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quinta-feira, dezembro 31, 2009

Para uma vida mais autêntica - Viva 2010



Estou em crer que todo o ser humano tem as suas dúvidas, os seus dilemas, os seus bloqueios à felicidade, na maioria das vezes recalcados e subjugados pelos imperativos da modernidade. Não posso estar de acordo com o que se afirma recorrentemente acerca da ignorância como sinónimo de felicidade. É mentira. A ignorância, sobretudo se auto-imposta, apenas aumenta a dúvida ao ponto de a tornar insuportável. A fuga ao esclarecimento torna-se embriaguez e auto-adormecimento. Isso não é felicidade.

A dúvida existe em cada homem. Não se trata, na maioria das vezes, de uma dúvida concreta, uma questão formal e distinta da qual o indivíduo tenha consciência profunda. Noventa e nove por cento da Humanidade vê-se incapaz de formalizar ou concretizar as suas próprias insatisfações interiores. Assim, se não é capaz de as formular, muito menos é capaz de as esclarecer.

Tomo consciência diária das minhas próprias dúvidas. Conheço-as bem, pois convivo com elas lado a lado. Fazem parte do meu quotidiano porque delas não procuro fugir. Integro-as e vou tentando dar-lhes resposta. Por vezes, entrevejo-lhes as soluções, os meios para lhes dar resposta através de escolhas que alterem o meu modo de vida. Tenho-as no meu horizonte como referências, como polares ou cruzeiros do sul.

Nas vidas dos outros, nas suas gargalhadas e alegrias aparentes, vejo véus de felicidade. Penso diversas vezes, “Como são eles felizes! A vida é para eles tão fácil, tão limpa e escorreita. Não se questionam, vivem, apaixonam-se!”. Mas talvez seja eu a ver nos outros o que eu gostaria para mim próprio. Melhor dizendo, serei eu projectando nos outros uma hipotética felicidade que não existe. Uma ilusão pura e simples. Que felicidade existe para esses que “não têm ambições”, que “aproveitam cada dia como se fosse o último”, ou que “pedem apenas saúde”? Como podem ser mais felizes do que eu, que tenho dúvidas, que penso, que dou mais valor ao que dura do que aquilo que é efémero, que tenho ambições de proporções míticas, de gloriosas e nobres conquistas? Afinal, de que felicidade falam eles que a mim não me satisfaz?

Não será mais provável que cada uma dessas pessoas – cada um de nós – seja pródigo em manobras de auto-diversão para se auto-iludir? Não serão cada uma dessas “filosofias de bolso”, essas mesmas de trazer por casa, ditas populares, meros panos quentes, paliativos para a dúvida que jamais desaparece?

Quero crer que ninguém se pode iludir eternamente. Cada um de nós tem sonhos de grandeza, objectivos ambiciosos, dúvidas e dilemas que nunca deixam de existir. Existem diversas doenças crónicas com as quais os homens aprendem a viver, sejam diabetes, dores de cabeça, fibromialgias diversas. A doença crónica da modernidade, essa para a qual usamos paliativos diariamente, é a doença da não-realização. Aprendemos a superar a dor da dúvida e a adiar os sonhos como se aprende a injectar insulina à hora marcada.

Aproveitemos o novo ano para dar voz a essa voz que diariamente tem de se calar. Aproveitemos os silêncios, os pequenos interregnos que a sociedade nos concede, para entrarmos dentro de nós de espírito aberto, preparados para dar azo às dúvidas e aos sonhos. Seremos mais e melhores se formos completos. Seremos de uma vez por todas Homens e Mulheres com letra maiúscula.

terça-feira, dezembro 22, 2009

Brainstorming - aberto a todos



A nossa sociedade avança a dois tempos. Por um lado, as solicitações profissionais, tecnológicas e económicas; por outro lado, as solicitações éticas e morais. É certo que a evolução não é paralela, e conduz os indivíduos e comunidades a desafios cada vez mais persistentes, dilemas que derivam de uma premente necessidade de adaptação e sobretudo de compreensão, por parte dos mesmos indivíduos e comunidades, de antigas e novas realidades.

Todas as crises destroem tanto quanto constroem. Esvaziam e criam novos espaços, novas oportunidades de germinação e génese. Acredito cada vez mais na necessidade de abrir novos espaços de diálogo. Acredito no poder da formação e das ideias.

Por isso, gostaria de pedir ao leitores deste blog uma espécie de "brainstorming". Quais são, na vossa opinião, as necessidades formativas mais prementes da nossa sociedade? Que espaços de formação e de diálogo seriam mais construtivos para os indivíduos comuns? Dessas mesmas propostas, quais as mais capazes de preparar o indivíduo para cada um dos desafios que se lhe deparam hoje?

Fico a aguardar!

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Mais um degrau - a formação é um direito




Finalmente, amanhã termino a curso de formação de formadores. Cumpri mais um pequeno-grande objectivo, com algum sacrifício e jogo de cintura para conjugar a indeterminação horária do meu actual emprego com os horários do curso. Farei uma apresentação, assim como todos os meus outros colegas, que será avaliada segundo 14 critérios de correcção, e que nos dará acesso ao tão desejado CAP.

Nestes quase dois meses de formação conheci gente extraordinária, cheia de histórias de vida, de idiossicrasias diversas com as quais muito aprendi. Valeu em grande medida por toda a experiência adquirida, não só no âmbito pedagógico, como no âmbito do relacionamento inter-pessoal. Tenho de agradecer a todos os formadores, e em particular ao Dr António Fonseca, gestor e formador da WPM - empresa de formação onde tirei o curso -. De notar a atenção que disponibilizou, a genuína preocupação com que lidou com o meu caso pessoal, fazendo os possíveis para ajustar o horário do curso ao meu horário de trabalho.

Admiro a iniciativa de cada um dos meus colegas, sobretudo daqueles que vêm de meios profissionais muito diversos da formação, ou são mesmo considerados "indiferenciados" pelo mercado de trabalho, dado possuirem apenas o 12º ano. Toda a vontade de aprender mais e melhor é, não só absolutamente legítima, como prova de uma humildade profunda capaz de levantar mundos. Ninguém tem de se sujeitar eternamente a ser mal pago, explorado e muitas vezes humilhado no seu local de trabalho. Ninguém tem de ser eternamente "carne para canhão" das empresas, visto como facilmente substituível, dispensável, descartável. Há uma facto de que ninguém se pode esquecer, sobretudo aqueles que estão em cargos de chefia ou comando: todas as pessoas têm dentro de si um senso de dignidade que tem de ser respeitado. Este senso é tão grande quanto a pessoa se sente digna de ser vista como aquilo que é, ou aquilo que se esforça por ser. Procurar mais e melhor formação é assumir que se é digno respeito, e até de admiração, ainda que muitas vezes baste uma palavra de reconhecimento.

Como estou a ler num livro esquecido e empoeirado dos anos sessenta, esquecido algures entre as prateleiras da Biblioteca da Junta da Senhora da Hora, ferir o senso de dignidade de um ser humano gera ódio e ressentimento. O ódio e o ressentimento mal geridos e recalcados conduzem à maldade, ao desrespeito mútuo e à violência, que na nossa sociedade se expressa em criminalidade violenta, menos violenta, violência doméstica, e até nas guerras nas quais fomos e somos ainda protagonistas.

quarta-feira, novembro 25, 2009

Porque não escrevo...

Escrevo hoje para pedir desculpas. Deve parecer estranho, sobretudo aos mais assíduos leitores deste blog, que eu nada tenha publicado neste últimos tempos. Pois é. Na vida há escolhas que temos de fazer, escolhas muitas vezes dificeis, escolhas das quais depende a satisfação das necessidades mais básicas e imediatas de uma (sobre)vivência com qualidade.

Goradas todas as minhas expectativas profissionais mais imediatas, vi-me forçado a fazer uma escolha profissional que em nada me dá prazer ou realiza. Actividade essa que me ocupa 9 horas por dia em turnos incertos que não respeitam noite ou dia, natal ou ano-novo, familias ou afectos. Actividade essa que me deixa muito pouca energia para reflexões, para análises filosóficas, para leituras que tanto prazer me dão. Actividade que em tudo diverge da minha formação, ou sequer da minha vocação.

E não me chamem ingrato porque não o sou. Aceito, mas não quer dizer que me resigne a este estado de coisas. Há muito quem seja feliz desta forma, talvez porque as suas expectativas sejam menores, ou até porque se sentem mesmo realizados neste meio. Não sou hipócrita ao ponto de dizer que o sou, porque não é verdade. De todo. Faço o que tem de ser feito, porque simplesmente TEM de ser feito. Entretanto, aponto o meu olhar para a montanha lá à frente, essa mesma que sempre se afasta mas que nos dá o norte. Mantenho a esperança.

Peço desculpa mais uma vez.
Obrigado pela vossa compreensão.

Ruben

segunda-feira, novembro 09, 2009

Gripe A - ignorado mais uma vez

Publico aqui o texto que enviei, mais uma vez, para a página do leitor do jn, e que, como já vem sendo hábito nos textos acerca da gripe A que envio para o jornal, este ignorou completa e eloquentemente.

Afirma-se frequentemente - e erradamente - que a gripe A é mais agressiva e mortífera que a gripe sazonal. De facto, um médico francês afirmou recentemente, num artigo publicado no Le Monde, que a gripe A poderá matar cem vezes mais que a gripe sazonal. Contudo, ele compara dados estatísticos de França, com dados obtidos em ilhas da Papua Nova Guiné. Ou seja, segundo o médico em questão, a gripe – sazonal ou de outro tipo – mata normalmente por via do síndrome de insuficiência respiratória aguda (SRAG) – vulgo pneumonia -. De acordo com o próprio, em França existem em média cinco a seis casos de morte por SRAG num universo de seis milhões de infectados por gripe sazonal! Por outro lado, o mesmo médico afirma que, na Ilha Maurício, morreram pelo menos sete infectados com Gripe A num universo de setenta mil infectados, por via da SRAG. Serve-se, portanto, este eminente doutor francês de uma comparação que não tem comparação para fazer valer o seu ponto. Sabemos bem que o nível de propagação de uma infecção por gripe é muito mais rapido em meio insular, pelo facto de existir uma maior densidade populacional e a população ter menos defesas imunológicas contra o vírus, mercê do facto de viverem isolados em relações de proximidade e até de consanguinidade. Não é preciso ser médico para deduzir isto. Em boa verdade, e como já confirmou o infecciologista do Curry Cabral, Fernando Maltês, em declarações ao Público, “a morbilidade e a mortalidade provocadas pela a gripe A não são maiores do que a verificada todos os anos por acção da influenza sazonal.”. Uma responsável pela infecciologia do Hospital de São João, no Porto, afirma também no mesmo artigo que a virulência da Gripe A é menor em relação à da gripe sazonal. Ora, ainda que algo reticente, fui ao site da OMS para ver os números. Diz num artigo acerca da gripe sazonal que todos os anos, em todo o mundo, cinco a seis milhões de pessoas são infectadas das quais entre 250 a 500 mil não sobrevivem. De seguida, fui comparar com os números da Gripe A: até ao dia 11 de Outubro havia registo de 4735 mortes num universo de quase 400 mil casos conhecidos! Pasme-se! O ratio de mortalidade da gripe sazonal é de 6 em 100, e o de gripe A de 1 em 100. Qual o mais mortífero afinal? Quanto vão ganhar as farmacêuticas à custa desta campanha de marketing extremamente bem elaborada?

quinta-feira, outubro 29, 2009

Direito à Heresia - a pérola de Saramago



Recentemente, durante o debate com o padre Carreira das Neves acerca da Bíblia e do seu modo de interpretação, Saramago lançou uma pérola deveras extraordinária, sobretudo em alguém que se afirma conhecedor e informado acerca das coisas do mundo e da vida. Pois, segundo Saramago, a Declaração Universal dos Direitos do Homem deveria contemplar “o direito à heresia”. Ora, devo esclarecer o nosso Nobel em dois pontos que me parecem fundamentais. Em primeiro lugar, se existisse explicitamente um artigo que salvaguardasse o “direito à heresia”, ipsis verbis, então seria necessário esclarecer que de que heresia se tratava, visto que há diversas heresias possíveis, tantas quantas as crenças e convicções existentes. Em segundo lugar, já existe algo que muito semelhante a esse dito direito à “heresia”. Tratam-se do artigos 18º e 19º da mesma Declaração, que passo a transcrever na íntegra.

