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sábado, dezembro 31, 2005

Nova Era

Mudar de ano não significa mudar de era, não fosse a cronologia humana mais uma invenção da incomensurável imaginação do Homem. Porém acredito que, mais do que uma mudança de calendário podemos, de facto, penetrar numa nova era. Acredito e sinto que o ano que aí vem será decisivo para o progresso da humanidade. Ou porque nele convergirão ódios milenares, ou porque de novo descobriremos a roda. No Natal e verifiquei que, mais do que apelos ao ódio, à violência, ou ao prejuízo do próximo, as mensagens que corriam pelo mundo eram de paz, de amor. Senti que havia uma harmonia universal que durante o ano permanecera latente, mas que agora plenamente se revelava em apelos de paz. Foi essa corrente de amor e de redenção expressa em milhares de milhões de sms e de e-mails que me deu esperança no futuro. Acredito no ano que se aproxima, como acredito na consciência colectiva que a todos nos une em desejos e anseios. As pequenas acções são veículos profundos de amor, capazes de dissolver pequenos ódios, ressentimentos, e curar feridas nos corações mais impenetráveis.
Que a esperança vos acompanhe neste novo ano, com amor e compreensão. O resto virá por si.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Porque não vêm, duvidam? Então o que dizer da maior parte das verdades que os homens tomam como certas sem nunca questionar? Ninguém vê o Bem, mas ninguém deixa de acreditar nele. Há algo muito maior que se manifesta em pequenas coisas, e só porque os nossos sentidos são tão grosseiros ao ponto de as não perceber, não significa que elas não existam, não sejam, não determinem tudo o que somos, e que existe. O caminho que percorremos é poeirento. Nele abundam os obstáculos e os desafios, tomados sempre como males terríveis, dignos de raiva, ódio, rancor. Nele abundam as incertezas sobre os atalhos a seguir, as estradas mais largas e desimpedidas, ou até os destinos que as justificam. Partir da nossa pequenez para justificar o mundo só leva ao total absurdo existencial, pois não pode uma mente limitada como a nossa albergar toda a racionalidade do Universo. E porque a razão humana é limitada, providenciou-nos a Natureza de uma arma capaz de colmatar em parte esta limitação! Nem todos a sabem descrever ou nomear. Sabem todos porém que ela se funda num acreditar profundo, inerente ao sentir humano. O mesmo acreditar que levou os homens desde o inicio a contemplar o horizonte com olhos de esperança, numa intuição profunda sobre algo que nem sempre foi claro, mas que os levou sempre mais além na busca de um mistério – o seu próprio! A mesma intuição que os levou desde sempre a encarar o desconhecido com um espanto profundo e curiosidade imensa, apesar de na mesma medida o temerem. Na Fé, o homem aprendeu a ver para além do horizonte na certeza da descoberta inaudita; aprendeu a ver o Oriente a Oriente do Oriente; aprendeu a ver para além de si! É esta Fé verdadeira que garante para sempre a Transcendência, pois do mistério se alimenta o homem desde sempre. Acabe-se o mistério e perde-se a alma humana! É esta a verdadeira fé porque não se cristaliza nem se dogmatiza. Dogmatizar a fé é destruí-la; é dar-lhe o fim e a verdade em si mesma, na qual ela se dissolve até se extinguir. A Fé real vê sempre para além de si mesma, inesgotável. A Fé verdadeira é e será eternamente mistério absoluto. É no caminho para o mistério que o homem se realiza; e deste a Fé se alimenta e nele se cumpre.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Homossexuais a sacerdotes? Mulheres? Porque não?

Não é surpresa que o recém eleito papa tenha tomado a decisão de reforçar a já existente proibição da ingressão no sacerdócio por homossexuais. Sem me perder com considerações acerca da modernidade – o que, diga-se de passagem, não deixa de estar na moda – vou directamente à questão que importa realmente.

De facto todos sabemos – até por uma questão de bom-senso – que este tipo de proibições não são dignas da época em que vivemos, e muito menos de uma instituição como a Igreja, que tem como objectivo escatológico instalar um reino de paz e amor sobre a Terra. Seria bom lembrar apenas como simples nota de rodapé, que a palavra Católico vem do grego Katholikos, e que significa universal... O que importa de facto é que os críticos das associações assim como o critico comum, saiba fundamentar a sua opinião, não só nesta matéria, mas em todas as que são inerentes à sua vida em sociedade. Não basta afirmar que está mal, e que a Igreja não tem autoridade moral para atacar minorias. Nem a Igreja tem autoridade para atacar as minorias, nem as minorias autoridade para atacar a Igreja. No final cumpre-se o evangelho: «quem nunca pecou que atire a primeira pedra.». Não me vou alongar com considerações teológicas, embora o meu objectivo seja de facto oferecer uma critica mais ou menos razoável.

De facto quem quiser perder um pouco do seu precioso tempo (que a maior parte das vezes é precioso para não se fazer nada), para segurar a Bíblia na sua mão, e ter o cuidado de passar os olhos pelos evangelhos, rapidamente se dará conta de que absolutamente nada lá está explicitamente ou implicitamente a proibir o sacerdócio de homossexuais ou de mulheres. Afinal um dos principais discípulos de Jesus era uma mulher, que se chamava Maria de Magdala. Cada vez mais se tem a noção da importância fundamental desta mulher no apostolado de Cristo, embora os próprios evangelistas – que estavam naturalmente sujeitos a uma determinada época – tivessem tentado obscurecer um pouco esta verdade, já para não falar nos posteriores «doutores da Igreja»... Além disso não sabemos com certeza se algum dos apóstolos de Cristo eram verdadeiramente heterossexuais, e penso que nunca vamos sabê-lo realmente. Temos de estar cientes que os evangelhos são sobretudo interpretações dos acontecimentos, e que postular teorias sobre eles é sobretudo postular teorias sobre interpretações de outros ( para não dizer que o evangelho de S. Lucas foi escrito com base no se S. Marcos). Se avançarmos um pouco verificamos que a primeira das interpretações, se assim podemos dizer, da missão confiada por Cristo aos homens, foi-nos dada por Paulo nas suas cartas. É ele o primeiro dos doutores, e aquele que primeiramente postula teorias sobre como deve funcionar a Igreja futura, quais devem ser os seus dogmas e crenças principais. E agora isto é importante: é ele que afirma numa das suas cartas que os homens «não devem perder-se em concupiscência.» Estamos a falar da opinião de um homem que supostamente contactou com Cristo e se converteu ao Cristianismo. A opinião de um homem, repito, não a de Cristo nem a dos evangelhos.

