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quarta-feira, março 31, 2010

Teístas e A-teístas - o deus paradoxal



Porque vivemos numa época de trincheiras, de extremos que não se tocam, ou recusam tocar-se sob o signo do orgulho; porque tenho ouvido falar os crentes, e também muitos não-crentes (que são apenas crentes de outras "divindades"), e porque uns e outros parecem sustentar as suas crenças em pés de barro, deixo aqui uma pequena reflexão sobre a existência ou não-existência desse ser absoluto a que se chama "Deus". É uma reflexão que não pretende dar respostas, receitas de "abertura fácil" ou de uso "instantâneo". A questão da divindade e da crença talvez se coloque mais em termos de pergunta que não admite resposta, ou de mistério que perenemente se eleva para além de qualquer cogitação.

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A eterna questão: Deus existe? Se existe, o que é Deus? Em que consiste o seu ser, a sua substância? Se não existe, porque o enunciamos tão recorrentemente, nas suas mais variadas formas, há milhares de anos? Se admitirmos que não existe, ficará a questão resolvida sem apelo? Podemos provar a existência ou o seu contrário? É Deus “provável”, ou noutras palavras, verificável? Um Deus provado, ainda é Deus? Se acreditar é o único critério para crer, então porque precisa o crente de provas?

O Universo, as suas leis, os objectos que o constituem, comportam a existência de Deus? É conciliável o universo como o conhecemos, como o entendemos à luz da ciência, como teorizamos acerca do modo como surgiu e se expandiu, com Deus? Qual a ideia mais perfeita que podemos engendrar, mais semelhante à divindade? Absoluto? Infinito? Porque é que, necessariamente, atribuímos a Deus uma absoluteidade ilimitada infinita iluminada? Será Deus apenas o expoente máximo dos mais abrangentes conceitos engendrados pela mente humana, uma ideia sem correspondente real? Ou será Deus algo exterior, transcendental e intangível ao pensar humano? Se Deus existe, o seu “existir” é igual ao “existir” de uma árvore, ou de uma pedra? Existirão, pelo contrário, diversos tipos, planos, dimensões do existir?

Destilado o deus que engendrámos das impurezas do mito, o que sobra? Isso que sobra, é ainda Deus? É mais fácil afirmar categoricamente que o Minotauro não existe, ou que Deus não existe? Qual a diferença?

Expurguemos, fragmentemos, a ideia de Deus. Vejamos se o que resta é digno de ser chamado de divino. Separados todos os atributos de Deus, sobra apenas um nome. Um nome é uma palavra. Não é um deus. Porém, só através das palavras nos podemos socorrer para falar dele. Se fragmentarmos uma cadeira, se lhe retirarmos peça a peça, o que sobra? Por um lado, sobra – novamente – um nome. Cadeira sem os atributos da cadeira, sem a sua substância, é apenas uma palavra oca. Em termos materiais, o que resta da cadeira fragmentada? O que fica no lugar da cadeira? Puro espaço. Resta puro espaço, que é o que dá à cadeira a possibilidade de o ser, porque nenhum objecto é sem estar delimitado por uma dimensão espacial. E Deus? Partindo do princípio que existe uma materialidade que é Deus, o que resta da fragmentação do divino? Que tipo de espacialidade, de dimensão geométrica pode dar a tal objecto a possibilidade de ser, de se delimitar? Por outro lado, se o próprio espaço material é uma ideia, o que resta da cadeira talvez seja isso mesmo – pensamento. O espaço material esfuma-se para dar lugar a qualquer coisa inefável e exterior ao pensamento, algo que não podemos verdadeiramente conhecer, por ser puro objecto. O mais próximo do nada, sendo ainda alguma coisa. É a espacialidade de Deus também ela, em última instância, pensamento? Nosso pensamento? Contudo, se procuro deslindar os limites, a espacialidade onde se integra Deus, apenas me ocorre uma ideia – infinito. Contudo, o espaço material, esse mesmo onde se integra a cadeira, só é espaço porque é limitado e ao mesmo tempo limita, ou delimita. Espaço infinito é espaço nenhum. A infinitude do espaço é a negação da possibilidade de delimitação. Espaço ilimitado não contém objectos limitados. É Deus limitado, ou ilimitado? Assim, se Deus for infinito não pode estar contido ou delimitado por qualquer espacialidade. Existe sem espaço, ou fora dele. Diz-se que duas rectas se cruzam no infinito, ou que qualquer recta faz parte do arco de uma circunferência infinita. Porque não afirmar que o infinito de Deus encontra os seus limites no infinito? Se o centro de um universo infinito está em todo o lado, porque não dizer que o centro de Deus está por toda a parte?