Artigo 18º
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Artigo 19º
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.


Cá está o seu “direito à heresia” senhor Saramago. Espero ter-lhe sido útil.

quarta-feira, outubro 21, 2009

Saramago - o (pseudo)iconoclasta



O lançamento do livro Caim de José Saramago veio acompanhado de uma enorme polémica gerada pelas suas afirmações acerca da Bíblia e da religião em geral. Segundo o entender de Saramago – a partir da sua perspectiva aparentemente desapaixonada e descomprometida -, a Bíblia é um “manual de maus costumes” que reflecte “ o que há de pior na natureza humana”. Ao mesmo tempo, põe em causa o carácter revelacional das escrituras, lançando em tom trocista a questão acerca do meio que Maomé, Abraão ou Moisés terão utilizado para comunicar com Deus. Afirma que o Deus do Antigo Testamento é vingativo, ciumento e figadal, sempre pronto a castigar o homem pelas suas transgressões, seja arrasando com cidades ou inundando o mundo durante quarenta dias.

Contudo, Saramago cinge-se ao Antigo Testamento sem referir que tipo de Deus está presente no Novo. O facto de Saramago atacar tão ferozmente o Antigo Testamento não deveria, em princípio, incomodar a Igreja Católica em particular, nem o mundo cristão em geral. A liturgia e o dogma cristãos assentam muito mais nos evangelhos, nas epistolas, nos Actos dos apóstolos e no Apocalipse, do que propriamente nos livros do chamado Pentateuco. Para os cristãos, este conjunto de cinco livros – Génesis, Exodo, Levítico, Números e Deuteronómio – deve ser lido e interpretado como o prenúncio e a preparação da humanidade para a vinda do Messias, que plenamente se revela nos evangelhos do Novo Testamento e cujo nascimento é previsto pelos profetas ditos maiores do AT– Jeremias, Isaías, Ezequiel e Daniel -.

O Deus do NT é diferente do do AT na medida em que age no mundo através de Jesus, o chamado Filho de Deus. Não só é através de Jesus que Deus age, como só através de Jesus pode o crente chegar a Deus. Jesus apresenta-se como “o caminho, a verdade e a vida”, pois “ninguém vem ao Pai senão por mim”. Jesus traz algumas novas noções que revolucionam em parte a religião judaica: o Antigo Testamento – que corresponde em grande medida à Torah judaica -, está imbuído de uma constante promessa na vitória do povo de Israel, no advento de um Messias político que libertará definitivamente o povo eleito do jugo e da diáspora e o conduzirá à paz na “Terra Prometida”. Por outro lado, Jesus já não fala em Terra Prometida, mas no “Reino de Deus”. Ora, este “Reino de Deus”, como o próprio Jesus afirma “não é deste mundo” e inclui, não só o povo eleito de Deus, mas todos os homens da Terra. É um reino do espírito e não um reino com fronteiras definidas e politicamente soberano. Jesus apresenta-se como o profeta prometido. Os judeus que nele acreditaram tornaram-se cristãos, os que não acreditaram continuaram judeus. Jesus refere várias vezes as tradições judaicas para nelas introduzir diferentes interpretações e mudanças significativas. Por exemplo, não considera necessária a circuncisão física nem o descanso ao Sábado como prerrogativas fundamentais. Ele confronta várias vezes os sacerdotes do Templo de modo a provar-lhes que as suas crenças e costumes estão errados e configuram uma errada interpretação das escrituras reveladas. Apresenta-se também como aquele que completará os “mandamentos de Deus”, acrescentando aos já 10 existentes um outro que parece dar sentido e vida todos os outros: “Ama o teu próximo como a ti mesmo”. Ou seja, para Cristo é menos importante o cumprimento estrito e literal da regra e do mandamento do que o espírito da lei que é, em si mesmo, Amor.

Quanto ao Antigo Testamento ou Pentateuco, é preciso que se diga em primeiro lugar o seguinte: a escrita original dos cinco livros é em hebraico antigo. O hebraico antigo não tem vogais, mas só consoantes. A razão é simples: toda a tradição antiga é oral. As histórias eram memorizadas e transmitidas de geração em geração, e assim o foi por milhares de anos. Os primeiros povos semitas privilegiavam a oralidade à escrita. Neste sentido, o suporte escrito servia apenas como auxiliar de memória ao registo oral. Ou seja, só quem já sabia a história de cor podia interpretar a história escrita! Quem não conhecesse a história não tinha meio de a interpretar ou sequer de saber do que tratava. Além disto, o hebraico é uma língua extremamente flexível. Não existe apenas uma interpretação possível para um determinado texto, mas várias ainda que apontem sempre para um mesmo sentido. Aquele que lê e interpreta embarca numa perigosa aventura, pois está não só a ler mas a reescrever, pois só é possível dar sentido ao texto se se lhe introduzir as vogais. Neste sentido, acredito que os judeus, mais habituados a interpretar e com conhecimentos mais aprofundados do hebraico e da história do seu povo, são mais capazes de compreender não só o que está escrito, mas sobretudo o que não está escrito, ou pelo menos sub-entendido. O Cristianismo, ao querer impor a sua hegemonia sobre os textos bíblicos, interpretou sempre à sua própria maneira e frequentemente traduziu mal a partir do hebraico. Não só traduziu mal como apresentou interpretações unívocas e literais de muitos dos textos. A verdade é que nenhum dos textos do Antigo Testamento pode ser interpretado de modo literal. O Génesis, por exemplo, é um poema mitológico antigo que deriva provavelmente do cosmogonias babilónicas, ou quem sabe mesmo egípcias. A história do dilúvio e da arca de Noé tem todo um conjunto de similitudes com o mito de Gilgamesh, lendário rei sumério metade homem-metade deus que terá existido no séc. XXVIII A.C.

Abrãao - o Grande Patriarca de onde derivam as 3 grandes religiões monoteístas – era natural de Ur, cidade babilónica do Crescente Fértil de onde se acredita ser originário o primeiro grande código legislativo, o Código de Hamurabi. Os 10 mandamentos apresentam grandes semelhanças, no essencial, com este primeiro código. É também verdade que os judeus estiveram exilados no Egipto, e que não só seriam escravos como designa o livro do Êxodo, como em grande medida terão adquirido importantes conhecimentos religiosos, arquitectónicos e místicos que depois lhes seriam por demais úteis na construção do seu próprio templo. Terão chegado ao Egipto completamento dispersos, e dele terão saido unidos nas chamadas doze tribos de Israel – tribos de Rúben, Simeão, Levi, Judá, Zebulom, Issacar, Dã, Gade, Aser, Naflali, Benjamim, Manassés e Efraim – em direcção à Palestina.

Ainda assim, é importante denotar que grande parte da mensagem escrita parece estar numa série de outros dados mais subtis relacionados com certos aspectos místicos. Por exemplo, a importância do número 7, 12 e 40. Foram 7 os dias da criação, são 7 as qualidades do sábio, 7 as partes do corpo humano, 7 céus, 7 planetas, etc; são 12 as tribos de Israel, são 12 os meses, 12 os profetas menores, 12 são os apóstolos de Cristo; 40 anos estiveram os judeus no deserto, 40 dias esteve Cristo no deserto a ser tentado. Há uma lista infindável de relações numéricas que podem ser encontradas e que têm relação com aspectos místicos muito mais antigos que a religião judaica. Certos estudiosos acreditam inclusive que a escrita bíblica em hebraico esconde significados até hoje ocultos, ou só cognoscíveis para meia dúzia de iniciados. Outras correntes afirmam que é o próprio futuro que está inscrito nos caracteres hebraicos.

O que é mesmo certo é que acerca dos livros da Bíblia nem tudo o que parece é. Há uma dimensão cultural, mitológica e histórica que se deve ter em conta e que vale a pena estudar. Quem acredita deve acreditar sabendo aprofundar a sua própria crença. Saramago parece estar mais preocupado em tornar mais ignorantes aqueles que já por natureza o são, os mesmos que nunca leram nem se preocupam em fazê-lo com atitude crítica ou crente. Diga-se o que se disser, a Bíblia é inseparável da própria civilização e do modo de vida no qual estamos inseridos.

O que é estranho no senhor Saramago é que é tão iconoclasta e irreverente perante a ortodoxia religiosa, mas tão ortodoxo e rígido em relação à sua própria religião pessoal – o comunismo. O que tem o nosso Nobel a dizer acerca do livro vermelho de Mao, ou do Manifesto do Partido Comunista de Marx?

quinta-feira, outubro 15, 2009

Mente e Processo de Decisão


Não desvirtuando o objectivo matricial deste blog, deixo-vos um esboço do artigo que estou a escrever sobre o processo de decisão, em parte como resposta ao livro da Dra Sofia Miguens, "Racionalidade". Nele procuro elaborar eu próprio, sem recurso a referências alheias, uma definição do processo de decisão.



Decidir é escolher. É o acto de seleccionar determinado rumo de acção em detrimento de outros rumos possíveis. Decidir - se é de facto um acto de liberdade e não expressão de um puro determinismo – implica actualizar uma possibilidade no âmbito de um leque de possibilidades na qual aquela se insere. Obviamente, a possibilidade não se torna acto por si mesma, mas através de um decisor. O decisor é o sujeito que faz a escolha, deliberando e seleccionando das escolhas possíveis aquela que melhor lhe convém para atingir determinado fim. Em termos formais, a decisão visa sempre um determinado fim. Neste sentido, a decisão não só não se toma por si só, como não se toma sem um acto anterior de deliberação.

