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quarta-feira, março 21, 2007

Transcrição da Apresentação do «Metanóia» na Fnac, no dia 21 de Fevereiro de 2007



Transcrevo para todos aqueles que não foram, ou não quiseram ir (escusado será dizer que haviam coisas supostamente muito mais interessantes para fazer, como um tal jogo de futebol entre o Porto e o Chelsea), as palavras que proferi na apresentação do meu livro no dia 21 de Fevereiro, pelas 19 horas.

Não transcrevi os poemas que foram lidos para não maçar demasiado.

Aqui fica o que foi dito.


Por volta das 19 horas e 12 minutos...

Começa com uma leitura da minha colega Teresa, do texto da pág. 66...

Eu dou seguimento...


Boa tarde! O meu nome é Ruben Azevedo, e estou aqui, hoje, para vos apresentar – diria até representar – o livro que escrevi faz talvez um ano ou mais. Escrevi, ou talvez seria mais certo dizer que fui escrevendo consoante os apetites, consoante captava aqui e ali lampejos de eternidade, e não nego aqui a responsabilidade da própria vida, colocando-me desafios e obstáculos que estimularam e fomentaram uma procura mais alta e mais ampla, que superasse toda a mediocridade que o corpo, e a reboque, o espírito, se vêm forçados a viver. É a tal historia da «insustentável leveza do ser», livro aliás, que aconselho vivamente, entre muitos que contribuíram activamente para a minha ideia do que deve ser a caminhada do ser humano individual em direcção á Liberdade, e direi até sem qualquer receio, em direcção á Libertação!

Ao longo da minha ainda curta mas já algo preenchida vida (21 anos), tive suficientes experiências de alegria e sofrimento, que aliás todos temos, tivemos, e não deixaremos nunca de ter. A questão está em aprender ou não com essas experiências, em utilizá-las para nos elevarmos, aceitando-as como a pedra aceita o desbaste do maço, porque sabe desde logo que dentro de si se esconde uma obra de arte que urge resgatar.

Em alguma altura da nossa vida, todos vislumbrámos um mundo diferente, possivel ou impossivel; apenas um mundo que estivesse livre de tudo aquilo que consideramos mediocre. Há sobretudo uma determinada fase da adolescência que pode ensinar muito à Humanidade. Uma fase idealista, de fuga e quebra com valores e ideais vigentes. Nesta fase buscamos sobretudo compreensão por parte daqueles que acreditamos que não a sabem dar, porque parecem viver num mundo muito diferente do nosso. E a verdade é que vivem, porque em si mesmos houve uma chama que se apagou, algo que foi destruído nos constantes embates da vida a que aprendemos a chamar «realidade». Mas é aqui, na questão da «realidade» que começa a verdadeira mudança. O que é a realidada? Quando a certa altura da vida deixamos de questionar, e damos tudo como certo, e eterno, perde-se esta centelha fundamental que reside nessa sensação de mistério que guardamos bem no fundo de nós, e da qual temos muitas vezes medo, porque deixamos de saber lidar com essa sensação. Temos medo de perder aquilo que a «realidade» nos deu; temos medo de não conseguir acompanhar o rebanho, embora eu tenha a certeza de que nenhum de nós sabe muito bem para onde segue este rebanho... Talvez para o matadouro..



É preciso ter muito cuidado, porque a máquina social mata-nos a dúvida, mata em nós tudo aquilo que pode subverter a própria sociedade, subjugando. Onde quero chegar é que esse ímpeto de mudança, essa sensação que todos temos de que «a vida não é aqui» (Kundera outra vez) é a única forma de salvar a Humanidade; é o único sentimento que tudo ultrapassa, aliado ao Amor. Na adolescência, este ímpeto revolucionário é quase sempre incipiente, mas não devemos confundir a manifestação desse ímpeto, com o ímpeto em si mesmo, que todos devemos proteger como o maior dos tesouros. O que nos salva é que homens houveram que sempre souberam cultivar esta vontade de mudar.

A questão é agora como mudar.