É importante que se clarifique que o pedido de Cristo foi apenas e só que se amassem uns aos outros, como ele os amou, vestissem uma túnica rasgada, agarrassem um cajado e partissem como peregrinos pelo mundo para proclamarem a mensagem de amor universal. Estes sim eram os sacerdotes, porque no Cristianismo sacerdote é primeiramente um apóstolo que humildemente deve proclamar o amor e a compaixão. E apóstolos foram não só homens, como mulheres, como homossexuais, como heterossexuais, como todos. E todo aquele que compreender a Verdade é apóstolo, e é-o a cada momento da sua vida. Aquilo que se é define-se pelos actos que se pratica. Vale a pena ler a Bíblia, como vale ler os Vedas, ou a Tora.

Sendo assim só peço ao eminente Papa Bento XVI que volte a ler os evangelhos com atenção, como se o fizesse pela primeira vez. Como sei que ele não vai ler esta mensagem, espero que os senhores sacerdotes comecem a pensar mais pelas suas próprias cabeças, em vez de se limitarem pelos conselhos de doutores ou dos seus chefes máximos.

sábado, novembro 19, 2005

Conhece-te a ti mesmo

Ao longo da vida há uma aparente incoerência de aprendizagens e de vivências que, progressivamente, vão modelando o carácter do ser humano. Heraclito dizia que o carácter de um homem é o seu destino. Pois esta aparente desordem não é mais do que a construção determinada de um destino necessário ao mundo, e ao Universo. É uma progressiva identidade que emerge.

Não nos podermos conhecer completamente, porque não conhecemos verdadeiramente o nosso destino. Podemos agourar sobre os nossos desejos e anseios. Podemos até analisar mais ou menos sistematicamente o nosso passado, e tentar vislumbrar uma linha de coerência que nos ilumine, e nos ajude a crescer. Mas na verdade só o tempo e as circunstâncias nos darão a resposta de que precisamos.

Podemos questionar-nos sobre o sentido da vida: da nossa vida; da minha vida. E como resposta podemos enlouquecer, desistir, ou aprender. Enlouquecemos porque desejamos profundamente uma resposta agora, já, imediatamente. Arrogamo-nos no direito à iluminação imediata, e a um conhecimento que nos devolva à vida, à nossa vida. Desistimos porque não temos os dados todos na mão, e a nossa análise ficou-se pela superficialidade do momentâneo e pela parcialidade da nossa ignorância.

Mas podemos também aprender. Diria que devemos. Porque estamos sempre a aprender não podemos imaginar que num determinado momento estamos completos e realizados. Porque estamos desanimados não podemos afirmar que não estaremos animados e radiantes, pois o sofrimento e o desânimo são também degraus necessários à progressiva aprendizagem da vida. Clamamos por um sentido porque acreditamos que ele existe, e está aí, a cada passo que damos, a cada decisão que tomamos, a cada erro que cometemos. O caos é sempre ordem que não compreendemos, porque não conhecemos de antemão nem as suas causas nem os seus objectivos.

terça-feira, novembro 15, 2005

Aos aspirantes a cultos

O movimento humano designa uma vontade comum, essa mesma vontade de mudança que faz evoluir uma ideia, uma tese, um ideal. Se nos juntamos para mudar, é porque sabemos que juntos seremos mais fortes. Um partido não pode nem deve representar apenas os elementos que o constituem. Sendo assim esse partido não representa ninguém senão aqueles cujos interesses individuais falam mais alto. Por isso um partido deve desde logo ser o porta-voz de um determinado grupo, comunidade ou classe. Os mais instruídos desta sociedade tem a obrigação cultural de lutar pela justiça, pela verdade, e por todos aqueles ideais que progressivamente e à força de muita luta, obrigarão a sociedade a subir no patamar do desenvolvimento verdadeiro. Nós que estudamos, que felizmente estamos ligados à cultura, ao saber e à história; nós que somos fieis depositários e transfiguradores do conhecimento, temos a obrigação de contribuir para a verdade e democracia. Somos os escultores do mundo. Como tal, é nossa obrigação polir pacientemente as arestas desta rude pedra que nos é entregue pelos nossos pais, e onde vivemos para a entregar aos vindouros, na esperança que continuem nobremente este trabalho. Mas para tal não basta que nos juntemos para dar voz a esta verdade. Não bastam palavras, nem alusões vazias à podridão do mundo, dessas que se dizem bem sentados e bem comidos, à mesa do café. Mudar o mundo começa por nos mudarmos a nós mesmos. Só mudando quem somos podemos mudar o que o mundo será. Porque o mundo somos nós, e o exemplo para a mudança não o devemos esperar de mais ninguém senão de nós mesmos.

sábado, outubro 29, 2005

Ao aspirante a filósofo

Escrevo isto, em primeiro lugar, para os meus colegas de Filosofia. Não deixo porém de remeter esta mensagem a todos aqueles que porventura aportarem por estes lados, enquanto navegam pelo vasto mundo dos blogs.

A primeira lição que um estudante de filosofia deve ter em conta é que a percepção que temos da realidade que arrogantemente chamamos nossa, não passa de uma visão subjectiva, baseada nas necessidades instintivas, racionais e ontológicas do animal humano. Se a maior parte dos alunos de Filosofia – o que quero acreditar – se inscreveram por vocação, ou por amor ao pensamento e à sua história, deixo aqui uma reflexão que entendo dever aos meus caríssimos condiscípulos, fruto da minha intensa, ainda que humilde experiência na tentativa de compreender afinal, o que é isso a que chamamos Filosofia.

Filosofia começa por ser completo despir de preconceitos. Se nos primórdios da filosofia alguns homens não mostrassem o desplante – porque não deixa de ser um acto de coragem, quanto mais não seja porque se arriscavam a ficar sem chão onde caminhar -, de questionar o estabelecido e de pôr em causa o que mais ninguém questionou, então concerteza que veríamos hoje o mundo como um palco imenso, onde se travariam as mais épicas batalhas entre deuses e deusas, e onde habitariam os mais diversos demónios.