Á escolha precede o acto de deliberar, ou seja, o de avaliar qual das possibilidades mais convém à concretização de um determinado objectivo. O acto de deliberação tem como intenção ou motivação a sopejagem das hipóteses possíveis e a conveniência de cada uma para a concretização da finalidade para que tende a decisão. Essa pesagem, ou avaliação deliberada, implica a análise das consequências de cada uma das escolhas possíveis. Cada possibilidade contém em si um determinado “estado de mundo” que é consequência provável da sua selecção pela acto de decisão. Num mundo de incertezas várias, o decisor tem de tomar decisões que comportam sempre uma componente de risco, um possibilidade dentro da própria possibilidade de que o estado de mundo que se propunha actualizar não corresponda ao estado do mundo que, por fim, tem lugar. Portanto, o acto de deliberação implica antecipação de probabilidades, limitação de incertezas e controlo de danos.

Não há um meio absolutamente infalível para determinar o resultado de um acto de decisão. Não existe um meio capaz de expurgar toda a contingência, assumindo que um estado de mundo se segue necessariamente a outro. Talvez daqui surja a associação do acto de decisão ao ser racional, ou seja, ao ser capaz de contemplar na possibilidade a sua dupla-proporção ou ratio de necessidade e contingência. Enfim, a sua probabilidade. Em grande medida, um decisor racional procura de diversas formas reduzir esse ratio de contingência inerente à escolha, nomeadamente através da invenção de métodos ditos científicos. O objectivo da ciência, da matemática aplicada à física, da estatística, não é apenas lúdico ou fruto da pura curiosidade humana, mas fruto da necessidade de diminuir o ratio de imprevisibilidade na decisão, impondo determinadas regras e leis que exprimam uma ordem cognoscível e passível de constituir um método de previsão fiável. Só um decisor que seja capaz de ter consciência da imprevisibilidade, ou que conheça os seus perigos – ou mesmo os tenha sentido na pele – é capaz de fazer ciência.

É o aspecto evolutivo da racionalidade e da decisão. As decisões bem tomadas funcionam melhor em termos evolutivos do que as mal tomadas. Dos que tomaram decisões erradas não reza a história; pelo contrário, dos que souberam controlar a imprevisibilidade muitas histórias se podem contar. Ao contrário do que muitos psicólogos evolutivos afirmam, essa capacidade de deliberar segundo determinadas regras de previsibilidade tem raízes num dado importante muitas vezes descurado – a emoção. A natureza da evolução inventou determinados instrumentos de decisão, nomeadamente determinadas sensações – medo, prazer, dor -. O medo permite ao decisor tomar consciência do erro de determinada escolha antes sequer de a tomar. Antes de um animal ter medo do fogo, muitas gerações de animais tiveram de se queimar e mesmo de morrer. Múltiplas gerações tiveram de aprender à custa do erro o valor da cautela e da prudência. Curiosamente, Santo Agostinho no séc. V aborda precisamente a questão da vontade, na perspectiva de que ela pode ser concupiscível ou irascível, ou seja, naturalmente tende para o que lhe é bom e afasta-se do que lhe é mau.

Perante o precipício, tomar a decisão de parar e recuar teve melhores resultados do que a de dar dois passos em frente. Naturalmente, a prudência é já uma espécie de dado probabilístico inscrito nos próprios genes – inata - no sentido em que o sujeito instintivamente está consciente da grande probabilidade da queda, e do modo como esta o prejudica enormemente enquanto ser vivo. Perante tais circunstâncias a decisão é simples. Contudo, nem sempre este conhecimento tácito e instintivo tem ascendente sobre a escolha do indivíduo. Sabemos que, em certas circunstâncias, a decisão é contrária às probabilidades e aos “avisos” inscritos na memória genética. Por exemplo, quando se trata de cometer suicídio, a deliberação que conduz a esta decisão não vai de encontro ao que seria de esperar. A decisão de acabar com a própria vida vai contra o instinto natural de sobrevivência, contra o medo e a certeza do perigo da queda, ou da bala, ou do comprimido.

Estou já de certa maneira a descer do patamar de uma análise formal da decisão, para uma descrição da prática da escolha do decisor humano. Porém, teremos nós essa legitimidade? O que me leva a acreditar que o ser humano é realmente capaz de decidir? Haverá alguma correspondência possível entre o quadro formal da decisão e o aspecto heurístico do acto de decidir? Perante tais questões, sou imediatamente levado a pensar que uma aparente análise formal mais não é do que uma projecção do plano do concreto e prático em direcção a um plano ideal, ou seja, o mais funcional e perfeito possível. A “análise” projecta a forma como deveria ser, e não como de facto é. Neste sentido, não existe uma “análise” no verdadeiro sentido do termo. Por exemplo, quanto à linguagem, quando se pretende criar um quadro formal que seja a expressão pura da língua, à semelhança de um Frege, ou desvelar uma espécie de módulo mental linguístico que contenha uma gramática formal de toda a linguagem como procura fazer um Chomsky, não me parece que o objectivo de provar a existência de tal formalidade seja concretizado. Qualquer tentativa de “platonizar” a estrutura da língua não passa de um esforço de descrição daquilo que a língua deve ser e como deve funcionar, mais do que aquilo que ela verdadeiramente é e como funciona. É mais uma forma de se tornar previsível o caos linguístico, procurando matematizar os processos de comunicação e raciocínio expressos através do símbolo. É por isto que Frege procura transpôr para a linguística princípios matemáticos, e Russel segue-o em muitos aspectos. É por isso que Wittgenstein chama a este exercícios formais jogos de língua. Uma frase ou proposição exprime um pensamento, uma crença ou um desejo. A estrutura ideal de qualquer proposição não é apenas a sua estrutura lógica, nem o seu carácter de verdade ou falsidade. Ser verdadeira ou falsa não é condição sine qua non para que faça sentido, mas apenas uma condição de adequação da proposição à realidade que procura descrever. Mas também é verdade que não se pode atribuir valor de verdade ou falsidade em relação a uma proposição que exprima crença ou vontade. Nesse caso, a verdade ou a falsidade apenas depende do sujeito que emite a proposição. Portanto, a estrutura lógica pura da linguagem é redutora e não faz jus à infinitude das possibilidades. Ora, acredito que o mesmo acontece com o processo de decisão.

Nesta senda, poderíamos afirmar que existem várias formas de decidir, e que só uma abordagem científica ou naturalista pode categorizar todas as possibilidades partindo da descrição dos fenómenos ligados ao processo de decisão. Por um lado, tal abordagem tem mérito na medida em que nos dá uma visão mais abrangente do processo em si, do modo como o comportamento do decisor se relaciona com o mundo, se adapta, acomoda, ou assimila. É a típica abordagem psicologista dada a um certo behaviourismo, a um naturalismo epistemológico quineano, ou, se quisermos também, a um construtivismo piagetiano. É uma abordagem que satisfaz muitos daqueles que defendem o primado da ciência, dos que pretendem reduzir toda a realidade a uma espécie de monismo. Curiosamente, também esta abordagem é, só por si, extremamente redutora. E é-o por uma razão muito simples, que está relacionada com o que já afirmei anteriormente – também esta abordagem exclusivamente científica ou psicologista pretende apresentar modelos de decisão que tornem previsível o comportamento do decisor, ou seja, que reduza, em última análise, o processo de decisão a “módulos” de input e output, como é tão do gosto dos filósofos americanos. Este tipo de modularidade que é proposta, por exemplo, por um Fodor, pretende que o comportamento e, consequentemente, o processo de decisão se reduza a um conjunto de inputs e outputs no seio de vários módulos mentais, fechados sobre si mesmos, e em grande medida autónomos. Ora, esta perspectivação recorda-me de imediato a tentativa de Leibniz de reduzir o real a mónadas, também elas solipsisticamente autónomas e absolutas. Na minha perspectiva, estas tentativas de explicação dos processos mentais não passam de esforços atomistas no quadro de outras tentativas semelhantes, cujo pecado original terá sido o atomismo psicológico de Wundt – ou mesmo a frenologia que o antecedeu - passando depois pelo atomismo lógico de Russel e terminando provavelmente no modularismo fodoriano ou na hipótese dos módulos darwinianos. Vejamos: trata-se de uma atitude que deriva da concepção epistemológica de que o objecto é a soma das suas partes, e que só a análise das suas partes pode levar-nos a compreender o todo do objecto. Deriva talvez da própria ciência natural que pretende reduzir os compostos às suas partes simples, a molécula ao átomo, o átomo ao quark.



Esta é uma tendência que pervade a filosofia em diversas disciplinas, nomeadamente na metafísica e na epistemologia. No plano da ontologia fala-se em categorias, independentemente do paradigma – ser, consciência, linguagem -. As categorias são também, em larga medida, módulos que permitem o conhecimento, através dos quais e pelos quais o real é organizado e se transforma em fenómeno. Em Kant, por exemplo, as categorias a priori do entendimento e da sensibilidade permitem a síntese dos dados da experiência gerando fenómenos passiveis de serem cognoscíveis. Não deixam, portanto, de existir inputs e outputs de dados num certo sentido. Outros filósofos, como Hartman, procuraram também modularizar o real propondo esferas ou dimensões do cognoscível. No caso particular de Hartman, a dimensão do cognoscivel abrange a esfera do real, do ideal, gnoseológica e lógica. Portanto, se se fez e continua a fazer uso de paradigmas categorias no plano da ontologia, não é de admirar que se proponham paradigmas modulares no plano da teoria da mente.




Uma definição abrangente de Decisão

Como já referi anteriormente, compreender o processo de decisão implica compreender o processo de deliberação racional. Compreender o processo de deliberação implica, por sua vez, a compreensão das regras que o subjazem – se é que tais regras existem e não passam apenas de algum tipo formal de explicação -. Mais uma vez, a finalidade de tal elaboração formal visa o aumento do grau de previsibilidade do processo decisório, instituindo regras funcionais que permitiriam eventualmente a elaboração de metodologias de previsão – ou teorias -.

Afinal, quem – ou o quê – decide? Chamemos-lhe “decisor”. A entidade que decide é sempre, em qualquer circunstância, a mesma que delibera? Sentimo-nos tentados, por hábito filosófico, a dizer que sim. Contudo, não será também legítimo falar de “decisores colectivos”? Noutras palavras, é legítimo falar de um conjunto de indivíduos capazes de deliberar em conjunto e decidir da mesma forma, ou de deliberar em conjunto e delegar num só a tarefa de decidir? Deveremos, neste sentido, colocar em causa o carácter isolado e insular do processo de decisão? Somos, por hábito e herança conceptual, tentados a remeter o processo de decisão para um indivíduo isolado e até solipsisticamente fechado sobre as suas próprias regras deliberatórias. Agradeçamos ao Eu penso cartesiano, e também, em parte, à vontade e à revolução coperniciana de um Kant que deslocou o centro de gravidade dos transcendentais – cuja essência era anterior e causa da existência – de Deus, para o Homem e para o carácter transcendental da razão pura. Nesta senda, a razão é levada a “dobrar-se” sobre si mesma para compreender os seus próprios limites.