O que me leva, mais uma vez, a cair na tentação de dar atributos a isso que não conheço, e chamo Deus?

Pensemos a ideia contrária. Deus é nada. Não existe. Assim, o infinito é apenas o infinito. Este não contém nada. Talvez nem o próprio infinito exista ou seja. Mais uma ideia, uma palavra. Existe apenas universo, materialidade, o que posso ver através dos meus olhos, ou de instrumentos científicos diversos. O que posso calcular ou prever. Se assim é, elimino todos os paradoxos? Posso acreditar na finitude e na delimitação, mesmo sabendo que para além dos limites do universo algum tipo de espacialidade tem de existir para permitir a sua progressão? Posso acreditar na finitude e na delimitação, mesmo sabendo que me é difícil compreender que antes do primeiro momento de expansão universal – Big Bang – nada existia? De onde veio, então, o tudo? Não é o próprio universo, na sua materialidade, que se oferece ao paradoxo, à infinitude e à absoluteidade?

quinta-feira, março 25, 2010

País endividado é país amansado



O nosso país, esta pequena região à beira mar plantada, periférica e a longo prazo irrelevante, está cada vez mais refém dos ditames económicos e políticos internacionais. Se até há alguns anos tínhamos como obrigação cumprir os critérios da burocracia belga, hoje, outras autoridades se (a)levantam. Mercê de uma dívida externa crescente, Portugal é hoje visado, como num jogo bolsista ultra-avançado, por instâncias norte-americanas de controlo de risco. Instâncias essas que não são – pelo menos na sua essência – políticas, mas antes empresariais. Instâncias essas que são financiadas por grandes grupos económicos norte-americanos que, ao mesmo tempo, financiam a economia europeia através do crédito. Essas instâncias têm como objectivo avaliar o “risco da dívida”, ou seja, a capacidade de um país credor vir ou não a pagar os juros desse mesmo crédito. O mais curioso é que essas mesmas instâncias de risco não foram capazes de, em tempo útil, prever o colapso financeiro que teve início com a crise do sub-prime no seu próprio país! Os EUA são, ao mesmo tempo, o país mais endividado do mundo, tanto a nível de défice interno como externo, mas impõem agora tipificações de risco aos países europeus, vítimas secundárias da irresponsabilidade dos agentes económicos norte-americanos, da especulação imobiliária, do crédito irresponsável tanto do lado do credor como do devedor. Portugal, já de si garroteado pelas imposições dos PEC´s, vê-se agora também constrangido no colete de forças das empresas emissoras de crédito. Quem ainda tem dúvidas de que certas instâncias económicas têm mais poder político que os próprios governos soberanos dos estados, têm aí, à vista, a prova, a chaga aberta para tocar e crer. É assim, por estes meios, que continentes inteiros atrasam e condenam outros continentes à anemia económica, através de um controlo crescente que é imposto pelo endividamento. É a ameaça não mais velada do “ou cumpres, ou aumento-te o juro”. Há pelos vistos um ditado que diz que “Povo endividado, é povo amansado”. Podemos talvez parafraseá-lo no contexto das nações: nação endividada, é nação amansada...

Neste contexto, a Europa só poderá levantar-se e afirmar-se economicamente se 1) for capaz de encontrar outras fontes de financiamento da economia, 2) for capaz de se solidarizar internamente com os estados mais fracos, sem esperar que instâncias externas como o FMI o façam, 3) for capaz de aliviar o garroteamento que os estados mais fortes impõe sobre os mais fracos, nomeadamente através da imposição de quotas de produção – regime obsoleto -, e de saneamentos de contas públicas em – absurdos – períodos de 3 anos. No contexto actual, o que se passa é que os estados mais fortes da União limitam o progresso dos mais fracos, e os países financiadores como os EUA limitam, por sua vez, o progresso tanto dos fortes como dos fracos – bem como o seu próprio progresso, em última instância -.

Da parte dos agentes políticos em geral, o que se vê é um mastigar lento, uma política débil e cobarde de gestão do status quo. Ninguém tem coragem de mudar, de impor políticas a sério, não de quatro anos, mas de dez ou quinze. O que se passa é uma anedota. A soberania é cada vez mais uma caricatura de si mesma, e cada um dos agentes públicos é um peão, um joguete, um soldadinho de chumbo no tabuleiro das nações.

A ver vamos.