Filosofia é saber desde logo que a Verdade Absoluta é inatingível objectivamente, apesar de a intuirmos de alguma forma porque ela ilumina todas as outras verdades, como sabemos que o sol ilumina todas as coisas, apesar de não podermos olhar para ele directamente. Um destes dias uma colega minha afirmava que, no seu entender, ordem significava uma sala arrumada, e o caos, uma sala em pantanas. A sua intervenção foi da maior importância, pois através dela pudémos vislumbrar o que significa filosofar. Respondi-lhe com muito gosto que respeitava a sua afirmação, mas que a sua ideia de ordem estava de acordo com a sua ideia de arrumação. Insisto na sua ideia, aquela que necessariamente inventamos para que o mundo se submeta à nossa visão, e dele possamos extrair alguma sensação de domínio e previsibilidade.

Filosofar é portanto ter noção da falibilidade do nosso conhecimento, assim como da necessária parcialidade do nosso entendimento, pelo simples facto de que não somos a única espécie com capacidade de, diria eu sentir ou sofrer o mundo.

Se falar é renunciar a dizer tudo e arriscar-se a ser mal interpretado, como tão bem nos lembra o nosso caro professor Graça, então conhecer pode ser também renunciar a conhecer tudo, e ter a noção de que se pode sempre estar enganado.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Filosofia Te Amo

Baseia-se a pesquisa filosófica num momento. Momento silencioso, espontâneo, de instintivo quebrar de convenções humanas. Corre o rio do devir humano, fútil e conformado das massas terrenas. Num só segundo uma pedra extraviada mergulha nas águas da correnteza, provinda de sabe-se lá de onde, sendo certo que perturbará este devir sem fim. Surge a questão iluminada, como um facho de luz a solta na escuridão e no vazio. Se a corrente revoltosa não impedir, a pedra lançada mergulhará inexoravelmente até ao fundo do leito, onde repousará eternamente. À superfície corre a água revoltada, inconsciente do seu caminho para o abismo, ou da sua inevitável dissolução na mar infinito e horizontal. Nas areias profundas onde jaz a pedra, reina a calma. Uma estabilidade eterna, preservada da transformação da aparência e do superficial. Habita aí a verdade do filósofo. Essa alma universal e incorruptível que ele pobremente sonha em alcançar, mas em virtude da sua humanidade só lhe é permitido intuir, que é no fundo sentir com a memória do espírito. Aquela memória que galga as muralhas do imanente, e desde os primórdios se alberga na substância, no Ser, no transcendente; numa só palavra, Deus.

Deus, Javé, Inominável. Fonte segura dos que humildemente compreendem a insignificância que os caracteriza. Ser eterno e universal, trans-religioso e inconceptualizável senão por si mesmo. Não o atingimos se não nos reduzirmos ao nada. Não o compreendemos senão fora de nós mesmos, transformando na nossa visão o relativo em objectivo, o separado em Uno, o alienado em integrado. Não entenderemos o temporal senão entendermos primeiro o eterno. O que acontece aos nossos olhos é apenas consequência e partido. Fenómeno isolado aos nossos olhos, imbuído porém de razões que nos ultrapassam.

sexta-feira, setembro 23, 2005

Desemprego

Fico contente que um determinado leitor atento desta minha humilde página pessoal, me tenha sugerido que me debruçasse sobre um assunto que, apesar de fazer parte do dia-a-dia deste país, não se desgasta nem perde actualidade. Pelo contrário, é cada vez mais actual. Talvez esteja na altura de entender o que é isso do desemprego, e a razão pela qual esta «condição» é cada vez mais uma moda, como ser-se solteiro, casado, ou até divorciado ( seria até interessante que figurasse no B.I. o estado de desempregado [DES]).

Façamos uma análise: estar desempregado significa não empregue. Aquilo que designamos por Estado (que não é mais do que a sociedade em si) advoga o direito de classificar um indivíduo consoante o facto de contribuir activamente, ou não contribuir de modo nenhum (pelo menos aparentemente) para a produtividade da comunidade social em que se insere. A filosofia é simples: a sociedade economicista determina que cada um «compre» a sua própria vida. Ou seja, para que o indivíduo possa viver em sociedade, e para que essa mesma sociedade lhe proporcione os meios essenciais à sobrevivência, ele terá que realizar uma espécie de contrato social. Não é exactamente a ideia de Rosseau que aqui está implícita, embora tenha sido ele a inventar esta expressão. Neste contrato, o indivíduo permite-se abdicar de uma total liberdade alheia às modas e às convenções sociais, em prol da satisfação das suas necessidades essenciais, sejam elas de carácter fisiológico, reconhecimento, ou integração. Pondo de parte a possibilidade de ser herdeiro de uma herança fantástica, ou de ser o feliz contemplado de um prémio monetário faraónico, o indivíduo só tem uma solução: encontrar rapidamente uma forma de contribuir produtivamente (entenda-se apenas de uma forma económica) para a sua comunidade social. É aí que vem o pior: o trabalho!

A palavra trabalho vem do latim trepalium, que significa alguma coisa que se é obrigado a fazer, embora não se goste particularmente. Nas primeiras comunidades humanas cada indivíduo tinha uma tarefa específica, essencial para a prosperidade do conjunto. Escusado será dizer que com o nascimento do trabalho, nasceu também o conceito de desemprego. Nas primeiras comunidades humanas, em que todos os dias a sobrevivência estava em causa, cada elemento do grupo tinha uma missão especifica que servia a comunidade. Não se podia falar em trabalho. Tinha apenas uma obrigação quase familiar, em que a missão que desempenhava se reflectia imediatamente no grupo, e consequentemente em si mesmo. O jogo era duro, e impunha-se eficácia. Como tal, o considerado inútil se não era julgado por o seu próprio grupo, era julgado pela natureza, cuja selecção era implacável. Hoje, o inútil é aquele que não contribui para o furor económico, consumista, lucrativo. É inútil o idoso, o artista, o «asceta». O estudante, essa nobre esperança no futuro, só é valorizado realmente se projectar a sua vida segundo padrões estabelecidos, tendo sempre em vista uma boa integração, sem problemas financeiros, na moda. Mas para quê? Pobre Einstein se assim tivesse pensado...