Hoje, muitos filósofos já não falam em “Razão”, mas em “Mente”. O processo de decisão cai, portanto, na alçada da chamada “Teoria da Mente”, cujo objecto é precisamente essa entidade um pouco obscura e abstracta denominada de “mente”. A mente, em princípio, é parte integrante do indivíduo. Digo em princípio porque é possível pôr em causa a existência da mente nos outros indivíduos exteriores a nós. É a questão dos “qualia”. Não temos garantias absolutas nem objectivas acerca da existência de “mentes” nos indivíduos que nos rodeiam, que vivem connosco, que passam por nós todos os dias na rua e com quem trocamos por vezes breves palavras. Num certo sentido, podemos apenas acreditar que todos esses individuos têm “qualia” e que não são meros zombies. É mais um daqueles princípios que tomamos como certezas à partida, meramente porque nos são úteis e suficientes. Desta forma, se a mente é apenas uma estrutura individual e autónoma nunca lograremos uma total compreensão e delimitação das mentes alheias, pois elas situam-se num plano ab-soluto que nos é ontologicamente inacessível. Contudo, nem aqui deveremos cair na tentação da absolutização ou na modularização das mentes individuais. Estas não são estruturas monadológicas. Porém, se há uma uma mente à qual aparentemente temos acesso objectivo e imediato, é à nossa. E mesmo aqui é preciso ter cuidado. Se tudo se passar desta forma, que legitimidade nos resta para descortinar regras subjacentes aos processos mentais a partir de um abordagem objectiva de algo que está ferido enormemente pela subjectividade? Há algum meio de fazer induções válidas acerca de regras gerais sem cometer o erro da sobre-generalização? Existe algum plano comum, comunicacional entre as diversas “subjectividades” mentais que permita tal análise?

Aparentemente, sim. O intercâmbio possível faz-se através da linguagem, entendida aqui num sentido lato, ou seja, todo e qualquer tipo de expressão simbólica passível de criar consensos, transmitir significados ou estados mentais ou do mundo, gerar acções ou reacções performativas (por ex: os actos de fala [Austin]). Este intercâmbio é permanente e contínuo, uma espécie de fluxo semântico entre indivíduos e símbolos. Ele põe em comum significados, e como tal se chama de comunicação. A comunicação é deveras importante, em particular para a sobrevivência e sucesso evolutivo do ser humano, pelo que a estrutura a que chamamos mente é em grande medida um sistema de compreensão, descodificação, síntese sintática e produção semântica. Desta forma, não é possível falar em processo de decisão alienado do processo de comunicação, na medida em que a fixação de crenças que servem de base ao processo de deliberação muito deve ao fluxo comunicacional. Atrever-me-ia até a afirmar que o processo comunicacional existe também como meio de diminuir o ratio de imprevisibilidade do processo de decisão, reforçando crenças e opções que são a matéria-prima do processo de deliberação. Portanto, discurso e palavra são sintomas de racionalidade, sendo que não se pode falar em racionalidade sem se falar em discurso – não é por acaso que razão e discurso derivam da mesma palavra grega logos - .

Façamos uso de um exemplo mais ou menos ilustrativo. Um jovem pretende escolher o curso que pretende frequentar na universidade. Sabemos de antemão que a decisão será só sua, mais ninguém pode decidir por si (a não ser que os pais sejam muito rigidos e o forçem a seguir um curso que lhe dê algum “estatuto”). Contudo, nessa decisão que terá de tomar há determinados aspectos que deve ter em conta. Ele quer seguir um curso que esteja de acordo com a sua vocação porque para ele a realização profissional é muito importante. Por outro lado, quer fazer uma escolha que não lhe traga problemas de empregabilidade no futuro. Portanto, há três crenças que estarão na base da sua deliberação: 1) um curso universitário é uma mais-valia fundamental para a vida futura; 2) só é possível a realização profissional – e por inerência, a felicidade – se escolher um curso que esteja de acordo com a minha vocação; 3) preciso de um bom emprego e só um curso que me garanta empregabilidade pode assegurar-mo. É óbvio que estas 3 crenças têm muitas outras variantes e, em última análise, assentam noutras crenças que por sua vez assentam noutras quase até ao infinito. Como é que estas crenças adquirem consistência e influenciam em última análise a decisão final? Ainda que existam determinadas crenças base, o jovem irá concerteza falar com os pais, os amigos, com outros jovens que estejam já a cursar um ou outro curso, com professores, irá ler panfletos, consultar sites, etc. O jovem – em termos ideais obviamente – tudo fará para que a sua deliberação seja o mais abrangente possível e, portanto, o menos susceptível à incerteza e à contingência. Nesse sentido, será também com base no testemunho comunicacional que ele tomará a sua decisão final, na medida em que este serviu para dar ou retirar consistência às suas próprias crenças.

Sabemos que, muitas vezes, um bom conselho ou a palavra de uma “autoridade” num determinado tema é suficiente para dar mais consistência às nossas próprias crenças, ou até para que abdiquemos delas em detrimento de outras que nos surgem mais legitimas. Quanto mais difícil é uma decisão, quanto maior é a responsabilidade, maior a necessidade de nos informarmos bem, de nos estribarmos em opiniões alheias, de ouvirmos os outros. Esta necessidade parte também de uma decisão racional baseada em crenças determinadas. Neste ponto em particular podemos desvendar um aspecto do processo de decisão que também o influencia em grande medida, e que nenhuma visão computacional pode abranger com justiça. O decisor não decide simplesmente, ou seja, o processo não é linear e impessoal nem se baseia numa avaliação autónoma e modular. Cada decisão não consiste simplesmente num início e num fim determinados e desligados de uma qualquer anterioridade ou história. Não se trata simplesmente de input-processamento-output. No que respeita ao decisor humano, existe uma consciência que também influencia o resultado do processo. Essa é a consciência da importância ou da responsabilidade implicada no processo de decisão. O jovem tem consciência da importância da escolha do curso que pretende seguir, ou seja, do modo como a sua decisão será decisiva para a sua vida e tudo o que viver significa. Há uma dose de responsabilidade inerente que tem o condão de reforçar a necessidade de expurgar a imprevisibilidade de todo o processo. Por um lado, se a atitude é racional já o mesmo pode não acontecer com os métodos. Não é linear que o decisor faça uso de métodos estatísticos, matemáticos, científicos para deliberar. Pode simplesmente consultar um tarólogo ou ler um horóscopo no jornal.

A natureza do processo de decisão não consiste em metodologias ditas científicas, matemáticas ou lógicas. É por uma necessidade íntima do próprio processo, uma necessidade de completude em relação às suas próprias limitações, de superação das suas próprias lacunas, que o decisor se vê compelido a fazer uso de metodologias que sirvam de complemento ao processo em si mesmo. Se o decisor se vê num certo sentido isolado e alienado do exercício comunicacional, ou mesmo de qualquer metodologia fiável de previsão e decisão, é certo que o processo em si mesmo será mais dado à intuição e ao risco. Pensemos num exemplo: quando fazemos o euromilhões somos forçados a escolher 5 números e 2 estrelas. Esse processo de escolha é naturalmente um processo de decisão. Como decisores que somos, temos perfeita consciência da falibilidade das nossas intuições, pelo que as escolhas que faremos serão em grande medida aleatórias sem que nos percamos muito com deliberações que sabemos serem inúteis perante a ausência de metodologias fiáveis que reforçem as nossas crenças. Contudo, neste caso em particular a decisão não acarreta grande responsabilidade, ainda que seja de alguma importância – sobretudo se o prémio for grande e formos bastante pobres - .

Continua

terça-feira, outubro 13, 2009

Sobre a Prematuridade de um Nobel



Para espanto de todos – e inclusive do próprio – Obama foi galardoado com o prémio Nobel da Paz de 2009. O carácter consagrativo e denso de um prémio desta envergadura deixou muita gente perplexa e em dúvida acerca do mérito de Obama. Pois, que fez Obama de concreto para o merecer? Não será demasiado cedo? O próprio Obama teve dúvidas e não deixou de o demonstrar no discurso de aceitação. Interpretou este prémio, não como a recompensa por actos concretos em prol da paz, mas como um incentivo e uma “chamada à acção”. Obama é, em larga medida, o grande culpado de tudo isto. Á sua volta criou uma aura de expectativa, uma quase divinização do seu papel apresentando-se como o portador de todas as soluções – ou quase todas -, da Esperança e da renovação. Estou quase certo que um presidente menos carismático, menos gerador de grandes expectativas, nunca seria agraciado com o Nobel tão cedo, sem pelo menos algum tipo de prova dada, de passo concreto e visível em prol da Paz.

Repare-se: geralmente, o Nobel é atribuído para criar uma certa dose de visibilidade. No caso de Obama, ele não precisa de visibilidade. Do que ele precisa é de um determinado tipo de força que lhe permita pressionar e ter legitimidade para levar a cabo importantes reformas que conjuguem interesses díspares e aparentemente inconciliáveis. O Nobel não lhe foi atribuído para que tivesse mais visibilidade mediática, mas para que tivesse mais influência e legitimidade política, não só dentro das fronteiras dos EUA mas em todo o mundo. Recentemente, logrou unir todas as potências nucleares e conseguiu que chegassem a um acordo de intenções para reduzir o armamento nuclear de forma multilateral. A sua abordagem cuidadosa, não ofensiva, dialogante e aberta, está a levar os restantes líderes mundiais – muitos deles tradicionais rivais dos EUA – a reverem as suas políticas. Obama tem esse bom senso de perceber que perante os enormes desafios que os EUA enfrentam – como sejam duas guerras e um crise económica grave – só uma atitude cooperante pode conduzir ao sucesso. Os EUA não atingirão os seus objectivos de retirar do Afeganistão e do Iraque sem o apoio dos restantes países da NATO. Já foi tempo em que os EUA, confiantes no ídolo de pés-de-barro do seu próprio poderio económico e militar, se lançavam em perigosas empresas bélicas à revelia do Direito Internacional, e em particular da ONU. Começar foi simples, mas como diz no adágio popular, Quem vier atrás que feche a porta. Obama sabe, e disse-o recentemente, que o Afeganistão é agora um problema não só dos EUA, mas de todos os parceiros da NATO. Porém, ele também sabe que não foram os restantes países da NATO que provocaram o problema... nem sequer a sua administração, em boa verdade.

Obama também sabe que para resolver a questão israelo-palestiniana precisa de parcerias, nomeadamente entre o mundo árabe. O mesmo acontece com a questão iraniana. Não será através de uma abordagem unilateral que tais problemas serão resolvidos. Pelo contrário, uma abordagem unilateral e agressiva para com, por exemplo, o Irão, apenas servirá para empurrar este país para novas alianças, gerando novos ódios e instabilidades. É preciso envolver a Rússia, a China, a Índia, o Egipto, a Síria, etc. É preciso resolver os problemas um a um através de estratégias de pressão regional e internacional. Neste sentido, Obama procurou, nos primeiros meses do seu mandato, reconciliar-se com o mundo árabe através de variados discursos, como o que foi proferido no Cairo. O primeiro passo passa pela reconciliação; o segundo passo passa pela negociação. Nenhuma negociação será profícua quando uma das partes se considera superior à outra. Obama percebeu-o.

