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sexta-feira, abril 24, 2009

25 de Abril - Ainda está tudo por contar...



Já é pelo menos a terceira vez que escrevo sobre o 25 de Abril neste blog. Todos os ciclos têm esta particularidade de renovar todas as coisas. Um ciclo perfeito, regular, tem o poder de não cansar, fazendo um determinado acontecimento surgir sempre de cara lavada, como a própria Primavera.

Não há dúvida que a História é o juiz mais imparcial de todos os juízes. Isto, é óbvio, quando ela não é escrita pelos vencedores, ou mesmo pelos vencidos. A verdadeira história é escrita sem emoção, fria e racionalmente como um teorema matemático. 35 anos depois, não me parece que a história do 25 de Abril esteja toda ela colocada na devida perspectiva, imparcial e fielmente enquadrada numa estrutura de causa e efeito, de factores e contra-factores. Surge sobretudo baseada no testemunho, que, só por si, não é história, mas apenas e só testemunho. Os jornalistas também testemunham, e nem por isso um artigo de jornal é um pedaço de história. Poderá sê-lo, mas depois de perspectivado e inserido num contexto mais amplo. Cada um conta a sua experiência, como que esforçando-se por não ser esquecido, intimamente desejando que o seu nome se inscreva nas páginas transcendentes de um acontecimento que se tornou intemporal. Todos os grandes acontecimentos se tornam intemporais, desagregram-se da próprio tempo que os gerou fazendo parte de uma espécie de Presente colectivo do qual as sociedades se fazem, e sobre o qual se constroem. A isso se chama Cultura, no sentido mais amplo do termo.

Podemos inclusive afirmar que para o acontecimento específico do 25 de Abril, existem várias histórias possíveis. Existe a história escrita nos anos seguintes, influenciada sobretudo por ideologias de esquerda, as mais oprimidas e subjugadas durante o Estado Novo, que vêem no 25 de Abril uma espécie de Primavera de Praga. Se os comunistas foram os mais perseguidos durante a ditadura, também o foram por toda a Europa, inclusive em países ditos democráticos, inclusive nos EUA, sobretudo porque se vivia num tempo muito particular que nem sempre se tem em conta quando se faz história sobre o Estado Novo. As alas politicamente mais à esquerda viram no 25 de Abril uma oportunidade única para tomarem o poder e implantarem em Portugal um regime comunista. Por outro lado, as alas mais à direita, spinolistas, eanistas, chame-se o que se quiser, foram um contra-poder necessário (mas igualmente perigoso para a democracia). Depois do 25 de Abril, tivemos o Verão Quente e o 25 de Novembro, quando Portugal esteve muito perto de uma guerra fratricida entre as alas extremadas do exército. Temos também a história de uma luta posterior de que pouco se fala, que consistiu em acabar com o poder do MFA e do Conselho da Revolução, devolvendo-o a quem de direito numa democracia saudável e sem ressentimentos, ou seja, aos civis. Cada um puxa a brasa à sua sardinha, escrevendo a história à sua maneira tentando o melhor possível salientar o melhor, e esconder o pior.

O 25 de Abril não foi um ponto de viragem, mas apenas um primeiro passo de algo que ainda está muito longe de terminar. Não sejamos ingénuos em acreditar que tudo o que foi feito o foi com a melhor das intenções, e que os seus protagonistas eram todos homens desinteressados, honestos e idealistas. Pelo contrário. Não tenho dúvidas que o sr Otelo, esse mesmo que vai ser promovido a Coronel e que fez parte das FP25 de Abril, e que afirmou que se «tivesse lido os livros certos seria o Che Guevara da Europa», tinha intenções bem menos altruístas quando elaborou o plano de sublevação contra o governo de Marcelo Caetano. Salva-se talvez Salgueiro Maia, que fez o que tinha de fazer e a seguir se retirou, sem nunca desejar poder ou qualquer outra glória senão a de ter cumprido o seu dever quando o destino o solicitou.

Acredito que os próprios protagonistas do 25 de Abril não estavam à espera de conseguir o que conseguiram. Provavelmente nunca acreditaram que aquele dia ficasse gravado na História da forma que ficou, e que os seus actos, ainda que nem sempre claros ou bem intencionados, conduziriam à democracia pluralista e liberal em que vivemos. Não podemos, é claro, esquecer as muitas lutas e os muitos protagonistas que nos anos seguintes contribuíram para o estado de coisas em que vivemos. Foram muitos e bons, e no fim de contas, o que imperou foi o bom-senso e a moderação. Essa ideia de que somos um povo de brandos costumes tem mesmo uma razão de ser, porque no fim de contas, ainda que extrabuxemos muito e ameacemos mais ainda, acabamos por terminar todos aos abraços, amigos e compadres, ainda que se torça o nariz.