A verdade é que tenho um certo ódio por este tipo de visão social. Uma visão que condena muitos à mediocridade e ao desemprego. A verdade é que a sociedade democrática capitalista e liberal jamais atingirá o ideal do pleno emprego, porque nela sempre subsistirão os gérmens da desigualdade e da injustiça. Nela sempre existirá exploração, e nela sempre haverão vozes oprimidas e desorientadas. Nela sempre vencerão as elites endinheiradas, detentoras dos meios de produção, bem como as suas hipocrisias. Por isso (e o nosso século é exemplo disso) é que cada vez é maior o fosso entre ricos e pobres, o desemprego, e o vazio moral em que estamos mergulhados. Cai a moralidade e com ela a cultura. No fim, é a liberdade que sofre.

Estar desempregado é terrível, mas trabalhar sem humanidade também o é. Talvez no dia em que o trabalho desaparecer desapareça também o desemprego. Ou talvez no dia em que se valorizar verdadeiramente o indivíduo em todas as suas potencialidades, lhe seja permitido ser quem é, e contribuir para a sociedade como sabe, como pode, e com vocação.

O que digo é todo o ser humano tem emprego. Só deixa de ter emprego numa sociedade que se baseia no consumismo, na competitividade pelo lucro, e pela economia. Neste caso o indivíduo tem que se adaptar para que este monstro das estepes não o engula vivo, e não o atire contra a parede para ser o alvo da chacota de todos. A verdade é que a nossa sociedade inventou necessidades a mais. Inventou também uma boa forma de as fazer indispensáveis aos olhos do consumidor (sem deixar de explorar a sua ignorância e vazio espiritual), levando-o a consumir! É isto que faz com que as pessoas se percam com produtos estrangeiros (tantas vezes produzidos em países que exploram crianças e as obrigam a trabalhar dezasseis horas por dia), em detrimento daquilo que é nacional, e tantas vezes de melhor qualidade. É isto que faz com que o consumidor diligente não se contente com o que tem no seu país a nível de turismo, da sua história e tradição, e se perca na moda de viajar para os «locais do momento», mesmo quando só haja praia, sol, e vazio. Sofre o consumo interno, sofre a produção nacional, aumenta o desemprego. Por outro lado aumentam as importações, diminuem as exportações. Não duvido que mais tarde ou mais cedo Portugal se torne um país de consumidores, vazio, à mercê das culturas de facilidade e de ocasião. Nessa altura, enquanto os ricos forem ricos manterão o seu ar de burgueses satisfeitos. Os pobres viverão à cata das migalhas que possam inadvertidamente ser deixadas cair pelos abastados consumidores.

Talvez esteja na altura de deixar de olhar o desemprego apenas como um resultado da crise económica. É sobretudo uma crise de valores, de ideias, de criatividade. Está na altura de deixar de querer seguir sempre apressadamente os exemplos do estrangeiro, só porque é estrangeiro. Portugal é Portugal, não é a Alemanha nem a França. Temos tradição, temos cultura, temos mentes capazes, e que só são verdadeiramente valorizadas lá fora. E se for preciso ser patriota, ser-se-á.

terça-feira, setembro 06, 2005

Pés-de-barro

Estaremos condenados eternamente à mesquinhice e à corrupção humanas?
Para onde quer que olhemos há ódios, fúrias, corrupção. Em actos ou em palavras, o homem novo (por muitos considerado o último homem; o homem do pós-modernismo) submete progressivamente a sua mundivisão a um jogo simples, de troca por troca, interesse e regozijo (fruto mesquinho da concretização dos mais fúteis objectivos e vivências). As grandes sociedades fizeram deste jogo o objectivo primeiro da alma humana, o cerne da existência pessoal, e a sua razão de ser. Cada vez mais o hábito justifica o status, e a rotina enterra as grandes questões. A máquina viceja perfeita, acomodada, enquanto o barulho, o fácil e o vazio justificam o seu funcionamento. Porque na verdade, este homem novo e sem polpa (referência ao homem light de E. Rojas) caminha sem saber porquê, olha sem ver, sente um vazio que não sabe explicar, e não vê outra solução senão preenchê-lo com a felicidade fácil, enlatada, e com livro de instruções, disponibilizada pela própria sociedade em que vive.

Eis porque duvido sempre da modernidade: ser moderno é sobretudo estar na moda, e todas as modas são efémeras. Como tal, em todas as épocas da história se foi moderno, e em todas existiram modernidades. Mas o homem novo... Esse dá a modernidade como garantida. Para ele, o fim da história está aí, ao virar da esquina. Tudo o resto é tema para loucos. Também os romanos na antiguidade clássica vaguearam felizes nas ruas, dando graças ao seu tempo, à modernidade! Então quando menos esperaram vieram os «bárbaros», e despedaçaram-lhes o seu adorado ídolo de pés-de-barro...

Por todo o lado há ídolos de pés-de-barro. Todo o homem com sentido de eternidade terá sempre este aviso na boca: «afastem-se um pouco dos vossos ídolos para que os possam ver melhor na globalidade; vejam o ouro das cabeças, como brilha mais que tudo o resto; mas se o ouro é eterno, o barro não o é, e esse é que mantem a cabeça erguida...»

O mundo hoje é um grande jogo de necessidades. Joga-se com o que é necessário para que se possa lucrar com os outros; se as necessidades não chegam há que inventar outras, convencendo os homens de que não são nada sem elas. Por um lado há um jogo cumulativo de inovação tecnológica e científica que é inegável. Por outro, acaba-se por dar um valor à materialidade completamente imerecido, deturpando a natureza humana, os valores, e o homem na sua essência.

Pergunte-se hoje a um homem sobre qual será o verdadeiro objectivo da sociedade em si mesma. O que responderá? Provavelmente dar-se-á conta de que nunca pensou em profundidade no assunto, e depois esboçará respostas hesitantes do estilo «a felicidade» ou «a prosperidade». Depois calar-se-á e retomará o seu caminho sem voltar a pensar muito no assunto.