Perante isto, veremos se esta nova atitude trará frutos visíveis e apetecíveis. A atitude está correcta, mas os actores internacionais são independentes e imprevisíveis, e muitas vezes agem de má fé. Por mais que Obama pressione Netanyau no sentido de acabar com os colonatos em território palestiniano, a decisão não depende daquele. Neste sentido, o presidente dos EUA mais não pode fazer do que explicar de forma inteligente e precisa que as soluções existem, mas que implicam cedências de parte a parte. Se algo correr mal, ou não correr de acordo com as expectativas, tem de se ter em conta que num mundo multipolar as responsabilidades estão repartidas. Neste sentido, a responsabilidade para a resolução dos grandes problemas mundiais depende de todos e de cada um. Ter poder é, em primeiro lugar, convencer.

Notas finais: De notar que Obama deu início ao processo de dissolução do centro de detenção de Guantánamo, e procurou abrir um novo ciclo nas relações com a América Latina e com o mundo árabe.

segunda-feira, outubro 05, 2009

5 de Outubro de 1910 - Quem somos, de onde vimos, para onde vamos...


Neste 5 de Outubro permitam-me começar por dar a conhecer algumas das extraordinárias pérolas acerca dos significado dos símbolos da bandeira portuguesa, veiculadas pela SIC numa entrevista de rua. Alguns, quando questionados, simplesmente abanavam a cabeça sorrindo complacentemente com a sua própria ignorância, como se se tratasse de uma virtude e não de uma grave falta. Uma senhora, quando questionada acerca do significado dos cinco castelos, respondeu que se tratava do símbolo da “Anarquia”, porque nós “vivíamos em regimes de anarquia”... O marido, tão ou mais ignorante, anuiu à extraordinária resposta da esposa com um tímido “pois”. Um outro, até bastante jovem, respondeu com a memória fresca do que aprendeu em tempos, dos livros de escola, que o verde significa a esperança, e o vermelho o “sangue derramado”. Já quando questionado acerca da esfera armilar, disse que naquela altura não se lembrava... Saber ou não o significado das cores não me parece tão importante como perceber – aliás bastante intuitivamente – que a esfera armilar representa a nossa vocação globalizadora, ou seja, a epopeia dos descobrimentos. A esfera é a metáfora do globo terrestre. Intuitivo, não é?

Quer-me parecer que os portugueses não só andam divorciados da política, não só se abstêm de um direito que é só deles e que consiste em escolher quem governa – 36 por cento de abstenção nas últimas eleições - como andam descasados da portugalidade e de tudo o que isso significa. É grave, não há dúvida. E seria só grave se a ignorância se limitasse aos símbolos da portugalidade, mas sabemos que ela é muito mais ampla e abrangente, atinge todos os domínios não só da portugalidade mas também da humanidade. A ignorância é, hoje, um modo de vida. É “normal” não saber; é normal sorrirmos complacentemente o facto de não sabermos; é normal sorrirmos complacentemente daqueles que não sabem. Porquê? Porque o que interessa é ter competências “práticas”, “tecnológicas”. Numa palavra que parece tudo resumir – “úteis”! Agora, isso de saber o nome do rei ou a origem do hino, ou a data da implantação da república... isso são curiosidades, úteis apenas para quem gosta de ser divertir a jogar trivial pursuit com os amigos ou a família. Caprichos dignos de quem não tem mais nada para fazer, de quem não trabalha, de quem “tem tempo para perder a ler livros, ou a ver documentários do canal história...”

Não há tempo; não há paciência; isso são caprichos de quem não tem mais nada em que pensar. Eis as três grandes razões apresentadas por todos aqueles que não sabem nem querem saber. A minha questão é simples: como podemos compreender para onde vamos, se não sabemos de onde viemos? Como podemos construir futuros sobre passados mal compreendidos? Como se pode ser português sem se conhecer Portugal? Ou ser português é ser apenas adepto da selecção e comprar bandeiras nos chineses com pagodes em vez de castelos? Até os americanos, cuja capacidade de romper com as instituições antigas é lendária, construiram o seu país na base de modelos clássicos de governo, sobretudo baseados na república romana. Ou seja, para se ser inovador, não é preciso romper-se radicalmente com o passado, pois isso conduz a totalitarismos e a desorientação geral.

Há uma grande diferença entre ser-se nacionalista, e ser-se português. Não se pede aos portugueses que sejam nacionalistas, pois o nacionalismo é outra grave e perigosa forma de ignorância. Também ele implica desconhecimento da história e, ainda mais grave que isso, deturpação. O futuro não implica fechamento ou política do “orgulhosamente sós”. O futuro – assim como aconteceu no passado – implica abertura, gosto pelo risco, pela aventura e pelo conhecimento. Ser português é ser global, pois foi Portugal o primeiro país a fazer algo parecido com globalização no sentido em que hoje a entendemos. Não só levamos cultura como a trouxemos. Influenciámos e fomos influenciados. Tivemos um longo império, o mais longo mesmo em comparação com o império romano! Fomos os primeiros a conquistar – Ceuta em 1415 -, e os últimos a perder – Macau em 1999 -. Antes disso, éramos já um país independente desde 1143. No total, desde a fundação da nacionalidade até à conquista de Ceuta passaram 272 anos, e até à descoberta do caminho marítimo para a Índia passaram-se 355. Bastaram a Portugal menos de quatro séculos para obter os conhecimentos, a coragem e os meios para se lançar à descoberta. É verdade que, pelo caminho, foram muitos os erros, as vicissitudes, as imoralidades cometidas e sancionadas pela cristandade da qual parecíamos ser uma espécie de arautos.

O 5 de Outubro representa o fim de 767 anos de monarquia. Só para o ano conseguiremos completar 100 anos de república, ou seja, 1/13 do total de anos que vivemos em monarquia. Não pretendo defendê-la, pois acredito nas muitas virtudes da república. As pessoas têm de se governar a si mesmas, como se pretende de uma sociedade adulta feita de cidadãos, e não de súbditos. Acredito que toda a história tem uma palavra a dizer, e é mais que certo que os primeiros anos da república foram de um radicalismo iconoclasta extremo cuja única virtude foi conduzir-nos ao Estado Novo. Já para não falar nos terroristas da carbonária...

É simples: ou um povo aprende a viver “sem pai”, ou está condenado a que apareçam muitos pais bem mais duros que o primeiro.

Saber não ocupa lugar e evita dizer - e fazer - asneiras.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Esmiuçando o Sufrágio Pretérito...



Não há muito a dizer sobre a noite de ontem que já não tenha sido dito. O PS venceu com maioria relativa, e os nove por cento que ficaram a faltar para a maioria absoluta correspondem aos 500 mil entretanto descontentes com as políticas ditas reformistas do actual governo. Desses 500 mil aventuro-me a especular que pelo menos 300 mil são professores e seus familiares mais próximos. Os restantes 200 mil são talvez de outros sectores: militares, polícias, juízes, etc. De resto, o PSD não trouxe grandes surpresas. Parece-me nada mais nada menos do que a manutenção do eleitorado tradicional. Não capitalizou descontentamentos nem o voto útil, papel que estava destinado a outros dois partidos tão diferentes quanto semelhantes em termos de vontade política - CDS e BE.

Se é verdade que o BE duplicou o número de deputados, é também verdade que o mesmo sucedeu com o CDS, com a diferença substancial de que este último superou todas as expectativas, até as mais optimistas - se é que alguma vez as sondagens foram optimistas para com o partido de Paulo Portas -. A força política que ficou para trás reflecte o sinal dos tempos. A CDU tem vindo, ao longo dos anos, a perder força e credibilidade ideológica para o BE que se apresenta como uma esquerda mais moderna, ainda que igualmente radical. Sinal dos tempos e da história? Daqui a dez anos é bem provável que a CDU perca representatividade parlamentar e se torne em mais uma nota de rodapé da política portuguesa, à semelhança de um MRPP ou de um Pous. Felizmente, o mundo progride e pede outras respostas mais abrangentes, bem como outras leituras dos grandes sacerdotes do marxismo, inclusive do próprio Marx.

O crescimento do CDS reflecte a oposição séria e eficaz que este agora "partido do autocarro" teve ao longo de quatro anos e meio. Tem-se mostrado um partido praticamente expurgado de ideologia e mais dado ao bom senso pragmático do que a devaneios demagógicos. Em boa verdade, se o grande problema do país é a já patológica dificuldade em crescer económica e socialmente, parece-me que só uma abordagem menos ideológica, mais fria a moderada, mais atenta aos problemas concretos do tecido empresarial, às dificuldades dos empreendedores, à falta de produtividade de um país que é pago para não produzir, pode lograr algo de positivo no caminho para o desenvolvimento. É verdade que se impõe mais justiça na economia, como prevê a esquerda, mas justiça não é vingança, e esse igualitarismo cego dado a uma espécie de ressentimento contra «os poderosos», ou a classe média, nunca teve bons resultados e só traz sub-desenvolvimento. É verdade que se impõe transparência, sobretudo no que toca à corrupção económica e política, no que toca a negociatas pouco claras entre grandes grupos e governos complacentes. Contudo, tais situações pedem denúncia e esclarecimento, justiça e não vingança ideológica, e sobretudo cuidado com as generalizações e as classificações que são sempre erradas e perigosas.

Já não vivemos num mundo de classes que lutam entre si pelo poder, ou que combatem dialeticamente entre si pelo fim da história. Hoje não há apenas operários, mas um número infinito de trabalhadores, de grupos profissionais, de profissões liberais ou por conta de outrem, de organizações. Já não há patrões, há grandes e pequenos empresários, há os que lucram bastante e há os que se esforçam por sobreviver perante a falta de crédito ou a crescente carga fiscal. A dita "classe média" tem hoje muitos estratos e é constituída não só por funcionários públicos mas por pequenos empresários ou proprietários, bem como por assalariados dos mais diversos sectores.

É por tudo isto que se impõe bom-senso na política. Qualquer solução que pareça muito fácil e abrangente, está errada. Não há panaceias. Há casos e casos, a sociedade é heterogénea e múltipla, constitui-se de dependências e de co-responsabilidades. Fala-se muito na sociedade civil, mas também aqui há perigo. É absolutamente verdadeira a ideia de que a sociedade civil não pode ser "asfixiada" pelo Estado, que este não pode sobrecarrega-la com impostos, com obrigações, com planificações. A sociedade civil tem em si mesma uma força criadora e empreendedora que nenhum socialismo pode querer constranger sob o peso do tentacularismo de um Estado que quer ser omnipresente, quer interferir em tudo de todas as maneiras. Porém, essa aparente independência ou auto-governabilidade da sociedade civil não pode ser desculpa para um governo "deixar andar" ou se descartar das suas responsabilidades.

