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domingo, agosto 14, 2011

Mitos europeus




O sucedâneo das crises que lentamente, progressivamente, angustiantemente, vão afundando a Europa, é revelador de outras crises mais profundas. Todos os dias surgem novos problemas, e para esses mesmos problemas surgem as mesmas já mastigadas soluções. Atingiu-se uma espécie de limite da teoria económica para além do qual não existe novidade. Os decisores europeus - e porque não também os decisores norte-americanos? - parecem ter esgotado as suas panaceias. As mezinhas da austeridade e dos discursos da "confiança" deixaram de surtir efeito, à semelhança de um antibiótico que já não destrói bactérias que entretanto se tornaram resistentes. Precisam-se de novos antibióticos, novas soluções. Depois, há sempre ideias que vão sendo veiculadas e depois reverberadas pelos políticos, mas que, se bem estudadas, não representam solução nenhuma.

Pois vejamos: criação de uma agência de rating europeia. Primeiro, não entendo a necessidade de criar uma agência de rating europeia quando elas já existem em muitos países da União Europeia, inclusive em Portugal, e talvez o importante fosse começar a dar-lhes mais atenção procurando quebrar a hegemonia das agências "clássicas". Segundo: a criação de uma agência europeia de rating representa uma exemplo típico de "batota". Pois, de que tipo de agência estamos a falar? De uma agência patrocinada pelos estados ou uma empresa privada? Num caso ou no outro, tenho dúvidas que os investidores lhe dessem algum tipo de credibilidade se ela apenas servisse para veicular as opiniões dos estados acerca de si mesmos, a da Europa acerca de si mesma. Terceiro: para quem está atento ao que se passa nos EUA, logo pode concluir que o facto de existirem várias agências norte-americanas não invalida que estas se virem contra o "dono". Nada nem ninguém impediu a Standard&Poors de baixar o rating dos EUA de AAA para AA+, mesmo depois de os responsáveis do governo lhes terem demonstrado que as contas em que se basearam estavam erradas.

Outro dos mitos é o dos chamados "Eurobonds", ou títulos de dívida europeia. De nada serviria ao BCE emitir títulos de dívida europeia se os estados europeus pudessem continuar a endividar-se individualmente, sem um maior controlo político de Bruxelas. Emitir dívida europeia implicaria mais federalismo, mais governança económica europeia, e até um orçamento europeu. A dívida teria de ser comum, partilhada por todos de forma igual, e por isso, não é de esperar que no actual estado de coisas os estados menos endividados aceitem partilhar o fardo dos mais endividados.

E isto digo eu, que não percebo nada de economia nem de finanças, nem consta que tenha biblioteca.


sábado, agosto 06, 2011

Reflexões sobre a Origem



A necessidade da Origem radica na absurdidade do Infinito. Na esteira de uma lógica clássica, todo o efeito tem necessariamente uma causa. Contudo, não é possível prolongar a cadeia das causas e dos efeitos ad infinitum. A "causa primeira", o "motor imóvel", a "causa não-causada", o agora sem antes. Pensar a Origem é como fazer vibrar a corda do paradoxo em tensão infinita. Perante o indeterminado, a infinitude, é o próprio juízo que se suspende, formatado que está pela regularidade clássica do mundo.

Do mesmo modo que transportamos nos núcleos das nossas células os vestígios remotos de um antepassado comum, transportamos igualmente a herança da Origem, gravada algures, subtilmente, no ser que somos. Existiram, porém, muitas origens depois da Origem. Muitos começos. O passado está cheio de começos. Hoje mesmo, muitas são as possibilidades que se abrem a novos futuros. É possível que a compreensão da Origem do Tudo esteja inacessível ao entendimento humano. É provável que os "big bang" de hoje não passem de teorias acerca da origem de qualquer coisa diferente da Origem, meros fenómenos de continuidade. Pode-se aventar que o universo - o "nosso" universo -, esta dimensão de espaço-tempo, não passa de um estertor final, a manifestação do fim de qualquer coisa, destroços projectados de um cataclismo escatológico, e não expressão de um princípio. Também é legítimo pensar o contrário... Talvez o Tudo não passe de uma excepção à regra - o Nada. Um efémero desiquilíbrio na malha do Equilíbrio.

Dito isto, proponho que toda a Física não passe de física de partículas. O comportamento manifesto do universo talvez não passe de uma expressão de um comportamento mais subtil e elementar - o das partículas mais simples. Diria que a física dita clássica ou relativista talvez não passe de um véu de Maya, uma construção maior mas mais instável e grosseira, cujo fundamento está na física mais simples e estável das partículas mais elementares. Assim, será legítimo afirmar que a história da Origem é a história de como as partículas elementares vieram a ser o que são.

Pois, imagine-se que as partículas elementares são cartas de um baralho. A sobrevivência de tais partículas, num universo primordial, dependeria em larga medida de uma organização, uma coesão estável entre as mesmas. À semelhança de um castelo de cartas, as partículas estariam ameaçadas constantemente pela destruição, pelo caos desorganizador, por uma anti-força, ou seja, uma potência que se oporia à sua organização e complexificação. No caso do castelo de cartas é a gravidade, sempre pronta a tirar partido da fragilidade da sua estrutura para a desmoronar. No caso das partículas elementares, chamaria anti-força. Toda a organização é, portanto, um combate constante em sentido contrário a uma força caótica, fragmentadora e aniquilatória. Podemos construir um castelo de cartas até um certo ponto em que a gravidade vence e ele desmorona-se. Podemos aventar que, no princípio, as partículas organizaram-se fragilmente, nunca logrando um maior nível de complexificação, incapazes de vencer esta anti-força. Algo, porém, conduziu-as a uma complexificação da sua organização capaz de um equilíbrio mais estável. Eis que surgem os primeiros núcleos atómicos, os primeiros protões, electrões, fotões e, numa outra fase, átomos.

Cabe aos físicos e matemáticos dar expressão matemática a estas reflexões.