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domingo, agosto 30, 2009

O Poder de Votar




Trust the people - this is the crucial lesson of history
Ronald Reagan



No dia 27 vamos a votos para escolher a próxima legislatura. O PS já apresentou o seu programa eleitoral, bem como o PSD, e é de esperar que hoje seja apresentado o do CDS.

Acredito que estas eleições legislativas serão decisivas, talvez as mais importantes e significativas num tempo de crise económica e política. Quem será capaz de mobilizar os portugueses, de se assumir com uma liderança capaz, eficaz, e inovadora? Devemos apostar na continuidade e na estabilidade, ou na ruptura? Precisaremos de uma nova maioria, ou estaremos preparados para governos de minoria? Teremos novas eleições já daqui a dois anos?

E quanto às questões concretas: deveremos assumir como inevitável e inultrapassável a crise de crescimento e de desemprego, ou haverá de facto lugar para a mudança? Que forças políticas serão capazes de a levar a cabo? Podemos conduzi-la sozinhos, como país, ou teremos de rever as nossas relações com a UE, bem como os critérios e prerrogativas que figuram no tratado de adesão?

Será possível encontrar uma solução para a falta de empregabilidade dos jovens? Será possível - no contexto de um mundo globalizado e dominado cada vez mais pelas prerrogativas laborais dos países emergentes - acabar com a precariedade laboral, os baixos salários, o desemprego crescente? E se tal solução existe, será ela compatível com a competitividade das empresas num contexto internacional?

Haverá forma de potencializarmos e fomentarmos o investimento em áreas do sector terciário - agricultura, pescas, agro-pecuário - sem entrarmos em conflito com o regime de quotas? Estaremos preparados para rever as nossas prerrogativas de adesão, e se for necessário, abdicarmos de fundos estruturais em nome do desenvolvimento dentro de portas? Seremos capazes de acabar com a crescente dependência a todos os níveis da sociedade civil, de criar oportunidades e dar força às pessoas para que ponham em prática os seus projectos, os seus sonhos, os seus planos de vida? Estaremos preparados para criar uma política de subsídios mais justa e menos cega, dada a desvarios igualitários sem qualquer correspondência com o mundo real?

Estaremos preparados para acabar com certas «aristocracias» ainda remanescentes, de responsabilizarmos cada vez mais a administração pública - e aqui incluo os próprios políticos -, apostando cada vez mais na eficácia dos serviços, no atendimento informado, capaz, na resolução eficiente, informada e rápida das solicitações e problemas das pessoas? Neste contexto, haverá solução para a Justiça?

E para a educação? Seremos capazes de uma vez por todas de tomar consciência da importância fundamental, primordial, axial da educação e da formação? Será possível que as escolas, as famílias, as comunidades se tornem verdadeiros veículos de cidadania, de respeito pelo próximo, de responsabilidade e sentido crítico em relação à sociedade e ao mundo? E sem prejuízo da importância da vertente técnica e profissional, haverá salvação para os currículos das humanidades, da filosofia, da história e da arte, sem os quais não existe um desenvolvimento equilibrado e esclarecido da pessoa humana? Será assim tão importante o inglês quando não se fala/escreve correctamente em português? Será assim tão importante o Magalhães, quando as crianças não conhecem o valor da leitura?

É possível acabar com a insegurança sem pôr em causa as liberdades civis? Será possível acabar com os guetos urbanos e integrar devidamente as pessoas que neles residem? A emigração descontrolada será uma boa opção perante as dificuldades de integração daqueles que já cá estão?

As questões são muitas e de resposta urgente. Votem em consciência! Não deixem que outros escolham por vocês, porque não faltam velhos do restelo a dizer que «não vale a pena» ou que é «inútil». São esses mesmos velhos do restelo que, com a sua indiferença, nos tiram o poder de decidir e fazem as delícias de quem não tem interesse em deixar os seus «poleiros»...