Se todos os partidos assumirem as suas responsabilidades, e se acima de tudo tiverem bom-senso, tenho a certeza que este quadro parlamentar terá pernas para andar e pode fazer muito bem ao país. Há um equilíbrio quase perfeito entre os quase sessenta por cento da Esquerda e os quase cinquenta da Direita, pelo que o PS terá de fazer compromissos para poder governar. Por um lado, só com o acordo parlamentar do BE não é possível conduzir reformas ou fazer aprovar orçamentos, o que imporia ao PS o consentimento também da CDU. Contudo, recuso-me a acreditar que o Sócrates seja tão flexível em termos ideológicos que seja capaz de governar tão à esquerda... Por isso, sobra o CDS e o PSD. Um CDS com 21 deputados é uma tentação para um governo do PS que pretende levar a cabo reformas à direita, mas teremos provavelmente um Portas cauteloso nos compromissos, não se vá deixar contaminar por uma governação tida como falhada e deitar por terra todo o capital político obtido até agora, comprometendo qualquer hipótese de crescimento futuro.

O PSD só tem uma solução: mudar de liderança o mais rapidamente possível, tornando-se um partido de propostas e de carisma, expurgando das suas fileiras o oportunismo e o conservadorismo poeirento da actual direcção.

sábado, setembro 26, 2009

Sondagem fechada

Os resultados oficiais da sondagem deste blog são os seguintes:


Legenda:
- Amarelo: percentagem de votos
- Laranja: número de votos

Nesta minha sondagem blogueira o BE leva a maior percentagem dos votos - 34% -, secundado pelo PS com 25%, a três pontos percentuais do PSD que arrecada 22% dos votos dos leitores deste blog. O CDS é a quarta força política mais votada com uns interessantes 8%, e o PCP não convence mais que dois leitores, ou seja, 2%. A amostra é de 87 leitores, e a margem de erro deve ser gigantesca, pelo que nem vale a pena mencionar! Único dado novo relativamente às demais sondagens - a vitória do BE. Vamos ver até que ponto as eleições confirmam ou não esta espécie de prognóstico. Se a minha sondagem não é lá muito válida, concerteza não é pior do que a da Intercampus ou da Católica. Pelo menos a minha não é martelada, nem pretende condicionar as intenções de voto a favor ou contra alguma força partidária. Se tal serve como prova, garanto-vos que a minha intenção de voto é praticamente oposta à da força que levou 34% dos votos nesta sondagem.

Antes de mais, vote em consciência!

quinta-feira, setembro 24, 2009

Novo Blog

Porque sei o quão difícil e extenuante é a procura de uma oportunidade de trabalho por parte dos professores desempregados deste país, e porque não existe uma verdadeira base de dados que permita aos colégios, externatos e demais instituições privadas contactarem e contratarem profissionais da docência, decidi criar um blog que pretende ter este papel: o de aproximar a procura da oferta, e as instituições dos professores desempregados. No ensino público já existe algo semelhante.

Se é professor desempregado ou conhece alguém nessa circunstância, não deixe de clicar aqui. É fácil e gratuito. Depois, as instituições só terão de procurar nas diversas etiquetas o professor da disciplina que pretendam contactar.

Eu próprio preparo-me para enviar inúmeras cartas para colégios e externatos, sem certezas mas com despesas. E muitas.

Boa sorte.

domingo, setembro 20, 2009

Uma campanha de espuma e vagas promessas



Num esforço óbvio para obliterar os adversários políticos, conquistar indecisos e «maiorias silenciosas», os partidos – sobretudo o PS – apostam numa política de dramatização e de colagem, de julgamentos prévios relativamente às intenções de todos os outros. O PS acusa o PSD de ter um programa com entrelinhas e «apagões», ocultando medidas como a privatização da Segurança Social e da Saúde. Obviamente, para quem lê atentamente o programa, não é disso que se trata, embora seja notória uma certa intenção de diminuir a intervenção estatal dividindo responsabilidades com o privado, e até muitas vezes incentivando o recurso ao privado sobretudo para aqueles que mais posses têm. Há ainda uma tentativa para colar o PSD ao tempo da «outra senhora», visando a gafe de Ferreira Leite relativamente à independência económica. Só quem de facto quer atirar areia para os olhos dos portugueses é que não entende que Ferreira Leite tem uma enorme dificuldade em dizer o que pensa, o que a leva frequentemente a não pensar o que diz. Há pessoas que não funcionam sobre pressão, que são levadas a falar porque não podem ficar caladas. Ferreira Leite é certamente uma delas. Com isto não pretendo denegrir o partido em si. Devo apenas dizer que simpatizo com o PSD, mas não com este PSD. Ao contrário do que têm dito muitos (pseudo)fazedores de opinião da praça pública – alguns defendendo uma espécie de vitória moral de Ferreira Leite sobre Sócrates no debate respectivo -, a líder do PSD foi largamente subjugada pelo poderio comunicacional de Sócrates, diria até que de uma forma embaraçosa até para quem estava a ver. Ainda que Sócrates seja um demagogo – e sabemos bem que o é em grande medida -, ainda que faça uso de paralogismos e falácias para vencer a qualquer custo, não se viu da histórica do PSD uma ideia concreta, um contraditório verdadeiramente fundamentado com dados estatísticos, contra-propostas, escrutínio do trabalho do governo do PS. Deixou passar em branco grande parte das promessas não cumpridas do governo, perdeu inúmeras oportunidades para calar a jactância do líder do PS, e a determinado momento morreu para o debate que passou a consistir em dois intervenientes: Sócrates e Clara de Sousa. Depois - como quem acha que se tem razão porque se fala mais alto -, saiu-se com a pérola da defesa de Portugal contra os espanhóis, que se não fosse de chorar dava para rir.

Temos também um CDS que procura capitalizar o eleitorado tradicional do PSD, bem como essa tal de «maioria silenciosa» que pensa como o partido (diz o líder…). Para além de toda a demagogia – que não deixa de ser uma característica mais ou menos presente em qualquer partido -, o partido de Paulo Portas tem-se dedicado a capitalizar o descontentamento das empresas que se debatem com o peso da carga fiscal, o dos pensionistas, o dos veteranos das forças armadas, o do povo português em geral com o papão da insegurança e da má legislação penal. Tem sido o partido mais coerente e mais capaz a todos os níveis, tanto a fazer oposição como a fazer campanha eleitoral. Não se vê grande espuma para os lados do partido azul e branco. Sobra apenas uma espécie de ressentimento tácito contra todas as sondagens que os colocam abaixo dos dez por cento (injustamente na minha modesta opinião).

Da CDU só posso dizer uma coisa: igual a si mesma – agora com o ligeiro up-grade do apoio às pequenas e médias empresas -. Parece claro que a CDU tem vindo a perder força e credibilidade para o BE, que tem sido – e vai ser – a grande surpresa. O BE fala em duas grandes nacionalizações que estão na base da inversão do panorama de crise actual: a da GALP, e a da EDP. O que Louçã parece ter ainda dificuldade em explicar é a) com que dinheiro se vão pagar as chorudas indemnizações aos accionistas privados destas empresas, b) que garantia existe de que as novas administrações públicas destas empresas serão mais capazes que as privadas, c) que garantia existe de que só serão nacionalizadas essas duas grande empresas e que não reviveremos os anos do PREC. Pode parecer uma espécie de enviesamento ideológico da minha parte, mas gostava de ver estas perguntas cabalmente esclarecidas. Devo dizer também ao Sr Louçã que o facto de trezentas mil pessoas terem feito o download do programa do BE, não é sinónimo de que essas mesmas trezentas mil pessoas venham a votar nesta força partidária. Muitas, acicatadas apenas pela radicalidade de certas propostas, podem simplesmente ter sentido uma espécie de curiosidade mórbida do tipo «será mesmo verdade?», ou, «estarão mesmo a falar a sério?».

Vemos, de resto, uma série de pequenos (e médios) partidos, alguns tão antigos como a democracia, outros bem mais novos que a legislatura Sócrates, a debaterem-se por um lugar ao Sol no panorama político português, e porque o Sol não chega, a um lugar no parlamento. O mais prometedor parece ser o MEP (Movimento Esperança Portugal), que nas últimas eleições galvanizou dois por cento do eleitorado, mesmo com uma percentagem de abstenção superior aos sessenta por cento. Parece-me que, a confirmarem-se as previsões e as expectativas deste partido verde e branco, conseguirão eleger pelo menos um deputado. É bom, é positivo, é saudável existir este tipo de renovação, tendo também em conta que os partidos pequenos de matriz moderada são em larga medida os favoritos para capitalizar descontentamentos de vária ordem.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Novo Ciclo


Pois é. Tive uns dias bastante ocupados a correr na recta final da minha licenciatura em Filosofia. Sim, é verdade. Já sou uma espécie de (pseudo)filósofo (pseudo)diplomado, porque é disso que se trata. Creio que o sucesso de um licenciatura se mede ao inverso do que seria de esperar, ou seja, não por aquilo que com ela aprendemos, mas pela quantidade de questões e dúvidas que nos deixou. Pois comigo foi o que aconteceu. Chego ao fim de uma licenciatura com a perfeita noção de que não sou doutor em nada, mas antes um verdadeiro douto-ignorante. Parece-me que isto é positivo.

Agora vem aí o terrível calvário de encontrar trabalho na área, de convencer colégios a contratarem-me, de convencer empresas de formação a permitirem-me fazer o que mais gosto, porque o público, infelizmente, terá que esperar, visto que ainda não tenho o tão necessário e elitista mestrado. Pois é, acabaram-se os meus fundos pessoais para pagar propinas, pelo que terei de esperar até ao próximo ano para me dedicar por mais dois anos da minha vida ao mestrado. Entretanto, é preciso fazer pela vida para não se ficar pelo caminho nesta guerra sem precedentes por um lugar ao sol. Aqueles que, como eu, estão preparados para aceitar propostas em qualquer ponto do país ou do estrangeiro, deveriam pelo menos ser mais valorizados.

Já foi tempo em que tudo era bem mais fácil.

Contudo, não me esqueci da efeméride dos 8 anos do 11 de Setembro, nem da campanha eleitoral portuguesa com todos os seus casos de telenovela, nem de nenhum outro episódio que tenha sido notícia neste nosso mês de Setembro.

Quanto à sondagem, continua-se a votar e já se ultrapassou a barreira dos 70 votos, o que é muito positivo. Ao contrário da sondagem divulgada ontem - mais uma vez pela Universidade Católica - que dá ao PS uma margem de vitória em relação ao PSD de 6 por cento, à frente de todos os outros partidos*, esta minha sondagem pessoal e blogueira coloca o BE claramente à frente nas intenções de voto. O meu voto irá certamente para uma outra força política, mas neste caso específico a minha opinião não interessa nada. Sou sempre pela responsabilidade e pela coerência. Interprete-se como se quiser.

*As percentagens divulgadas na sondagem da Universidade Católica com as variáveis PS, PSD, BE, CDS, CDU, Outros, foram de, respectivamente, 38%, 32%, 12%, 7%, 7%, 1%

segunda-feira, setembro 07, 2009

Continuem a votar

Temos 51 votos até ao momento. Para termos uma sondagem significativa e representativa precisamos de mais! É só colocar a «cruzinha» e clicar no «Votar»!