É portanto nesta ideia de felicidade – mal compreendida e usada em exagero – que se alicerça toda a organização social, e para onde convergem todos os seus esforços. Felicidade essa escondida na fachada publicitária, incutindo no indivíduo a ideia de que só será feliz seguindo determinados requisitos, modelos, arquétipos. É o aproveitamento do homem pelo homem, na busca de necessidades ilusórias através das quais atrairá o seu próximo, que por sua vez busca uma forma fácil de preencher o seu vazio moral e intelectual. Com isto sofre a arte, subjugada pelos interesses fáceis e efémeros das massas, sempre na demanda do seu (s) ópio (s). Nisto perde o homem, que ao ser privado da sua essência não têm força, deixando-se levar pelo turbilhão da imagem, da publicidade, do vazio. Nisto perde também o Estado, cuja missão mais imediata passa a ser a de manter entretido o povo, iludindo-o, dando sempre a tónica ao económico, ao crescimento. Nos bastidores desta tragédia definha a educação, a cultura mendiga, e o homem esvazia-se.

Pois desengane-se quem vê neste homem novo o último homem. Historiadores vindouros rir-se-ão das suas pretensões de modernidade e civilização. Dirão: «Apesar de toda a tecnologia que o homem pós-moderno suportava, a sua incapacidade para na mesma medida se desenvolver moralmente e espiritualmente, foi a primeira razão pela qual ficou muito longe daquilo a que hoje podemos chamar de civilização ecuménica e universal. Ficou provado que não há pleno desenvolvimento se, ao furor tecnológico e cientifico não estiver associada uma forte vertente filosófica, litúrgica e cultural, muito mais importante, e que deve ser cultivada antes de tudo o resto.»

quarta-feira, agosto 31, 2005

Síntese Perfeita

A genialidade está na síntese perfeita. Toda a mente que logra juntar aquilo que parece inexoravelmente separado, é verdadeiramente sublime.

No mundo em que vivemos, e desde sempre, sobejam as ideologias, as crenças, as verdades, os dogmas. Para evoluir teve o homem que subir os degraus da seu próprio engenho, fantasia, e razão. Foram religiões, filosofias, teorias cientificas; paradigmas por vezes tão efémeros como o mundo, mas sempre herdeiros de uma qualquer verdade tácita, essencial, que nunca morre, e ao longo dos tempos foi cimentando tudo aquilo a podemos chamar cultura humana.

A cultura humana é uma cultura de culturas. Todas estas são expressões de contextos históricos longos, que derivam por vezes das primeiros fenómenos de sedentarização humana, e como tal, de civilização.

Mas para os tempos que vivemos, em que urge criar uma consciência universal, que tudo compreenda, tudo ame, e tudo consiga, o extremismo e isolamento serão a melhor aposta?

Para melhor eliminarmos a ideia primitiva do extremismo, temos que avaliar as suas raízes humanas e biológicas. Nos primórdios da história humana era-se extremista por sobrevivência. Era-se radical porque ser-se o oposto significava morte e extinção. As primeiras comunidades humanas dividiam-se em tribos guerreiras, sempre dispostas à guerra e ao conflito pela soberania. Mesmo posteriormente, na idade média, nas cruzadas, em que as religiões eram tomadas cada uma como a verdade absoluta à qual todas as outras se deviam sujeitar. E no campo das ideias, das ciências e do pensamento, quantas vezes urgia defender uma tese para que não caísse nos esquecimento, e não se vergasse à ignorância e à incompreensão.

Este ponto é essencial: o extremismo como forma de sobrevivência.

Portanto, se o objectivo é criar uma civilização aberta, cultural, e global, não me parece que o extremismo seja a chave, pois enquanto cada um considerar a sua verdade como a única verdadeira e absoluta, nunca haverá espaço para uma compreensão maior e universal da realidade em que vivemos, e na qual somos meros actores. Nada existe per se; nada é independente de nada. Tudo o que existe não é mais do que uma rede gigantesca que tudo liga e tudo atravessa. Só aos nossos olhos existe diferença e separação. Como tal, devemos entender as verdades individuais como expressões legítimas mas incompletas da realidade e do mundo. Mundívidências, se assim pudemos dizer. O objectivo de toda a ciência, religião e filosofia é um só, e se aspiramos a uma teoria universal não podemos negar nenhum deles.

Considerar a verdade como uma parte do todo é desde logo anulá-la. Por isso os dogmas são perigosos. A Verdade é a essência de tudo o que há de comum entre todas as coisas. O Extremismo é uma característica perfeitamente anacrónica, a não ser que implique casos extremos de sobrevivência, como existiu no passado.

No mundo de hoje também está em causa a sobrevivência humana, mas essa não aspira a ideias fechadas e dogmáticas. Aspira sim a um entender superior da essência das ideias e do mundo.

É absurdo que cada um considere a sua religião a melhor do mundo, quando cada religião é em si mesma um convite à universalidade. Só uma mentalidade mesquinha transforma uma religião, em si mesma tendente à universalidade e ao espírito, num conjunto de rituais humanos e incompletos, e como se não bastasse considera este conjunto de rituais melhor que o do seu próximo. Repito: à que atender à essencialidade, e neste caso ela é Espírito.

Na mesma linha, um ideólogo não pode considerar o seu sistema político o melhor do mundo se este der espaço apenas para a Liberdade, e nenhum para a Igualdade, ou todo à Igualdade e nenhum à Liberdade. Do mesmo modo um cientista ou um filósofo devem ter a preocupação de dar às suas teoria o mais possível de universalidade e transversalidade possível, e não ter medo de recorrer à religião ou a qualquer outra metafísica.

A ciência, a religião, a arte ou qualquer outra metafísica são incompletas quando exploradas de forma individual. Tornam-se cegas, extremistas e acabam por ver heresia em toda a ideia que não tiver surgido no seu próprio caminho.