Pois no meu livro (finalmente) está implicito o meu próprio crescimento pessoal e, sobretudo, a defesa e um contributo para aquela que considero ser a mais importante e duradoura das revoluções – a Metanóia!

Se todos sairmos daqui diferentes, mais livres, mais homens, mais mulheres, então todos teremos contribuído para o mundo que esperamos..


Leitura do Primeiro poema do Primeiro Capítulo...

Tudo começa na consciência do Eu. Se não fosse por existirmos como uma identidade separada, independente, nenhuma destas questões seria colocada. Mas somos «eus» que olham para «tus». Há esta separação entre sujeito e objecto que nos leva a questionar sobre quem somos, e o que é o mundo.

Acredito que para mudarmos de visão (além da possibilidade de ir à Multiópticas) devemos antes de mais reflectir sobre o nosso Eu, e o lugar que este ocupa no Universo.

Para mim foi simples quando comecei por perceber que o nosso pequeno planeta não está no centro do Universo, nem sequer o Sistema Solar está no centro da Galáxia, e muito menos esta está no centro seja do que for... Existem cem mil milhões de galáxias no Universo conhecido. Cada galáxia tem em média cem mil milhões de estrelas. E nós navegamos algures numa rocha azul em torno de uma dessas estrelas simples, que por sua vez gira em torno do centro da Via Láctea, perdida num dos braços desta.

Isto dá-nos desde logo outra noção do nosso Eu. Os nossos problemas, as nossas vidas, parecem muito insignificantes no meio desta imensidão, e é verdade, mas o facto de sermos pequenos e raros torna cada um de nós único, e portanto incomensuravelmente valioso.

Para mim foi importante cultivar esta necessidade de procurar sempre algo superior, e esta tentativa de ver outros horizontes mais amplos vai-nos ensinando a olhar a vida não com os olhos pequenos de quem está demasiado embrenhado nela, mas com a vista aberta ao mistério de quem vê em tudo uma manifestação de algo muito maior que os homens.

O nosso tempo, a nossa época, é no fundo como o nosso pequeno planeta. Uma simples página, ou mesmo uma simples nota de rodapé no livro da História – ou não?

Por isso mudar de visão é também olhar o nosso tempo com os olhos da História, e desta forma agir no tempo que nos foi dado através da própria Eternidade, nunca agarrado a preconceitos ou morais limitadoras enraizadas numa historicidade própria, tão prisioneira de modas.

Demócrito ria, Heraclito chorava. Temos de saber ser um pouco dos dois.


Leitura de um poema do segundo capítulo

Quando aprendemos a ver o mundo com um olhar mais descomprometido a modas e épocas, verificamos que o que nos motiva a maior parte das vozes são coisas puramente temporais, pelas quais não vale sequer a pena sofrer.

Aprendemos que muito do que nos move reside em puras ilusões do pensar consciente. É o nosso Eu mais uma vez, no seu esforço para deslindar entre o que é certo, e o que é errado. Acho que uma cadeira pode bem ajudar-nos...

Quando observamos uma simples cadeira, o que vemos? As nossas mentes naturalmente realistas dirão «vemos uma cadeira, que é aquilo que ela é, e serve apenas para que nos sentemos nela...». Reparem no «...ela é...» e no «serve». A cadeira é ou possuir «ser» porque nós lhe atribuímos qualidades. É verde, é alta, é baixa, é dura, é fofa. É um objecto para nos sentarmos, claro, foi para isso mesmo que a construímos. Façamos agora um exercício: vamos todos embora desta sala e deixemos a cadeira só e abandonada. O que resta dela? Dirão vocês que a cadeira continua lá, estejamos a observá-la, ou não. E eu pergunto: será mesmo assim?

Se não estiver ninguém na sala a olhar a cadeira, quem poderá dizer que a esta é verde? Dirão talvez que se lembram de que antes de deixarem a sala, esta era verde. Mas neste caso, onde está a qualidade «verde», na cadeira em si, ou na vossa memória?