Agora é a brincar, mas dia 27 é a sério!

terça-feira, setembro 01, 2009

1 de Setembro de 1939 - o primeiro dia dos muitos dias que mudaram o mundo


Na madrugada do dia 1 de Setembro de 1939, sem qualquer declaração de guerra ou aviso prévio, os tanques alemães penetram nas fronteira polaca e desencadeiam deliberadamente um conjunto de acontecimentos militares aos quais a História designaria de Segunda Grande Guerra.

Depois de Hitler ter chegado ao poder absoluto na Alemanha durante o ano de 1933, desde cedo se fizeram notar as suas pretensões imperialistas, fundadas no princípio de que a «Grande Alemanha» havia sido humilhada pela derrota na Primeira Grande Guerra, bem como pelas pesadas imposições do Tratado de Versalhes. Para Hitler e os seus partidários nacionais-socialistas (Nazis), era urgente reabilitar a «grande pátria alemã» devolvendo-lhe o prestígio e o «espaço vital» sem o qual seria apenas uma sombra da grandeza do seu passado glorioso. Através de uma série de jogadas, de mentiras e logros deliberados, Hitler, a 12 de Março de 1938, anexa a Áustria sem disparar um tiro, perante a impavidez da França e da Inglaterra. Depois deste primeiro acto de alargamento do «espaço vital», Hitler convoca o primeiro-ministro de Inglaterra, Neville Chamberlain, para uma série de encontros. Hitler pretendia que Chamberlain não interviesse na anexação da região dos sudetas. A região dos sudetas, em plena Checoslováquia, era constituída maioritariamente por alemães, e Hitler pretendia também anexá-la ao reich. Mais uma vez, perante o consentimento das potências europeias - que pareciam não ter esquecido ainda os horrores da Primeira Grande Guerra -, Hitler invade a Checoslováquia desmembrando-a e espartilhando-a em menos de 24 horas. Esta primeira fase de guerra não declarada foi fruto em grande medida de uma política de «apaziguamento», fortemente contestada por Winston Churchill, o homem que seria primeiro-ministro da Inglaterra durante os 6 anos do conflito - e mais um mandato já em 1953 -.

É no dia 1 de Setembro que tem início o mais sangrento dos conflitos mundiais de todos os tempos, no qual morreram um total de 50 milhões de pessoas. A 3 de Setembro, Inglaterra e França declaram guerra à Alemanha, abrindo-se assim um período de 6 anos de sangrentas batalhas, extermínios calculados, mudanças profundas. Depois da guerra, o mundo não era já o mesmo. Não haviam sido só edifícios a ruir, mas também as ideias, as concepções mais clássicas acerca do Homem, da sua condição e destino.

Hoje, vivemos ainda num mundo geopoliticamente herdeiro deste grande conflito mundial. A organização das Nações Unidas tem ainda como membros do Conselho de Segurança os vencedores deste conflito, embora as realidades políticas tenham mudado enormemente deste então.

Aprendemos com a História, ou teremos de pagar novamente o preço de milhões de mortos pelo produto da nossa própria ignorância?


Bibliografia
Crónica da Segunda Guerra Mundial, Vol.1, Selecções Reader´s Digest

domingo, agosto 30, 2009

O Poder de Votar




Trust the people - this is the crucial lesson of history
Ronald Reagan



No dia 27 vamos a votos para escolher a próxima legislatura. O PS já apresentou o seu programa eleitoral, bem como o PSD, e é de esperar que hoje seja apresentado o do CDS.

Acredito que estas eleições legislativas serão decisivas, talvez as mais importantes e significativas num tempo de crise económica e política. Quem será capaz de mobilizar os portugueses, de se assumir com uma liderança capaz, eficaz, e inovadora? Devemos apostar na continuidade e na estabilidade, ou na ruptura? Precisaremos de uma nova maioria, ou estaremos preparados para governos de minoria? Teremos novas eleições já daqui a dois anos?

E quanto às questões concretas: deveremos assumir como inevitável e inultrapassável a crise de crescimento e de desemprego, ou haverá de facto lugar para a mudança? Que forças políticas serão capazes de a levar a cabo? Podemos conduzi-la sozinhos, como país, ou teremos de rever as nossas relações com a UE, bem como os critérios e prerrogativas que figuram no tratado de adesão?

Será possível encontrar uma solução para a falta de empregabilidade dos jovens? Será possível - no contexto de um mundo globalizado e dominado cada vez mais pelas prerrogativas laborais dos países emergentes - acabar com a precariedade laboral, os baixos salários, o desemprego crescente? E se tal solução existe, será ela compatível com a competitividade das empresas num contexto internacional?

Haverá forma de potencializarmos e fomentarmos o investimento em áreas do sector terciário - agricultura, pescas, agro-pecuário - sem entrarmos em conflito com o regime de quotas? Estaremos preparados para rever as nossas prerrogativas de adesão, e se for necessário, abdicarmos de fundos estruturais em nome do desenvolvimento dentro de portas? Seremos capazes de acabar com a crescente dependência a todos os níveis da sociedade civil, de criar oportunidades e dar força às pessoas para que ponham em prática os seus projectos, os seus sonhos, os seus planos de vida? Estaremos preparados para criar uma política de subsídios mais justa e menos cega, dada a desvarios igualitários sem qualquer correspondência com o mundo real?

Estaremos preparados para acabar com certas «aristocracias» ainda remanescentes, de responsabilizarmos cada vez mais a administração pública - e aqui incluo os próprios políticos -, apostando cada vez mais na eficácia dos serviços, no atendimento informado, capaz, na resolução eficiente, informada e rápida das solicitações e problemas das pessoas? Neste contexto, haverá solução para a Justiça?

E para a educação? Seremos capazes de uma vez por todas de tomar consciência da importância fundamental, primordial, axial da educação e da formação? Será possível que as escolas, as famílias, as comunidades se tornem verdadeiros veículos de cidadania, de respeito pelo próximo, de responsabilidade e sentido crítico em relação à sociedade e ao mundo? E sem prejuízo da importância da vertente técnica e profissional, haverá salvação para os currículos das humanidades, da filosofia, da história e da arte, sem os quais não existe um desenvolvimento equilibrado e esclarecido da pessoa humana? Será assim tão importante o inglês quando não se fala/escreve correctamente em português? Será assim tão importante o Magalhães, quando as crianças não conhecem o valor da leitura?

É possível acabar com a insegurança sem pôr em causa as liberdades civis? Será possível acabar com os guetos urbanos e integrar devidamente as pessoas que neles residem? A emigração descontrolada será uma boa opção perante as dificuldades de integração daqueles que já cá estão?

As questões são muitas e de resposta urgente. Votem em consciência! Não deixem que outros escolham por vocês, porque não faltam velhos do restelo a dizer que «não vale a pena» ou que é «inútil». São esses mesmos velhos do restelo que, com a sua indiferença, nos tiram o poder de decidir e fazem as delícias de quem não tem interesse em deixar os seus «poleiros»...

quarta-feira, agosto 26, 2009

Rubrica quase humorística - Paraísos e outros risos


Como se sabe, existem vários tipos de paraíso. Existe o vulgar edén ajardinado, cheio de árvores de fruto, pequenos ribeiros de água límpida e anjos e arcanjos de túnica branca. Este é o típico paraíso cristão. O homólogo muçulmano também é interessantíssimo, e embora não tenha relva – os jardins árabes não têm relva – tem mais virgens à solta que qualquer praga de erva daninha (curioso, porque à semelhança da relva, as virgens são também verdes e tenrinhas). Contudo, há um tipo de paraíso que começa a ganhar adeptos um pouco por todo o mundo. Não, não se trata de uma nova religião. Aquela história de que deixamos cá tudo quando morremos é uma grande mentira, porque neste novo tipo de paraíso, o dinheiro que temos cá na terra – ou na terrinha – chega lá antes de nós. Antes, os ricos iam todos para o inferno. Já diz a Bíblia que mais depressa passa um camelo pelo rabo da agulha do que um rico vai para o paraíso! Ora, a solução encontrada para não deixar os ricos de fora, foi inventar o paraíso fiscal! João Rendeiro tem o privilégio de ser um dos primeiros a usufruir deste novo tipo de paraíso, e para o merecer não teve de fazer boas acções. Bastou comprá-las a preços baixos, e vendê-las depois em alta! Para o merecer não foi preciso ter valores. Bastou extorqui-los fartamente aos depositantes que confiaram na sua idónea instituição financeira. Estou certo que o paraíso fiscal é a solução para todos os males do mundo, em particular para o terrorismo. Senão vejamos: quando um talibã estiver prestes a carregar no botão para fazer explodir os 8 charutos de dinamite que tem à cintura vai pensar, «Eh pá, 70 virgens ou 70 milhões nas Caimão?». Estou certo que preferirá os 70 milhões, e tornar-se-á um homem novo. Se preferir as 70 virgens, de certeza absoluta que mais tarde ou mais cedo ficará destroçado por não ter escolhido correctamente. O seu coração – e não só – ficará em pedaços por saber que poderia estar a comer chocolate alpino e a beber leite de vaca suíça.

Uma outra nota interessante desta última semana foi a tonelada de diplomas legislativos que o nosso presidente foi obrigado a levar para férias. Nas suas próprias palavras, a quantidade é tão grande que «dava para encher um jipe». Falta, obviamente, saber a que tipo de jipe se referia Cavaco. Sabe-se de fonte segura (eu sei aliás) que na última conversa semanal entre Belém e São Bento, o primeiro-ministro propôs a Cavaco Silva que levasse todos os diplomas gravados no Magalhães. Afinal, sempre poderia pôr os netinhos a ler enquanto jogavam um qualquer jogo com coelhinhos a correr e a saltar. Depois era só vetar.

Por falar em Magalhães, lembrei-me que seria interessante se fizéssemos uma espécie de tratado de Methuen com a Venezuela. Em vez de fornecermos vinho do Porto em troca de têxteis ingleses, forneceríamos Magalhães (por mim podiam ser todos) em troca de misses venezuelanas. No fundo, as misses são em tudo semelhantes aos Magalhães, nomeadamente no facto de não falarem português. E estou certo que seria muito melhor para a nossa economia, sobretudo no turismo, se tivéssemos mais mulheres bonitas, em vez de andarmos a distribuir computadores com joguinhos «didàticuz».

Há uns meses, um estudo revelou que muitos casamentos estavam em vias de terminar por causa, imagine-se só, da Internet. Ao que parece, muitos homens preferem estar abeirados juntos aos seus computadores, do que abeirados junto às suas mulheres. E não os censuro, porque, em grande medida, mais tarde ou mais cedo, a relação entre um homem e uma mulher torna-se tão rotineira que não passa do digital, e em boa verdade é mais fácil encontrar o G num teclado do que numa mulher. Além de que, no pc dá sempre para baixar o som e pôr a hibernar sempre que se quiser.

terça-feira, agosto 18, 2009

Sobre o método de Aconselhamento Ético-Filosófico




Transcrevo um pequeno artigo que escrevi acerca do conceito de aconselhamento ético-filosófico para esclarecimento geral.