Ciência sem Deus é descalabro; Deus sem ciência é pão para as massas, sem sal nem miolo; Ciência e Deus sem Filosofia, são dogmas no mármore frio; Filosofia por si mesma acaba em cepticismo absoluto, e num eterno patinar na lama.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Reflexão sobre o liberalismo e a sociedade ocidental

A sociedade em que vivemos, dita ocidental, é fruto essencialmente da Revolução Francesa,da emancipação da burguesia, e sua ascensão a classe dirigente.
Podemos afirmar que, na fachada dos direitos do homem e do cidadão, culminar do pensamento dos filósofos liberais - Diderot, Voltaire, Rosseau, Condorcet - a verdadeira revolução significou menos uma afirmação dos valores humanos e universais do que uma ascensão - há muito reívindicada - da burguesia. Quero com isto dizer que a afirmação desta classe implicou mudanças claras a nível político e social, na sociedade europeía dos séculos XVIII, XIX, e até XX.
Mais tarde, já durante a Primeira Revolução Industrial, o poder firmou-se na mãos de quem possuía os meios de produção. Capitalistas endinheirados cujo objectivo primordial era o lucro.
Progressivamente, a nobreza de sangue ou de linhagem começou a perder prestígio dando lugar à burguesia rica que, ao controlar os meios de produção, rapidamente se imiscuiu nos poderes estabelecidos e a assumiu valores aristocráticos. Não raramente se compravam titulos.
Neste contexto, a aristocracia de linhagem foi arrastando na sua queda a Igreja, e os seus privilégios.
Em França, a 4 de Agosto de 1789, os privilégios do Clero e da nobreza são abolidos, arrastando consigo a Monarquia do Ancient Regime. Em Inglaterra a Monarquia mantêm-se, apesar das reformas liberais que lhe dão um cunho parlamentar. Em Portugal, aquando da Constituição Liberal de 1822, dá-se a perda de privilégios da aristocracia de linhagem, apesar de só no século XX a Igreja ter perdido de facto a sua influência, com Afonso Costa e as Leis de Separação da Igreja do Estado.
Para o que pretendo neste pequeno ópusculo, é importante reiterar a afirmação de que as revoluções liberais foram o culminar da afirmação da burguesia como classe dominante. A própria Revolução Francesa baseou-se nos ideais iluministas do direito natural à propriedade privada.
Como sucede quando a liberdade é tomada como um meio de domínio, e não como um fim em sim mesma a respeitar per se, a burguesia industrial que foi surgindo impôs a sua vontade capitalista de domínio. Permitiu a exploração sobre uma classe que ia também surgindo, fruto do êxodo rural. Camponeses que procuravam na cidade opurtunidades que o campo não lhes proporcionava.
O proletariado possuía como única mais-valia a sua força de trabalho. Visto que no séc. XVIII não existiam apoios sociais nem sindicatos organizados, os operários estavam sujeitos aos caprichos dos seus propriétarios, ou exploradores, que os viam únicamente como meios de obtenção de lucro a curto prazo. Crianças, velhos, mulheres, todos tinham que trabalhar de sol a sol, sem fins-de-semana, férias, nem feriados. Nas periferias das grandes cidades cresciam os subúrbios. Bairros miseráveis e sujos, onde a promiscuidade vicejava. Os poucos tempos livres eram passados em tabernas, onde a desumanidade e a alienação se vingavam no alcoól.
Visto isto, estariam assim malogradas as aparentes conquistas liberais da Revolução Francesa, e desvelada a fachada das revoluções liberais.

Portugal

Os nossos tempos são tempos de materialismo.
Duzentos anos passados da Revolução Francesa e os direitos humanos continuam a ser violados de forma macabra. O que dela sobreviveu? Ideias, nada mais que isso. Se na teoria há liberdade, se na teoria se afirmam valores, na prática o liberalismo venceu, embora que apenas no âmbito material. Compreendo as objecções mais imediatas: aboliu-se a escravatura, a democracia está mais viva que nunca, etc. pergunto-me se não continuam a haver escravos. E não falo só nos países ditos de terceiro mundo. Falo também nos países ditos desenvolvidos. Ainda há crianças que não vão à escola para ficarem a trabalhar; ainda há mulheres que são escravizadas nas suas próprias casas, sofrendo caladas e resignadas, vítimas dos maridos - estes por sua vez vítimas da alienação no trabalho -.
Em quantas fábricas e empresas não continua a haver exploração, não abrangidas pelos sindicatos, vítimas da íliteracia e da ignorância? A democracia venceu? O povo é realmente soberano, e se o é é-o com consciência? Conhecemos bem a política dos partidos que têm o dever de representar o povo, mas que frequentemente se representam a si mesmos e aos lobbys económicos que os suportam.
Estará a educação e o sistema de ensinorealmente adaptado à formação integral do cidadão consciente e responsável? Ou pelo contrário não será o sistema uma elaborada linha de montagem disposta de forma a especializar ou «domesticar» o cidadão, para as tarefas produtivas que a sociedade economicista lhe impõe?
Estou a fazer um esforço para não me referir a países como a Dinamarca, a Holanda, ou até a França, visto que estes países são modelos em muitas questões, até pelo facto de terem encontrado um interessante equilíbrio entre o económico e o cultural. À formação profissional especializada, está necessáriamente relacionada uma formação humana, artistica e filosófica, não só fomentada pelo sistema de ensino mas também pelos governos e pela sociedade em geral, que lhe atribui o devido valor. O mesmo já não se pode dizer de Portugal, onde a cultura se não vende, não vale a pena. O que interessa é muito futebol, muita literatura ausonia, e muito lixo televisivo.
Dese a época dos descobrimentos que Portugal não toma a dianteira em nada. Todo o aparente progresso que se foi gerando desde então é puro efeito de arrastamento. As ideias, a indústria, os transportes. Em tudo Portugal se esforça por percorrer os caminhos já percorridos pelos outros. Isto é perigoso por duas razões: primeiro porque nos leva a uma progressiva perda de identidade, fazendo acreditar que tudo o que é português é atrazado; em segundo lugar, a pressa de nos igualarmos a países que consideramos desenvolvidos levou e leva a que atabalhoemos projectos ditos catalizadores de desenvolvimento, de uma forma pouco estrutural e irresponsável. Acontece agora com o TGV e a OTA como aconteceu no passado com os caminhos-de-ferro, com Fontes Pereira de Melo.