Serve para sentar? Porquê? Porque a forma, o encosto apropriado, as pernas, fazem-nos recordar qualquer coisa que já vimos antes. A própria pessoa que a construiu, fê-lo com uma intenção. Se não estiver ninguém na sala para olhar a cadeira através dessa intenção, o que resta da cadeira? A verdade é que a cadeira existe porque «é» algo. É porque nós mesmos, a nossa mente, lhe atribui qualidades (defeitos também). Gostamos, ou não gostamos. Se não houver ninguém que lhe «passe cartão», a cadeira que conhecemos deixa simplesmente de existir.

Deixo-vos a tarefa de pensar nisto.

A realidade que abraçamos como eterna, como nossa, e que fazemos tudo para defender, que impingimos às nossas crianças para que se tornam «adultas» fica uma pouco abalado com tudo isto, ou não?

Até os valores que damos como certos.. São eles próprios cadeiras, frágeis e ilusórias.. Cabe-nos então continuar a buscar essa realidade verdadeira, independente de nós, das nossas mentes naturalmente formatadas. E que está aqui! Está ali mesmo naquela cadeira, embora não a possamos vislumbrar! Faz parte também daquilo de que somos feitos – é aquilo de que somos feitos! Aplique-se isto ao Tempo, ao Espaço. Tudo se dilui.

Nem o Eu porventura ficará incólume, esse Eu que tanto amamos e defendemos...

Pensem nisto.


Leitura do Primeiro poema do Terceiro Capítulo..

Esta sensação interior de que nada é como pensavamos, alimentada pela nossa vontade de crescer e contribuirmos com o nosso crescimento para o novo mundo, semeia em nós uma fé maior no caminho que percorremos. Sim, porque a Metanóia é um caminho, uma peregrinação dentro de nós mesmos na demanda da Liberdade – é a única revolução que não usa armas, não verte sangue, e não fomenta ódios..

Enraiza-se a ideia de que o mundo pode ser diferente, e que com a nossa própria transformação (esperando pouco de fora) podemos relançar a construção do futuro.

A ideia de uma realidade última, essencial a tudo o que existe, que não pode ser conhecida nem pensada (de todo misteriosa) obriga-nos a ir em frente. Acredito que a Fé não tem nada a ver com a observância estrita e cega de uma religião institucional, que nos dá as regras de fora, com as pautas já escritas. A Fé, o gosto pelo desconhecido, pelo misterioso, pelo que nos transcende sempre, existe desde que nos conhecemos como humanidade. Foi esse sentimento que nos fez sair das savanas e percorrer o mundo quando eramos pouco mais que caçadores-recolectores. Foi esse Mistério que pôs os portugueses à frente de caravelas, à procura, nesse acreditar de que o horizonte (embora inatingível) não é o fim, nem sequer a meta. Foi também essa Fé que pôr um Einstein a trabalhar, trabalhar, trabalhar, porque não conseguia libertar-se do pressentimento de uma racionalidade intima ao próprio Universo, que pode ser descrita por leis físicas.
Chamem-lhe Deus, Infinito, Javé, Alá, são tudo conceitos que, como já vimos anteriormente, são fruto da mente. A essência do Tudo não precisa não precisa de nós para existir, mas o pressentimento de que está aí pode sim ajudar-nos a resistir, e a lutar por um mundo mais digno.