Sobre o Aconselhamento

É necessário clarificar conceptualmente o conceito do aconselhamento EF. Para ter alguma credibilidade, é necessário que se apresente com uma base mais ou menos científica, com métodos próprios conducentes a resultados verificáveis. Desta forma, e enunciando genericamente, o aconselhamento ético filosófico tem como objectivo orientar o cliente num processo de auto-compreensão do seus modos de pensamento, das suas concepções acerca da vida, do mundo, dos valores, bem como dos erros patentes nestas mesmas concepções. De uma forma quase socrática e maiêutica, o conselheiro deve ser capaz de colocar as questões certas, de forma a orientar o clt nos caminhos das suas próprias opiniões, conceitos, ideias, sonhos, para que este tenha consciência das concepções que estão na base da sua acção, e, em última análise, das suas felicidades ou infelicidades. O conselheiro deve ajudar o cliente a ver para além dos seus próprios preconceitos (pré-conceitos), e da falibilidade inerente aos mesmos, conduzindo-o, em termos ideais, a mudanças de paradigma de pensamento e de acção. É aquilo a que chamo de Metanóia. O conselheiro é aquele que ajuda o cliente a ver para além do Véu de Maya dos seus próprios pensamentos e conceitos mais imediatos, rotineiros e cristalizados. Filosoficamente falando, o conselheiro procura compreender a causa, a origem do preconceito que pode derivar de um erro de pensamento, um paralogismo, uma premissa que conduziu a uma sucessiva sedimentação de crenças feridas do erro da premissa original. Obviamente, o preconceito pode também derivar de uma experiência traumática, e compreender tal experiência pode também estar ao alcance do conselheiro filosófico. Embora os aspectos patológicos da experiência só possam ser devidamente compreendidos pela psicologia e pelos seus métodos, é preciso não esquecer que por detrás de uma experiência está um pensamento. Não existe experiência sem pensamento, e não existe pensamento sem conceitos. Embora o preconceito possa ser aprendido, através da sociabilização, da educação e por virtude de se estar inserido num contexto social-político-ideológico, este deriva também originalmente de uma experiência. No primeiro, estão em causa estruturas simbólicas e semióticas que se auto-reproduzem conduzindo a novas estruturas (Saussure). Estas estruturas culturais, à semelhança do que afirmava Saussure, são independentes, ou seja, o sujeito torna-se um reprodutor de estruturas semióticas que o antecedem. Parece não haver verdadeira liberdade de acção e criação, inclusive porque o próprio inconsciente é ele mesmo uma estrutura linguística (Lacan). Em última análise, a causa da acção é o pensamento, e o pensamento é feito de linguagem, que por sua vez é causado por estruturas semióticas e simbólicas que se situam num contexto maior, histórico por natureza. Portanto, quanto mais um ser humano compreender a estrutura do seu próprio pensamento, e o modo como esta estrutura se relaciona com o contexto simbólico em que está inserido, tanto melhor para atingir o objectivo máximo da felicidade. As experiências têm o dom de reforçar estruturas, simbolos e semiologias, e quando a experiência é particularmente traumática, torna-se numa espécie de verdade fundacional que justifica e corrobora enunciados indutivos, cujo risco maior está em se tornarem axiomas para onde toda a experiência futura remeterá. É uma espécie de ciência inversa. Esses axiomas transformam-se em arreigados preconceitos que condicionam a acção. É no perigo da generalização que radica o erro; é daqui a que nasce a irracionalidade da acção.

É dever do conselheiro permitir ao cliente que tome consciência desta irracionalidade, e do modo como esta atitude do sujeito põe em causa a reflexão acerca dos problemas e dilemas que o atormentam. Há um exercício que talvez seja interessante que é o de colocar o sujeito fora de si mesmo, permitindo-lhe observar o seu pensamento a partir de uma perspectiva exterior. É sempre mais fácil compreendermos algo a partir de uma perspectiva exterior, sem estarmos comprometidos com ela, seja de um modo afectivo ou identitário. Quando somos portadores de opiniões, ideias ou concepções, estas não são exteriores a nós mesmos. São de facto nós mesmos. Fazem parte do nosso ser, da identidade que somos e vamos construindo. Não podemos fazer uma análise objectiva dos mesmos sem a devida distanciação. Por isso, o conselheiro pode solicitar ao cliente que anote num papel as suas palavras, que transforme em proposições escritas as suas principais concepções acerca de questões particulares. Pode depois pedir ao cliente que parta do princípio que tais enunciados foram feitos por uma outra pessoa. Alternativamente, pode apresentar-lhe os enunciados algum tempo depois de ter iniciado as consultas, de forma inclusive a avaliar os progressos obtidos. A este método chamo de análise objectiva de enunciados subjectivos. Pode ser solicitado ao cliente que faça isto recorrentemente, à medida que os seus próprios paradigmas vão sendo reformulados. Contudo, deve partir sempre, em larga medida, da consciência do próprio cliente. Talvez seja verdade a ideia implícita no obra de Santo Agostinho, O Mestre, de quem não temos a capacidade de ensinar sejo o que for a alguém, porque não podemos compreender por esse alguém. A compreensão que conduz à mudança tem de ser realmente compreendida pelo indivíduo, não lhe pode ser imposta.

Dilemas éticos

Só existem dilemas éticos porque existe o compromisso com valores. Quem não tem qualquer tipo de comprometimento consciente ou inconsciente com valores morais e éticos, não tem qualquer tipo de conflito pessoal na hora de agir. Assim, o conselheiro deve em primeiro lugar ajudar o cliente a clarificar os valores com os quais está comprometido. Se surge um dilema ético, uma decisão a tomar, talvez seja melhor saber primeiro o que se pretende com tal decisão, ou seja, qual o verdadeiro objectivo, a causa primeira da acção que se pretende empreender. Para Aristóteles, o objectivo da Ética consiste em ter uma «vida boa». O imperatívo fundamental é o de compreender o modo como a virtude nos permite ter uma vida que corresponda ao que queremos e não ao quer achamos que queremos, ou simplesmente nos apetece. Savater, na sua Ética para um Jovem, faz uma análise muito interessante desta questão. Se alguém lhe apetece comprar uma mota, talvez essa pessoa evitasse gastar dinheiro – ou quem sabe ter um acidente mortal – se tentasse perceber qual é o verdadeiro objecto da sua vontade. Quer a mota pela mota, ou quer é mota porque esta lhe dá uma sensação de liberdade? Se a pessoa entender que o que ela procura verdadeiramente é liberdade, talvez possa encontrar outros meios de lá chegar. Por exemplo: ontem enquanto falava com uma amiga, esta apresentou-me um dilema ético típico para o qual seria interessante encontrar uma solução no âmbito do aconselhamento. Ela vai para Lisboa com o objectivo de fazer vida a longo prazo com o namorado, visto que ele é de lá. Como é obvio, um dos requisitos para mudar de cidade é o de ter um emprego minimamente estável. Depois de algumas semanas de procura, parece ter encontrado o emprego que procurava num infantário em Oeiras. Contudo, a vaga em questão existe porque a funcionária que a ocupava está doente – provavelmente com um cancro – e está, portanto, de baixa. A questão é a seguinte: se a mulher recuperar poderá voltar, em princípio, ao emprego, e a minha amiga é despedida. Se ela não recuperar e até falecer, a minha amiga terá o contrato renovado e poderá aspirar a um futuro dentro daquele infantário. A minha amiga está numa espécie de dilema, pois coloca as coisas em termos de «o mal dela será o meu bem». Ou seja, ela deseja ardentemente um emprego a longo prazo naquele infantário, mas, por outro lado, não deseja a morte da antiga funcionária. Como enfrentar este dilema? Em primeiro lugar, penso que é necessário clarificar o que está por trás deste conflito interior, ou seja, quais os valores com os quais a minha amiga está comprometida. Obviamente, se a questionar ela me dirá que «o respeito pela vida» está acima de qualquer outro valor, embora eu possa contra-argumentar que é igualmente legítimo «o direito à realização e ao trabalho». Claro, ela dir-me-á que esse direito só tem fundamento se não implicar a desgraça de ninguém! Está em causa o valor do mérito individual. Ainda que eu lhe diga que não está em causa o seu mérito individual, e que ela não tem qualquer responsabilidade no que está a acontecer com a outra funcionária, ela acredita que, ao permitir a situação, está a ser cúmplice do que lhe pode vir a acontecer. Portanto, a raiz do conflito ético está no acreditar que se é parte, ou que se tem cota de responsabilidade nas vicissitudes de outrém, porque, neste caso particular, estará a pactuar conscientemente com a desgraça do outro. A questão é: estaria a pactuar quando? Em que momento? Porque, se se mantivesse no emprego até ao momento em que a outra funcionária recuperasse, então a minha amiga será mandada embora e acaba-se o dilema. Por outro lado, se a funcionária não recuperar, então o contrato da minha amiga é renovado. Ou seja, até ao momento da recuperação ou não da outra funcionária, a minha amiga apenas está a cumprir um dever, está a substituir alguém a pedido de uma instituição que precisa de alguém, porque, em última análise, são as crianças que precisam de alguém que cuide delas nesse intervalo de tempo. É éticamente aceitável e desejável que saibamos honrar compromissos da melhor forma possível, e saibamos também corresponder às necessidades dos outros se for caso disso. Agora, eu poderia perguntar-lhe: então, porque simplesmente não cumpres o teu tempo, aceitando já a possibilidade de vires embora independentemente da recuperação da funcionária, partindo aliás já desse princípio? Porque se partires desse princípio, saberás que para já estás a cumprir um dever, mas quando esse dever terminar sabes que te vens embora. Poderia inclusive procurar outro emprego enquanto estivesse a trabalhar nesse infantário. Em qualquer uma das possibilidades, vinha-se embora. Fim do dilema ético? Então, e ainda que a senhora não recupere, se a minha amiga vier embora ainda assim, não estará ela a fugir ao dever? A instituição precisa dela, as crianças precisam dela e do seu trabalho. Não é justo para as crianças verem caras diferentes de ano a ano. Precisam de estabilidade. E também a minha amiga precisa de estabilidade. Contudo, a minha amiga continua a não querer compactuar com uma possível desgraça alheia. Nesta altura, eu posso perguntar-lhe: e se, mesmo que a funcionária recupere, te for pedido pela instituição para que fiques? Melhor ainda, e se o motivo pelo qual tu sejas convidada a ficar, não seja a morte de alguém, mas o teu mérito puro e simples? Aquilo que eu diria à minha amiga, e que concerteza ela acabaria por entender por ela mesma, seria o seguinte: cumpre o teu dever enquanto ele te é solicitado, e cumpre-o da melhor forma possível. Porque, ao cumprires o teu dever não estás a prejudicar ou a compactuar com a desgraça alheia, e se o fizeres da melhor forma possível é certo que o teu mérito será valorizado na hora de todas as decisões. Serás seleccionada por seres cumpridora e profissional, e não simplesmente porque havia uma vaga livre.