quarta-feira, agosto 26, 2009

Rubrica quase humorística - Paraísos e outros risos


Como se sabe, existem vários tipos de paraíso. Existe o vulgar edén ajardinado, cheio de árvores de fruto, pequenos ribeiros de água límpida e anjos e arcanjos de túnica branca. Este é o típico paraíso cristão. O homólogo muçulmano também é interessantíssimo, e embora não tenha relva – os jardins árabes não têm relva – tem mais virgens à solta que qualquer praga de erva daninha (curioso, porque à semelhança da relva, as virgens são também verdes e tenrinhas). Contudo, há um tipo de paraíso que começa a ganhar adeptos um pouco por todo o mundo. Não, não se trata de uma nova religião. Aquela história de que deixamos cá tudo quando morremos é uma grande mentira, porque neste novo tipo de paraíso, o dinheiro que temos cá na terra – ou na terrinha – chega lá antes de nós. Antes, os ricos iam todos para o inferno. Já diz a Bíblia que mais depressa passa um camelo pelo rabo da agulha do que um rico vai para o paraíso! Ora, a solução encontrada para não deixar os ricos de fora, foi inventar o paraíso fiscal! João Rendeiro tem o privilégio de ser um dos primeiros a usufruir deste novo tipo de paraíso, e para o merecer não teve de fazer boas acções. Bastou comprá-las a preços baixos, e vendê-las depois em alta! Para o merecer não foi preciso ter valores. Bastou extorqui-los fartamente aos depositantes que confiaram na sua idónea instituição financeira. Estou certo que o paraíso fiscal é a solução para todos os males do mundo, em particular para o terrorismo. Senão vejamos: quando um talibã estiver prestes a carregar no botão para fazer explodir os 8 charutos de dinamite que tem à cintura vai pensar, «Eh pá, 70 virgens ou 70 milhões nas Caimão?». Estou certo que preferirá os 70 milhões, e tornar-se-á um homem novo. Se preferir as 70 virgens, de certeza absoluta que mais tarde ou mais cedo ficará destroçado por não ter escolhido correctamente. O seu coração – e não só – ficará em pedaços por saber que poderia estar a comer chocolate alpino e a beber leite de vaca suíça.

Uma outra nota interessante desta última semana foi a tonelada de diplomas legislativos que o nosso presidente foi obrigado a levar para férias. Nas suas próprias palavras, a quantidade é tão grande que «dava para encher um jipe». Falta, obviamente, saber a que tipo de jipe se referia Cavaco. Sabe-se de fonte segura (eu sei aliás) que na última conversa semanal entre Belém e São Bento, o primeiro-ministro propôs a Cavaco Silva que levasse todos os diplomas gravados no Magalhães. Afinal, sempre poderia pôr os netinhos a ler enquanto jogavam um qualquer jogo com coelhinhos a correr e a saltar. Depois era só vetar.

Por falar em Magalhães, lembrei-me que seria interessante se fizéssemos uma espécie de tratado de Methuen com a Venezuela. Em vez de fornecermos vinho do Porto em troca de têxteis ingleses, forneceríamos Magalhães (por mim podiam ser todos) em troca de misses venezuelanas. No fundo, as misses são em tudo semelhantes aos Magalhães, nomeadamente no facto de não falarem português. E estou certo que seria muito melhor para a nossa economia, sobretudo no turismo, se tivéssemos mais mulheres bonitas, em vez de andarmos a distribuir computadores com joguinhos «didàticuz».

Há uns meses, um estudo revelou que muitos casamentos estavam em vias de terminar por causa, imagine-se só, da Internet. Ao que parece, muitos homens preferem estar abeirados juntos aos seus computadores, do que abeirados junto às suas mulheres. E não os censuro, porque, em grande medida, mais tarde ou mais cedo, a relação entre um homem e uma mulher torna-se tão rotineira que não passa do digital, e em boa verdade é mais fácil encontrar o G num teclado do que numa mulher. Além de que, no pc dá sempre para baixar o som e pôr a hibernar sempre que se quiser.

terça-feira, agosto 18, 2009

Sobre o método de Aconselhamento Ético-Filosófico




Transcrevo um pequeno artigo que escrevi acerca do conceito de aconselhamento ético-filosófico para esclarecimento geral.