quarta-feira, julho 27, 2005

Casos paradigmáticos

Hoje, enquanto lia o meu jornal calmamente e confortavelmente sentado, vasculhando as noticias e os diversos artigos de opinião, estaquei subitamente num pequeno e tímido artigo escrito por uma leitora indignada, que me chamou a atenção. Embora pequeno em tamanho, o artigo era enorme em conteúdo. Possuía uma mensagem que ultrapassava em larga escala o imediato daquilo que se consegue apreender no momento. Nele se sintetizava a indignação generalizada que cada vez mais se faz sentir no grosso da opinião pública em Portugal, e não sem razão em muitos aspectos.
Explicava a dita senhora, e muito bem, que ao chegar à farmácia para comprar um substituto lácteo para a sua criança, foi informada de que o governo retirou a comparticipação para este produto: pausa para reflexão. Que o governo pretendia retirar a comparticipação para grande parte dos medicamentos já todos tínhamos conhecimento, mas quando somos confrontados com histórias deste calibre, concretas e objectivas, o impacto é muito maior, e apesar de não serem connosco continuamos a senti-las como fortes chapadas na cara, das quais não conseguimos esquivar-nos. Adiante!
Sei que corro o risco de cair em lugares-comuns, mas não posso de modo algum deixar de expressar o meu total descrédito em medidas como estas. A minha questão põem-se mais ou menos nestes termos: em nome de quê? Em nome do financiamento do afamado aeroporto da Ota, cujo único objectivo é satisfazer os caprichos de determinados grupos económicos tais como a TAP? Em nome do financiamento do TGV, que não passa de uma infra-estrutura absurda para servir a fachada do desenvolvimento, para apressadamente nos equipararmos à França ou à Alemanha?
São estas as tão apregoadas «medidas estruturais»? É estrutural retirar comparticipações essenciais ao progresso humano e sustentável? São as crianças que terão de beber menos leite para que alguns grupos económicos (a maior parte afectos aos partidos no poder) satisfaçam os seus caprichos? Peço desculpa pela minha ignorância, mas na minha humildade parece-me necessário pedir à classe política para avaliar radicalmente (e quando digo radicalmente é até aos fundamentos) o seu conceito de desenvolvimento, tão utilizado e tão mal compreendido.
Desenvolvimento não é de todo sinónimo de emburguesamento! Desenvolvimento não consiste em atabalhoar projectos aparentemente «modernos e futuristas», sem uma base sólida de educação, cidadania, e sobretudo meus amigos, de cultura e responsabilidade! Mas na política, e parafraseando um pouco Napoleão que dizia ser o poder baseado na aparência, o que interessa não é o desenvolvimento alicerçado em cultura, verdade e humanidade. Interessa pois, a aparência do desenvolvimento...
Na verdade, o poder não é exercido pelo povo «de forma soberana», como afirmam os hipócritas e os ignorantes, que ainda acreditam que votar de quatro em quatro anos lhes dá um poder extraordinário... O poder está nas mãos dos grupos económicos e nos burgueses ricos e poderosos que, escondidos na sombra dos partidos e seus dirigentes, sussurram aos ouvidos destes manipulando-os de encontro a interesses próprios. Neste contexto, cai por terra a ideia de representatividade e, por consequência, a democracia fica bastante fragilizada.
Voltando à vaca fria: este governo (assim como os últimos, exceptuando talvez o de Cavaco Silva) perdeu crédito, e arrastou com a sua desgraça as próprias estruturas do poder político e até constitucional. Está visto que na situação actual precisamos de um governo mais forte, unificado, e pouco ou nada de retórica. Reduzir a máquina do estado não começa nem acaba no despedimento do simples funcionário público, nem com ataques cerrados àqueles que representam tudo o que é fundamental no progresso social, como sejam os polícias, os professores, e os profissionais de saúde. A própria estrutura democrática deve alterar-se: presidencialismo, com a abolição do chefe de estado como simples instrumento representativo de poderes quase nulos. O mesmo deve assumir a presidência do executivo de acordo com o modelo francês.
A democracia está em crise, e em grande parte por causa dela mesma e daquilo que provocou. Antes de crescer economicamente senhores políticos, mais do que atabalhoadamente correr atrás de daquilo que os outros países já fizeram a nível material (e insisto no material), ou mesmo atrás daquilo que já liberalizaram como drogas, aborto, ou casamento entre homossexuais, urge educar! Portugal é Portugal, não é a França nem a Alemanha ( e ainda bem)! Além de termos uma identidade própria que urge salvar, temos, e isto é o mais importante, um povo que tem de se educar. E educar não é especializar senhores capitalistas, que querem agora submeter o ensino às leis do mercado!
Educar consiste em abrir o homem às problemáticas mais universais, à arte e à sensibilidade. A verdadeira liberdade da verdadeira democracia, é por contingência a verdadeira responsabilidade. Depois há a história dos referendos que eu acho digna de comédia. Todos vão sempre em favor das liberalizações, porque na verdade é o que todos desejam: toda a liberdade e nenhuma responsabilidade.
Para terminar: construir o edifício da Liberdade sobre alicerces de incultura, iliteracía e ignorância, é desde logo condená-lo à ruína. Temos de ter atenção para onde estamos a caminhar.

sábado, julho 23, 2005

A saída do governo do ministro das finanças, Dr. Campos e Cunha, vem confirmar o dito segundo o qual, na política, os honestos e verdadeiros não têm lugar. E se alguns dizem que o sr. ministro era um técnico sem experiência política, não vejo no que isso o tornaria mais ou menos competente. Talvez não fosse nem hipócrita nem demagogo, que é um pouco aquilo que entendo por «experiência política», mas em frente...
De facto se exístia alguém que se opunha à demagogia e megalómania do governo, era o próprio Luis Campos e Cunha que, ao ser responsável pela gestão das contas públicas cumpriu (ou tentou cumprir) o legítimissimo dever de alertar para o perigo de se praticarem investimentos para os quais o país real (e insísto nesta expressão) não tem recursos satisfatórios. Lógicamente que nos tempos que correm, políticas de verdade e coerência não vendem, nem satisfazem a sede de facilidade e abundância presente na opinião pública portuguesa. Ficou claro para todos que a saída de Campos e Cunha não foi de todo voluntária. No máximo terá sido gentilmente e hábilmente convidado a sair, de certo com boas palavras e correcção, numa atitude de «compreendo a tua preocupação, mas és demasiado verdadeiro para ficares entre nós». Melhor seria para o país que o sr. primeiro-ministro explicasse as razões porque o fez (apesar de estarmos cansados de saber porquê). Fica bem, tem certo charme, e ao menos não nos faz passar por ídiotas...
Muito sinceramente, para mim - assim como para todos os cidadãos esclarecidos e conscientes - tudo isto leva-me questionar a credibilidade deste governo, e as políticas que com ele virão...
No tempo de Salazar todos os ministérios tinham que passar pelo crivo do Ministério das Finanças, isto se se queria sair da crise. No nosso tempo, é o o Ministério das Finanças que tem se submeter aos outros, de preferência sem grande alarido. Contenção? Consolidação? Palavras cheias de entoação, de retórica! Quem ousa reclamar perante tais expressões?

domingo, julho 17, 2005

Ser santo é,
No pulso forte da verdade,
Concentrar toda a bondade,
Dos que amam plenamente!

