamamos Filosofia.

Filosofia começa por ser completo despir de preconceitos. Se nos primórdios da filosofia alguns homens não mostrassem o desplante – porque não deixa de ser um acto de coragem, quanto mais não seja porque se arriscavam a ficar sem chão onde caminhar -, de questionar o estabelecido e de pôr em causa o que mais ninguém questionou, então concerteza que veríamos hoje o mundo como um palco imenso, onde se travariam as mais épicas batalhas entre deuses e deusas, e onde habitariam os mais diversos demónios.

Filosofia é saber desde logo que a Verdade Absoluta é inatingível objectivamente, apesar de a intuirmos de alguma forma porque ela ilumina todas as outras verdades, como sabemos que o sol ilumina todas as coisas, apesar de não podermos olhar para ele directamente. Um destes dias uma colega minha afirmava que, no seu entender, ordem significava uma sala arrumada, e o caos, uma sala em pantanas. A sua intervenção foi da maior importância, pois através dela pudémos vislumbrar o que significa filosofar. Respondi-lhe com muito gosto que respeitava a sua afirmação, mas que a sua ideia de ordem estava de acordo com a sua ideia de arrumação. Insisto na sua ideia, aquela que necessariamente inventamos para que o mundo se submeta à nossa visão, e dele possamos extrair alguma sensação de domínio e previsibilidade.

Filosofar é portanto ter noção da falibilidade do nosso conhecimento, assim como da necessária parcialidade do nosso entendimento, pelo simples facto de que não somos a única espécie com capacidade de, diria eu sentir ou sofrer o mundo.

Se falar é renunciar a dizer tudo e arriscar-se a ser mal interpretado, como tão bem nos lembra o nosso caro professor Graça, então conhecer pode ser também renunciar a conhecer tudo, e ter a noção de que se pode sempre estar enganado.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Filosofia Te Amo

Baseia-se a pesquisa filosófica num momento. Momento silencioso, espontâneo, de instintivo quebrar de convenções humanas. Corre o rio do devir humano, fútil e conformado das massas terrenas. Num só segundo uma pedra extraviada mergulha nas águas da correnteza, provinda de sabe-se lá de onde, sendo certo que perturbará este devir sem fim. Surge a questão iluminada, como um facho de luz a solta na escuridão e no vazio. Se a corrente revoltosa não impedir, a pedra lançada mergulhará inexoravelmente até ao fundo do leito, onde repousará eternamente. À superfície corre a água revoltada, inconsciente do seu caminho para o abismo, ou da sua inevitável dissolução na mar infinito e horizontal. Nas areias profundas onde jaz a pedra, reina a calma. Uma estabilidade eterna, preservada da transformação da aparência e do superficial. Habita aí a verdade do filósofo. Essa alma universal e incorruptível que ele pobremente sonha em alcançar, mas em virtude da sua humanidade só lhe é permitido intuir, que é no fundo sentir com a memória do espírito. Aquela memória que galga as muralhas do imanente, e desde os primórdios se alberga na substância, no Ser, no transcendente; numa só palavra, Deus.

Deus, Javé, Inominável. Fonte segura dos que humildemente compreendem a insignificância que os caracteriza. Ser eterno e universal, trans-religioso e inconceptualizável senão por si mesmo. Não o atingimos se não nos reduzirmos ao nada. Não o compreendemos senão fora de nós mesmos, transformando na nossa visão o relativo em objectivo, o separado em Uno, o alienado em integrado. Não entenderemos o temporal senão entendermos primeiro o eterno. O que acontece aos nossos olhos é apenas consequência e partido. Fenómeno isolado aos nossos olhos, imbuído porém de razões que nos ultrapassam.