Sobre o Aconselhamento

É necessário clarificar conceptualmente o conceito do aconselhamento EF. Para ter alguma credibilidade, é necessário que se apresente com uma base mais ou menos científica, com métodos próprios conducentes a resultados verificáveis. Desta forma, e enunciando genericamente, o aconselhamento ético filosófico tem como objectivo orientar o cliente num processo de auto-compreensão do seus modos de pensamento, das suas concepções acerca da vida, do mundo, dos valores, bem como dos erros patentes nestas mesmas concepções. De uma forma quase socrática e maiêutica, o conselheiro deve ser capaz de colocar as questões certas, de forma a orientar o clt nos caminhos das suas próprias opiniões, conceitos, ideias, sonhos, para que este tenha consciência das concepções que estão na base da sua acção, e, em última análise, das suas felicidades ou infelicidades. O conselheiro deve ajudar o cliente a ver para além dos seus próprios preconceitos (pré-conceitos), e da falibilidade inerente aos mesmos, conduzindo-o, em termos ideais, a mudanças de paradigma de pensamento e de acção. É aquilo a que chamo de Metanóia. O conselheiro é aquele que ajuda o cliente a ver para além do Véu de Maya dos seus próprios pensamentos e conceitos mais imediatos, rotineiros e cristalizados. Filosoficamente falando, o conselheiro procura compreender a causa, a origem do preconceito que pode derivar de um erro de pensamento, um paralogismo, uma premissa que conduziu a uma sucessiva sedimentação de crenças feridas do erro da premissa original. Obviamente, o preconceito pode também derivar de uma experiência traumática, e compreender tal experiência pode também estar ao alcance do conselheiro filosófico. Embora os aspectos patológicos da experiência só possam ser devidamente compreendidos pela psicologia e pelos seus métodos, é preciso não esquecer que por detrás de uma experiência está um pensamento. Não existe experiência sem pensamento, e não existe pensamento sem conceitos. Embora o preconceito possa ser aprendido, através da sociabilização, da educação e por virtude de se estar inserido num contexto social-político-ideológico, este deriva também originalmente de uma experiência. No primeiro, estão em causa estruturas simbólicas e semióticas que se auto-reproduzem conduzindo a novas estruturas (Saussure). Estas estruturas culturais, à semelhança do que afirmava Saussure, são independentes, ou seja, o sujeito torna-se um reprodutor de estruturas semióticas que o antecedem. Parece não haver verdadeira liberdade de acção e criação, inclusive porque o próprio inconsciente é ele mesmo uma estrutura linguística (Lacan). Em última análise, a causa da acção é o pensamento, e o pensamento é feito de linguagem, que por sua vez é causado por estruturas semióticas e simbólicas que se situam num contexto maior, histórico por natureza. Portanto, quanto mais um ser humano compreender a estrutura do seu próprio pensamento, e o modo como esta estrutura se relaciona com o contexto simbólico em que está inserido, tanto melhor para atingir o objectivo máximo da felicidade. As experiências têm o dom de reforçar estruturas, simbolos e semiologias, e quando a experiência é particularmente traumática, torna-se numa espécie de verdade fundacional que justifica e corrobora enunciados indutivos, cujo risco maior está em se tornarem axiomas para onde toda a experiência futura remeterá. É uma espécie de ciência inversa. Esses axiomas transformam-se em arreigados preconceitos que condicionam a acção. É no perigo da generalização que radica o erro; é daqui a que nasce a irracionalidade da acção.

É dever do conselheiro permitir ao cliente que tome consciência desta irracionalidade, e do modo como esta atitude do sujeito põe em causa a reflexão acerca dos problemas e dilemas que o atormentam. Há um exercício que talvez seja interessante que é o de colocar o sujeito fora de si mesmo, permitindo-lhe observar o seu pensamento a partir de uma perspectiva exterior. É sempre mais fácil compreendermos algo a partir de uma perspectiva exterior, sem estarmos comprometidos com ela, seja de um modo afectivo ou identitário. Quando somos portadores de opiniões, ideias ou concepções, estas não são exteriores a nós mesmos. São de facto nós mesmos. Fazem parte do nosso ser, da identidade que somos e vamos construindo. Não podemos fazer uma análise objectiva dos mesmos sem a devida distanciação. Por isso, o conselheiro pode solicitar ao cliente que anote num papel as suas palavras, que transforme em proposições escritas as suas principais concepções acerca de questões particulares. Pode depois pedir ao cliente que parta do princípio que tais enunciados foram feitos por uma outra pessoa. Alternativamente, pode apresentar-lhe os enunciados algum tempo depois de ter iniciado as consultas, de forma inclusive a avaliar os progressos obtidos. A este método chamo de análise objectiva de enunciados subjectivos. Pode ser solicitado ao cliente que faça isto recorrentemente, à medida que os seus próprios paradigmas vão sendo reformulados. Contudo, deve partir sempre, em larga medida, da consciência do próprio cliente. Talvez seja verdade a ideia implícita no obra de Santo Agostinho, O Mestre, de quem não temos a capacidade de ensinar sejo o que for a alguém, porque não podemos compreender por esse alguém. A compreensão que conduz à mudança tem de ser realmente compreendida pelo indivíduo, não lhe pode ser imposta.