Em última análise, o que está em causa é o valor intemporal da Liberdade.

quarta-feira, abril 08, 2009

Horizonte



Por vezes, na languidez adormecida de um olhar sem objecto, surgem razões e filosofias, vindas de um nada criador, herdeiro do próprio Nada de onde o Tudo veio. Os sinais existem, o mundo é um largo livro de páginas soltas onde podemos ler a Vida, os Segredos e o Mistério. Vi o mar e o céu tocarem-se naquela linha imaginária a que se convencionou chamar de horizonte. Vi-o, lá bem longe, porque o horizonte tem o condão de sempre se afastar, ainda que viajemos à velocidade da luz na tentativa de o alcançar. O horizonte é inatingível como o sonho último, a última fronteira. Lembrei-me de algo curioso. Afinal, o horizonte pode ensinar-nos algo muito simples: viver, é precisamente estar nessa linha imaginária na qual o Céu e a Terra se tocam. Somos o ponto de encontro, o vértice, a aresta onde confluem o Céu e a Terra, o material e o imaterial – há quem lhe chame espiritual -. Nunca poderemos compreender-nos verdadeiramente porque nunca nos poderemos ver de fora, como se fossemos ao mesmo tempo observado e observador. Não podemos ver o horizonte da nossa própria existência, porque verdadeiramente nele estamos inseridos. Sem termos consciência, estamos ligados ao mundo de cima e ao mundo de baixo. Somos o quadrado – 4 elementos – cujos vértices tocam no círculo – infinito -. Somos verdadeiros homens de Vitrúvio ao jeito de Da Vinci; somos verdadeiros herdeiros de todas as grandes cosmogonias do passado, fossem elas mito ou realidade, sonhos, fábulas ou alegorias. Somos ao mesmo tempo filhos do pó da terra, e do pó das estrelas! Na verdade, do pó viemos, e ao pó havemos de voltar, a esse mesmo Pó caótico de cuja massa os mundos são feitos. O corpo anseia pela corporalidade, a mente pela imaterialidade; o corpo é material, e é a materialidade que o atrai; o que podemos chamar aquilo que em nós procura o imaterial? Alguns chamaram-lhe alma, outros espírito. Seja o que for, é aquilo que nos torna verdadeiramente humanos. Talvez nem faça sentido que a questão se coloque em termos de existência ou não existência de Alma. O imaterial e o inextenso existem de facto na medida em que somos herdeiros de ideias, sonhos, ideais, e não apenas de genes e determinismos biológicos. Não se pode conter uma ideia, senão dentro de um livro, ou seja, só as palavras podem conter a imaterialidade da ideia. As palavras são como que portas abertas entre o mundo imaterial e o material. É através delas que o imaterial penetra no material, e por elas modela o mundo à sua própria imagem.

segunda-feira, abril 06, 2009

Lisboa e o prenúncio de um desastre



Um sismo em Itália, imprevisto por um lado (pois a ciência da previsão sismográfica ainda não permite prever matematicamente a ocorrência de um sismo), mas previsível por outro, pois o centro de Itália está precisamente em cima de uma falha tectónica.

É muito difícil prever um sismo. O processo de «previsão» baseia-se em meras probabilidades, sendo bem mais fácil prever que vai chover ou que vai estar sol, do que adivinhar que amanhã a terra vai tremer. Há zonas onde é mais provável ocorrer um sismo, e o melhor que se pode fazer é monitorizar a zona tentando perceber a frequência com que pequenos sismos vão ocorrendo. Porém, ninguém pode, com rigor, afirmar que a energia acumulada nas entranhas da Terra um dia se vai libertar com estrondo, sangue e lágrimas. Como em tudo na vida, o melhor é prevenir.

Em terra de cegos, quem tem olho é rei. Em Portugal continuamos cegos, como se vivêssemos numa espécie de utopia saramaguiana. Lisboa é um barril de pólvora. Quem não percebe isto, não percebe nada de nada. Em 1755, o sismo de Lisboa não só abalou a capital, como teve eco mediático por toda a Europa! Voltaire escreveu abundantemente sobre o terramoto de Lisboa, e os cientistas de hoje afirmam com grande certeza que o sismo atingiu a magnitude de 9 na escala de Richter! Só para se ter uma ideia, o terramoto que provocou o tsunami no sudeste asiático em 2004 foi de 8.5. O epicentro do terramoto de Lisboa, à semelhança do terramoto no sudeste asiático, foi também no mar, a cerca de 200 km a sudoeste de Lisboa. Sabe-se também que, pouco depois do sismo, e para horror daqueles que se refugiaram na zona portuária de Lisboa, uma terrível sequência de vagas de 6 a 10 metros de altura arrasaram o que restava da já fustigada cidade. Sabe-se que a água terá chegado até perto do local onde hoje se situa a Assembleia da República.

