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quinta-feira, abril 27, 2006

25 de Abril - Revolução inacabada


Hoje comemora-se o 32º aniversário da revolução dos cravos. Importa que nos questionemos 32 anos depois sobre o significado que esta data continua a ter na mente dos portugueses, e em que medida vale a pena que, ano sobre ano, continuemos a lembrá-la com pompa e circunstância.
O lugar-comum é o da Liberdade. Porque a investida dos capitães de Abril resultou na instauração de um regime democrático – embora com muitos percalços pelo caminho -, a dimensão que resulta e que nos faz brilhar o olhar ao pensarmos na revolução, é a emancipação das liberdades cívicas. Principalmente quando falamos com um ex- preso político, ou com um ex- combatente, ou apenas com alguém que presenciou todos aqueles momentos inolvidáveis no terreiro do Paço, ou no Largo do Carmo, como se o ter pertencido e presenciado a história em si fosse como avistar um tesouro e querer partilhá-lo com outrem – e é mesmo! Será no entanto importante lembrar que o primeiro dos objectivos do 25 de Abril não foi instaurar uma democracia, mas sobretudo terminar com uma guerra que da qual não se conhecia o fim, para onde se enviavam almas para morrer por uma causa há muito perdida.
Para os mais jovens, aqueles que do 25 de Abril só conhecem o que lhes foi debitado na escola, ou dos testemunhos dos mais velhos, esta data não representa nada que de facto os faça vibrar de emoção – é mais um feriado para gozar – e mesmo que se fale em liberdade não é de facto um termo que conheçam bem, visto que, como o ar que se respira, está lá e não é perceptível nem compreensível que há um preço por ser-se livre.
E porque nenhuma revolução exterior de facto dura, senão quando transfigurada absolutamente em revolução interior, o 25 de Abril - ou aquilo que com ele se iniciou e nunca de facto terminará -, deverá ser interiorizado e sobre ele devemos cada um com os seus botões entender o que com ele se pretendeu, se conseguiu, conquistou, e aquilo que cada um de nós como cidadãos responsáveis deve aprender e, sobretudo, continuar!
O 25 de Abril, assim como a Revolução Francesa, ou qualquer outra revolução que tenha existido no passado, está aí, à nossa frente, e depende de cada um de nós, assimilando a nossa responsabilidade e nunca a nossa distância como se algo que se tivesse passado há 32 anos não fosse da nossa conta.
Por isto não tolero minimamente que hoje, os bem acomodados covardes da nossa politica, das nossas forças armadas, ou de qualquer outro sector da vida cívica falem da revolução cheios de propriedade, e na sua vida de todos os dias continuem egoístas para quem está ao seu lado, ou covardes a cada momento com quem os subordina, sempre em busca de um estatuto ou de uma posição mais segura. Se há neste momento alguém que admiro no 25 de Abril só pode ser uma pessoa, a única que nunca correu atrás do poder, nem fugiu mesmo quando soube e percebeu que a sua carreira tinha caído por terra, e que se a revolução corresse mal, nunca mais veria o seu país. O único, que anos depois da data em que todos o relembram de fato militar e cenho franzido pela responsabilidade da história, assumiu de facto o ideal e nele depositou a sua fé absoluta. Morreu novo, pobre Maia, talvez por desgosto ao ver naquilo que o país se estava a tornar...
Viva toda a revolução que não termina!