Dilemas éticos

Só existem dilemas éticos porque existe o compromisso com valores. Quem não tem qualquer tipo de comprometimento consciente ou inconsciente com valores morais e éticos, não tem qualquer tipo de conflito pessoal na hora de agir. Assim, o conselheiro deve em primeiro lugar ajudar o cliente a clarificar os valores com os quais está comprometido. Se surge um dilema ético, uma decisão a tomar, talvez seja melhor saber primeiro o que se pretende com tal decisão, ou seja, qual o verdadeiro objectivo, a causa primeira da acção que se pretende empreender. Para Aristóteles, o objectivo da Ética consiste em ter uma «vida boa». O imperatívo fundamental é o de compreender o modo como a virtude nos permite ter uma vida que corresponda ao que queremos e não ao quer achamos que queremos, ou simplesmente nos apetece. Savater, na sua Ética para um Jovem, faz uma análise muito interessante desta questão. Se alguém lhe apetece comprar uma mota, talvez essa pessoa evitasse gastar dinheiro – ou quem sabe ter um acidente mortal – se tentasse perceber qual é o verdadeiro objecto da sua vontade. Quer a mota pela mota, ou quer é mota porque esta lhe dá uma sensação de liberdade? Se a pessoa entender que o que ela procura verdadeiramente é liberdade, talvez possa encontrar outros meios de lá chegar. Por exemplo: ontem enquanto falava com uma amiga, esta apresentou-me um dilema ético típico para o qual seria interessante encontrar uma solução no âmbito do aconselhamento. Ela vai para Lisboa com o objectivo de fazer vida a longo prazo com o namorado, visto que ele é de lá. Como é obvio, um dos requisitos para mudar de cidade é o de ter um emprego minimamente estável. Depois de algumas semanas de procura, parece ter encontrado o emprego que procurava num infantário em Oeiras. Contudo, a vaga em questão existe porque a funcionária que a ocupava está doente – provavelmente com um cancro – e está, portanto, de baixa. A questão é a seguinte: se a mulher recuperar poderá voltar, em princípio, ao emprego, e a minha amiga é despedida. Se ela não recuperar e até falecer, a minha amiga terá o contrato renovado e poderá aspirar a um futuro dentro daquele infantário. A minha amiga está numa espécie de dilema, pois coloca as coisas em termos de «o mal dela será o meu bem». Ou seja, ela deseja ardentemente um emprego a longo prazo naquele infantário, mas, por outro lado, não deseja a morte da antiga funcionária. Como enfrentar este dilema? Em primeiro lugar, penso que é necessário clarificar o que está por trás deste conflito interior, ou seja, quais os valores com os quais a minha amiga está comprometida. Obviamente, se a questionar ela me dirá que «o respeito pela vida» está acima de qualquer outro valor, embora eu possa contra-argumentar que é igualmente legítimo «o direito à realização e ao trabalho». Claro, ela dir-me-á que esse direito só tem fundamento se não implicar a desgraça de ninguém! Está em causa o valor do mérito individual. Ainda que eu lhe diga que não está em causa o seu mérito individual, e que ela não tem qualquer responsabilidade no que está a acontecer com a outra funcionária, ela acredita que, ao permitir a situação, está a ser cúmplice do que lhe pode vir a acontecer. Portanto, a raiz do conflito ético está no acreditar que se é parte, ou que se tem cota de responsabilidade nas vicissitudes de outrém, porque, neste caso particular, estará a pactuar conscientemente com a desgraça do outro. A questão é: estaria a pactuar quando? Em que momento? Porque, se se mantivesse no emprego até ao momento em que a outra funcionária recuperasse, então a minha amiga será mandada embora e acaba-se o dilema. Por outro lado, se a funcionária não recuperar, então o contrato da minha amiga é renovado. Ou seja, até ao momento da recuperação ou não da outra funcionária, a minha amiga apenas está a cumprir um dever, está a substituir alguém a pedido de uma instituição que precisa de alguém, porque, em última análise, são as crianças que precisam de alguém que cuide delas nesse intervalo de tempo. É éticamente aceitável e desejável que saibamos honrar compromissos da melhor forma possível, e saibamos também corresponder às necessidades dos outros se for caso disso. Agora, eu poderia perguntar-lhe: então, porque simplesmente não cumpres o teu tempo, aceitando já a possibilidade de vires embora independentemente da recuperação da funcionária, partindo aliás já desse princípio? Porque se partires desse princípio, saberás que para já estás a cumprir um dever, mas quando esse dever terminar sabes que te vens embora. Poderia inclusive procurar outro emprego enquanto estivesse a trabalhar nesse infantário. Em qualquer uma das possibilidades, vinha-se embora. Fim do dilema ético? Então, e ainda que a senhora não recupere, se a minha amiga vier embora ainda assim, não estará ela a fugir ao dever? A instituição precisa dela, as crianças precisam dela e do seu trabalho. Não é justo para as crianças verem caras diferentes de ano a ano. Precisam de estabilidade. E também a minha amiga precisa de estabilidade. Contudo, a minha amiga continua a não querer compactuar com uma possível desgraça alheia. Nesta altura, eu posso perguntar-lhe: e se, mesmo que a funcionária recupere, te for pedido pela instituição para que fiques? Melhor ainda, e se o motivo pelo qual tu sejas convidada a ficar, não seja a morte de alguém, mas o teu mérito puro e simples? Aquilo que eu diria à minha amiga, e que concerteza ela acabaria por entender por ela mesma, seria o seguinte: cumpre o teu dever enquanto ele te é solicitado, e cumpre-o da melhor forma possível. Porque, ao cumprires o teu dever não estás a prejudicar ou a compactuar com a desgraça alheia, e se o fizeres da melhor forma possível é certo que o teu mérito será valorizado na hora de todas as decisões. Serás seleccionada por seres cumpridora e profissional, e não simplesmente porque havia uma vaga livre.