Ora, parece-me que a questão que se põe é a seguinte: estão as populações e os agentes políticos de hoje verdadeiramente conscientes do perigo? É óbvio, até para o mais leigo dos leigos em ciências, de que mais tarde ou mais cedo ocorrerá um novo sismo em Lisboa. Se será em proporções tão apocalípticas não se sabe, mas se ocorreu uma vez, certamente que ocorrerá no futuro. A questão é quando, e não se.

Quando penso que a grande maioria dos edifícios de Lisboa datam do tempo do Pombal, e que a construção mais recente, sobretudo nos arredores de Lisboa, se baseia na quantidade, e pouco na qualidade; quando penso que a zona de Lisboa está sobre sedimentos, argilas, ao contrário do Porto que se situa em maciço central granítico; quando penso que milhares de pessoas vivem em caixotes urbanísticos, sem planos de emergência, sem saídas ou entradas suficientemente largas, sem infra-estruturas ou saídas adequadas para as águas (vê-se que basta chover dois ou três dias para ocorrerem logo cheias em certos pontos da cidade); quando me lembro que, por exemplo, aquando da construção do metro no Terreiro do Paço abriu-se um buraco de um dia para outro, sem causa aparente; e, sobretudo, quando penso que o metro de Lisboa, nomeadamente na linha do Terreiro do Paço, se situa abaixo do nível das águas do Tejo, enterrado num solo argilento, sedimentar, pouco estável... quando penso em tudo isto, tremo e não auguro nada de bom. Ora, quanto a isto, quanto à verdadeira prevenção, há algo a ser feito pela câmara, pelo governo, pelo país? Será que se as entidades políticas terão mais ânimo para fazer alguma coisa se souberem que o Terreiro do Paço – ou seja, os ministérios – ainda que sobrevivam ao sismo, serão apagados do mapa pelo maremoto? Está a Lisboa de hoje preparada para o desastre de amanhã? Será que, em vez de equipar a AR com tudo o que há de melhor a nível tecnológico, em vez de distribuir Magalhães ou alargar o ADSL a todas as escolas, não seria mais apropriado criar um plano de emergência a sério, com monitorização constante, ou apostar na construção anti-sísmica em toda e qualquer nova construção lisboeta, acompanhada pela recuperação das mais antigas, sobretudo as que foram construídas logo depois do fatídico ano de 1755?

sexta-feira, abril 03, 2009

Só não ouve quem não quer...



Acredito sinceramente que as instituições bancárias são mais perigosas que qualquer exército regular, e que o princípio de gastar dinheiro que terá de ser pago amanhã, quem sabe se pelas gerações futuras, sob o pretexto do crédito e do financiamento infinito, não é mais do que burlar e hipotecar o futuro de todos nós.

Thomas Jefferson, 3º Presidente dos EUA


Temos por hábito ignorar ou rejeitar como anacrónico aquilo que vem do passado. Achamos que o futuro pode ser risonho, que o amanhã é que é, e depois é que vai ser. Porém, há gente que no passado conseguiu ser bem mais moderna que qualquer modernista dos dias de hoje. Há gente que soube prever o descalabro, e deixou avisos, migalhas ao longo do caminho qual polegarzinho que deixa pedaços de pão para que ele e os seus irmãos não se percam. A crise de hoje, e a bem dizer, qualquer grande crise não é mais do que o cometer dos mesmos erros, ou o fechar dos olhos aos sinais e prenúncios que já não são de hoje.

Thomas Jefferson, nascido em 1743, eleito presidente em 1801, antes de Marx, de Proudhon, de Keynes, do comunismo, do socialismo, de grande parte dos ismos de hoje, lá sabia o que dizia...

A citação é retirada de um pequeno livro de citações intitulado Wit and Wisdom Of The American Presidents. Comprado na fnac por 2,46 euros, ensina mais sobre ciência e filosofia política nas suas sessenta e tal páginas, do que em qualquer tratado que eu conheça sobre o assunto. Até o Bush tem direito a quatro citações, e parece que já foi demais...