Estas ideias são fruto do meu interesse crescente pela Arte, pela Filosofia, pela Ciência, e sobretudo do estudo das várias religiões do mundo. Entendo que o Infinito tem muitas faces, e o ser humano, como animal vencedor que é no mundo, aprendeu a adaptar-se e a manifestar de muitas formas este amor ao que o transcende. Estudar outras religiões que não a que professamos, outras formas de pensamento, outras faces da Verdade, torna-nos mais tolerantes e, acima de tudo, abertos ao mundo e à diferença. Porque a Verdade que todos procuramos, para ser de facto «a» Verdade, não pode ser separada de nada – tem de ser una e consistente em si mesma. As ideologias aqui e ali cada uma a Verdade. A idelogia pensa que pode conter a Verdade, mas esta teima em fugir-lhe pelas frinchas. A Verdade é incontinente. O mais que podemos fazer (e é essa a mensagem última das religiões) é manter a abertura, porque não sabemos absolutamente nada, e cada pedrinha que encontramos no caminho pode ser um importante contributo para a Verdade. A ideologia é apenas uma forma de caminhar, um método talvez. Porque a ideologia que põe um ídolo num pedestal acaba por se fechar em si mesma. Um Buda, um Cristo, um Gandhi, não apontam para si mesmos nem pedem para ser adorados. Caminham apenas de uma determinada maneira e apontam direcções possiveis. Buda antes de morrer terá dito aos seus discípulos para não perderem tempo a adorar o seu corpo, mas para perseverarem no caminho.

Olhemos pois para onde os grandes mestres apontaram, e continuam a apontar. O dedo que aponta não interessa para nada.

Uma questão: é mentira dizer que o homem é um «animal racional». Mito absoluto. No máximo o homem será um «animal lógico», porque utiliza formas lógicas para chegar aos seus fins (na maior parte das vezes nada racionais). As nossas convicções, as ideias que abraçamos sustentam-se numa lógica própria. Mas assim como nas matemáticas existem sistemas aqui e ali muitas vezes algo contraditórios, também a nossa lógica pode falhar por lhe faltar a visão global do Sistema. Por isso devemos amar a diferença. Nunca se sabe quando a contradição não é apenas a manifestação dispersa de uma unidade lógica essencial. Acontece com todas as teses, e «anti-teses». Mais tarde ou mais cedo surge sempre alguém absolutamente genial que as funde numa «sin-tese», e deixa todos boquiabertos. Não morram nem pela tese, nem pela antítese – prefiram a Síntese!



Leitura do Primeiro poema do Quarto e último Capítulo

E chegamos agora à revolução pretendida. Nestes bocados estivemos praticamente de olhos postos em nós mesmos. Mas eis que levantamos o olhar e o mundo mudou! Porquê? Porque nós mudamos primeiro, e o mundo somos nós! Lá fora saberemos ver o mundo com outros olhos. Nenhuma moral demasiado limitadora nos pode constranger, porque sabemos agora o que de facto importa.

Para ser verdadeiramente livre, terei de deixar pelo caminho o que me tolhe os pés. Deverei amar mais o Ser, sendo mais e melhor, e preocupar-me menos com o Ter, e no estatuto que este me possa trazer. Quem vale pelo que é, para si, para os outros, não precisa de galões nos ombros, bens materiais para ostentar, ou títulos para fazer calar os outros.

Serei eu apenas, num esforço para aprender a amar os outros de uma forma mais plena, sem esperar nada em troca senão um melhoramento interior.

Sei agora largar tudo, porque a Paz não vem de fora de mim. Cultivo-a eu mesmo, cá dentro. E é quando tudo parece desabar a nossa volta que se revela a bússola interior que todos temos, e que mantém o Norte.

Obrigado.


Terminou-se com um poema especial acompanhado com o «Requiem» de Mozart em fundo

Superior é a ideia humana ainda que grosseiramente se deturpe
Na turva atmosfera do corrompido
E aí está a voz humana num crescendum divino...
É a unidade das vozes e das vontades que projecta o Ser
E o chão vibra – também o céu contagiado troveja...

No olho do furacão e do fragor da luta
Repousa a Verdade.
O pleno devir já se confunde com as nuvens etéreas do sonho...
Sonhar! Oh sonhar com o porvir da felicidade!
Chorar sempre – carpir de amor à Humanidade
Esticar o braço lasso mas convicto e tocar a mão de Deus...

O agora é já prenúncio
É a Arte medidora e já faz tremer os corações frios
Já a natureza do instinto renasceu das cinzas como Fénix
E o natural regressa ao templo da harmonia
- o clássico do Homem renasceu -
A Alma renova-se a cada momento sempre mais intenso,
E o espírito novo repousa sem pressas
No coração humano!