quinta-feira, agosto 13, 2009

A Dama de Rangum



Ela tem 64 anos, chama-se Aung San Suu Kyi, e tem dois filhos que já não vê há 10 anos, mercê do facto de estar em prisão domiciliária por delito de opinião há 14. Em 1999, e como se não bastasse tudo o resto, Suu Kyi perdeu o seu marido, o britânico Michael Aris, vítima de cancro. Aparentemente sem nada a perder, Suu Kyi decidiu fintar a loucura e a depressão impondo a si mesma uma disciplina diária estrita e rigorosa. Nas palavras da própria, é muito importante estabelecer uma rotina e segui-la de modo muito estrito para evitar o desperdiçar inconsciente do tempo. É admirável a lição desta verdadeira “dama de ferro” birmanesa. Ela não pode estar mais certa. A disciplina estrita e auto-imposta permite-nos dar o nosso tempo como válido, útil e preenchido. Permite-nos avançar, progredir, e em suma, construir! Nada se faz de verdadeiramente válido e útil para a humanidade sem esta auto-disciplina. Os grandes do mundo não o foram por obra e graça, mas por força das suas próprias vontades. Numa conjuntura de opressão, como a vivida por Suu Kyi, bem como por muitos outros presos políticos do passado e do presente (são muitos e todos merecem o nosso maior respeito e atenção), esta auto-disciplina revela um sentimento profundo, uma subtil chama de esperança que se mantém acesa, numa espécie de fogo fátuo capaz de alimentar a acção, intocável e indestrutível por qualquer mordaça, metralhadora, ou condenação imposta por uma qualquer junta militar que só conhece a linguagem da bota que pisa, ou da palavra que oprime. É com esta profunda dignidade que um oprimido se apresenta ao mundo como verdadeiramente livre: nenhuma prisão consegue tirar a liberdade a quem se mantém digno do principio ao fim, nem a quem tem a razão a servir-lhe de chão, ou, se for preciso, de sepultura.

É obrigação de todos os povos livres estarem solidários com os presos ou os exilados políticos, estejam eles estiverem, seja qual for a sua origem.

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terça-feira, agosto 11, 2009

Peças quase humorísticas

Olá.

Porque sei que o Humor é importante, e também em homenagem aos humoristas do nosso país, e em particular a Raúl Solnado, de hoje em diante, todas as quartas-feiras de quinze em quinze dias publicarei um texto quase humorístico da minha autoria. Rir é sem dúvida o melhor remédio.



Hoje apetece-me falar de humor. De notar que falar de humor não é o mesmo que fazer humor. Pode-se, contudo, ser-se engraçado enquanto se fala sobre a graça. Por isso, amiga Graça, se estiveres a ler este texto já sabes, não leves a mal, está bem?