sexta-feira, abril 21, 2006

Sobre caminhar

Continuo em busca de mim mesmo. Sigo por caminhos escolhidos, veículos de procura e de aperfeiçoamento pessoal. Caminhei por montes e vales, por estradas quentes, por riachos, apoiei-me no meu «cajado ecuménico» cada vez com mais força, como que pedindo dele uma resposta para a minha inquietação. Depois de ter provado o travo do amor verdadeiro, aquele que nos enche com alegria e serenidade de espírito; depois de ter vivido sonhos e ter recebido escolhos, o mesmo vazio, a mesma inquietação ainda se move no meu espírito, ainda que parte da resposta tenha sido obtida, ainda que tenha aprendido que na vida só as perguntas e as pedras do caminho contam realmente…
Não tenho dúvidas agora de que a vida em comunidade fraterna nos enche quase na totalidade, preenchendo aqueles vazios interiores da falta de integração, e desviando-nos o pensamento das questões ditas existenciais, que muitas vezes mais não são do que o resultado do não saber de facto viver. Não tenho dúvidas de que o destino do homem reside no aperfeiçoamento da vida em comum, na diluição progressiva do individualismo selvagem (nunca do individuo), e na consciência de grupo e de unidade, fundamental para o crescimento do próprio eu como identidade. Porém, nesta sociedade de encontros e desencontros em que tudo são bocados, como dizia Pessoa, estes vislumbres são raros, prenúncios talvez do futuro mas tão efémeros quanto o empenhamento de quem por eles passa.
Há uma aprendizagem fundamental para se viver em comunidade. Exige-se sobretudo esforço, compreensão, abnegação, e para ligar tudo isto, Amor. Grande parte dos conflitos são provocados pelo egoísmo e pela falta de capacidade de ouvir e colocar-se no lugar do que está ao nosso lado. Viver em conjunto tem de significar entrega, serviço, abertura. No entanto não significa a perda da sua própria identidade, ou a dissolução da individualidade como uma gota num lago. Pelo contrário: quanto maior a integração maior deve ser a afirmação do próprio eu. Um grupo saudável tem de ser um veículo através do qual cada elemento possa caminhar até ele mesmo, e nunca para alguém diferente de si, ou para um alguém colectivo abstracto. Um comunidade que procure diluir o indivíduo acabará mais cedo ou mais tarde por se tornar uma comunidade do ressentimento, e é aí que entram em acção os mais terríveis instintos do homem: a vingança, o ódio velado, a violência. É verdade que o conflito pode ser evitado, mas porque a vida em comunidade é como uma tectónica de placas exigindo ajustamentos aqui e ali, há pequenos conflitos que são saudáveis e promovem a união. É importante que o indivíduo tenha presente que existe abertura e liberdade para exprimir as suas impressões e mais profundos sentimentos sem qualquer restrição. É a melhor forma de ver garantida a sua individualidade e de afastar o ressentimento.
Por tendência natural o homem tende a amar a igualdade, e a rejeitar a diferença. Sobretudo porque é no que é igual e familiar que o homem encontra algum controlo e domínio, ou sobre si, ou sobre o mundo, e muitas vezes o diferente acarreta consigo alguns riscos. Amar a diferença é o primeiro passo para o respeito, e consequentemente para uma vida comunitária mais saudável. A riqueza reside exactamente nesta abertura ao diferente e ao novo, e à constante readaptação a estes. Um grupo que tende à uniformização tende ao fechamento. O fechamento tende à entropia. A entropia acaba em pobreza absoluta, em estagnação. Não tarda que a inquisição seja a instituição predilecta… É por isto que a Lei como elemento normativo e organizador deve precaver-se contra a estagnação. Porque em todo o grupo há mais cedo ou mais tarde a tentação de legislar. Em primeiro lugar porque há um desejo de conservar em base sólidas determinadas conquistas – elemento conservador; se o grupo se deu bem segundo determinadas linhas de orientação então há que registá-las para que não se percam. -. Em segundo lugar porque há uma tendência em qualquer grupo para a institucionalização, no sentido de se cristalizar como um facto garantido e pleno de direitos perante a comunidade social. E é neste ponto que reside o maior perigo. Porque determinadas conquistas são obtidas a lei pode tender à dogmatização, contrária à abertura e ao movimento essencial e fundamental em qualquer grupo. A lei pode não ser mais do que a materialização em leis cristalizadas de uma lei tácita, que deixa de estar presente nos elementos e na intuição colectiva de um grupo, para se exteriorizar a estes e consequentemente desumanizar-se. Cuidado com a lei, principalmente quando deixa de partir do coração para passar a partir do mármore em que foi gravada. A própria norma não deve tornar-se um fim em si mesma para o qual tende e de onde parte a acção do grupo e dos seus elementos, mas só e apenas o meio através do qual se cumprem as condições essenciais à boa comunhão e ao atingir dos objectivos. A lei deve ser viva, e não um peso morto que impeça o saudável movimento e devir da comunidade. A lei é provisória porque define apenas a melhor solução encontrada até aquele momento para regular uma determinada circunstância. Veja-se a lei que define o crescimento de uma flor. Jamais esta evita que a flor se deixe de movimentar consoante o sol, ou feche ou abra o botão consoante é dia ou noite. Isto porque a lei que a define não é o fim em si mesma, mas o meio através da qual a flor aprende a adaptar-se. A lei orienta de forma abrangente, não determina objectivamente.