Humor é parecido com Amor, com a diferença substancial que o Humor é menos doloroso. Sim, claro, podem delapidar-me por dizer tal blasfémia! Eu sei que o amor é lindo, e que é melhor amar e sofrer do que nunca amar... E, já agora, que tudo é eterno enquanto dura! Viva os chavões da modernidade. O que ninguém ainda parece ter percebido é que, o que é mesmo eterno enquanto dura não é o amor, mas um pontapé nas gónadas masculinas! O que parece mesmo eterno enquanto dura é a dor, porque dura sempre demasiado, nem que seja só um segundo... O próprio Einstein explicou a teoria da relatividade da seguinte forma: se a tua namorada se senta ao teu colo durante uma hora, parece-te um segundo (isto, é claro, convenhamos, se ela não sofrer de obesidade mórbida). Porém, se te sentas durante um segundo numa chapa muito quente, esse segundo parece-te uma hora! Portanto, caro Vinicius, pah, estavas enganado (a não ser obviamente que gostes de sofrer).

O Humor é a prova provada de que evoluímos. Evoluímos de um ser macacóide que fazia esgares verdadeiramente ridiculos, mostrando toda a dentadura e soltando gritos excruciantemente dolorosos - só semelhantes aos da Júlia Pinheiro – em direcção ao patamar de seres pensantes, capazes de rir para dentro, capazes de não se deixarem levar exclusivamente pelo engraçado mas de reconhecer o engraçado por detrás do aparentemente menos engraçado. O nosso cérebro evoluiu ao ponto de ser capaz de criar associações bizarras, unir conceitos aparentemente opostos, gerar ideias novas e inusitadas. O inusitado e pouco convencional faz rir, e até as epifanias religiosas, místicas, científicas, criativas, são verdadeiramente humorísticas! Conta-se que o Newton, aquando daquele ataque que sofreu por parte de uma maça tresloucada que se soltou de uma árvore (a maçã é que leva sempre com as culpas) primeiro chorou como um bebé tal foi a dor, mas depois acabou a rir como um louco ao ser iluminado subitamente pela noção de gravitação universal! Quanto à maça, consta-se que casou com um maçon da loja maçonica de Inglaterra e foi feliz para sempre. Viram, eis uma piada que associa elementos aparentemente opostos e que gera toneladas de riso! Ou não... Só por curiosidade, Newton processou a maçã e foi às Manhãs da TVI fazer queixa dela, e ainda aproveitou para dizer que estava desempregado há dois anos, estava grávido e tinha ratos em casa.

Acho até que o Índíce de Desenvolvimento Humano - o famoso IDH que serve de instrumento estatístico para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento de um país – deveria incluir o Humor, tanto ao nível do acesso de todos os cidadãos ao bom humor, como à qualidade desse mesmo humor. O painel de jurados deveria ser constituido essencialmente por humoristas consagrados, nomeadamente esse senhor do humor português em geral, e do europeu em particular, Alberto João Jardim. Proponho Alberto João Jardim para tal honra por considerar que reúne, ao mesmo tempo (o que é raro) qualidades de político e de palhaço. Alberto João Jardim inovou o panorama do humor nacional, substituindo as tradicionais anedotas de alentejanos e de loiras por anedotas sobre chineses e comunistas, e ainda abriu uma nova modalidade de caça na Madeira, chamada caça ao dirigível.

Humor é sentimento. E não me venham dizer que o Fado é que espelha verdadeiramente o sentimento lusitano. Blhack. O que espelha o sentimento lusitano é o humor lusitano, meio sacana e quase sempre polvilhado de ambiguidades linguísticas que conduzem, quase inexoravelmente, ao sexo. A piada portuguesa teria deliciado Freud, porque não há frase ou palavra em português que não tenha um correspondente em sexualês. Daí dizer-se que a língua portuguesa é muito traiçoeira... e a razão para isto acontecer é tão simples de entender que até enoja. Os portugueses tiveram de calar durante demasiado tempo, o pudor e os bons costumes obrigaram-nos a dizer por meias palavras, por rodeios, aquilo que facilmente, noutras circunstâncias, se diria claramente e sem ambiguidades. Agradeça-se à Inquisição e à Ditadura, as mães da sacanice do humor português! Graças a Deus, os tempos mudaram. Agora fala-se – quase abertamente – de tudo. Até se fala demasiado do que não interessa. Agora fala-se demasiado na Gripe A, e mete-me medo só de pensar que ainda temos pelo menos mais 22 letras para baptizar gripes futuras. Quando chegarmos à Z pode ser que as farmacêuticas já estejam ricas e não seja preciso inventar um novo alfabeto para baptizar gripes fraudulentas. A não ser que inventem a Gripe AAA, tipo as pilhas. Gripe mais dura: AAA; gripe menos dura: AA. Ou Gripe para todos os tamanhos: gripe S, M, ou XL.