É ser todo em cada coisa,
Diluindo no Eterno,
Todo o tempo e toda a carne,
E ser espírito somente.

Desce o santo à imperfeita terra
da iniquidade.
Abdica o espírito do céu
- do perfeito Nirvana que é seu –
por amor à Humanidade!
Quando se atinge a calma
Suprema
Ou se está
Morto
Ou se atingiu o
Nirvana.

Ambas são formas de
Dissolução
Dissolve-se o Ser no
Não-Ser
A identidade do Nada no
Nada da Identidade
E perde-se a consciência grosseira na
Consciência Subtil do
Absoluto.

Consciencializa-se a consciência da sua
Mesquinhez...
Consciencializa-se a complexidade da
Simplicidade...
O Separado do
Uno...
E o subjectivo mergulha na
Objectividade...

Morte
ou
Nirvana
As duas faces da mesma
Moeda
As duas margens do mesmo
Rio
.

sábado, junho 25, 2005

Li e sei...

Li que há subtís actos de amor que destroem templos...
Li que o orgulho nada pode contra a bondade...
Sei que há quem tenha tudo,
e na verdade não tenha nada...

Sei que que há quem chore à noite na almofada,
porque o véu da aparência não permite que o faça de dia...
Sei que em cada um de nós há uma eterna angústia,
que se revela no silêncio e no escuro da noite...
Em cada um de nós há coisas por fazer:
Há lutos por viver; coisas por sentir;
Tristezas por chorar...

E quando estamos sós no silêncio da noite,
esse fardo do não-vivido pesa-nos nos ombros,
e choramos...

Oh adultos decadentes que nos tornámos!
Cascos envelhecidos adiando sempre a liberdade...
Somos crianças...
Crescemos, ficamos altos,
curvamos eternamente a cabeça sob o peso esmagador das responsabilidades, mas o olhar
é sempre o mesmo...

O que muda é a forma de rir
e de chorar!

Ao medo infantil opômos o véu da confiança;
Às lágrimas fáceis opômos sorrisos resignados e complacentes...
Mas no fundo todos queremos acreditar em contos-de-fadas...
Todos queremos acreditar que os conflitos terão um fim, e de mãos dadas
atravessaremos o bucólico jardim - o éden perdido da nossa infância-!

(E porque não o deserto?)

Porque na verdade todos queremos ser olhados nos olhos como iguais,
e que nos apertem a mão com calor e limpidez de espírito...
No fundo todos desejamos um mão forte que nos apoie,
quando mais incautos tropeçamos nos obstáculos do caminho nem sempre fácil,
sem sempre belo,
nem sempre à luz do dia,
muitas vezes à chuva...

E tudo isto é possivel

Nada se vende;
Nada se compra;
Tudo se dá,
como a criança ingénua que oferece de boa-vontade o rebuçado peludo e peganhento que encontrou no bolso das calças...

Deixemos cair o véu...
O rei há muito que vai nu!
Volta criança suprema,
Imperador do Mundo!

segunda-feira, junho 20, 2005

Passam as horas

Passam as horas na minha realidade... Na minha sim, pois o tempo assim como tudo o que é humano, é subjectivo.
Onde vou; de onde vim; para onde vou - questões pertinentes e sensatas! Quem sou eu? - Eis a questão que tudo engloba! Não é isto que procuramos desvendar com a nossa filosofia, a nossa ciência, o nosso cogitar? Dizia A. da Silva «Ciência, Arte, Filosofia. Tudo ilusórias formas de agitar-se.»! Andam todas as formas buscando a intuíção original que lhes deu origem. O amor... esse liga-nos à terra e ao existir material; o resto busca a essência, o élan vital de todas as coisas. Dizem esses que se auto-intitulam «existêncialistas ateus» atrás da justificação da sua existência perante o absurdo. Talvez devessem compreender que o absurdo está única e exclusivamente nas suas cabeças, de onde vem também toda a noção de separado, de vário e de aparência. Compreende primeiro o Eterno para depois entenderes o temporal - eis o segredo. Só depois de entenderes a Grande Máquina e a sua razão de existir compreenderás a função da peça, e o seu enquadramento. Digo-te para que melhor entendas: conhece-te a ti mesmo para que, quando quando tiveres conhecido todo o Universo tenhas conhecido a totalidade. Sei que há algo parecido no evangelho de S.Tomé. Vale a pena ler as citações lá escritas, que são os preceitos do verdadeiro cristianismo...ou catolicismo no sentido grego da palavra.
A ideologia universal renega o ídolo; a ele não se presta adoração senão à universalidade que lhe está inerente. O credo que une todos os credos é a síntese suprema ligada pelo espírito, e não pelo mero ritual, que não é mais que vaidade e síntoma da vontade de domínio.

sábado, junho 18, 2005

Um dia destes EMIGRO!

Viva as classes dirigentes que são o orgulho nacional!
Viva os senhores doutores, seus belos audis e os sapatinhos de berloque!
Que belo quadro que é ver o doutor de férias nas Seicheles, e a velhinha viúva e carcomida às contas com o dinheiro da reforma para comprar medicamentos
- sem esquecer que se diminuiu nas comparticipações -!
Aí a moral...
A honestidade, a verdade,...aí como é bonito ver a senhora pita de tal
a dizer que tem peninha dos velhinhos e das criancinhas em África,
e a seguir mostra a sua nova colecção de sapatos gucci,
enquanto nos fala de como ficou irritada porque não foi fotografada na festa da outra pita de tal... aí que bonito!
Os senhores doutores juízes, sempre tão bem postos nos seus belos nomes,
tão honrosos e pomposos,
quais bravos cavaleiros defensores da justiça...
Como vão poder eles defender e cumprir a justiça com férias de um mês?
E os senhores deputados, sempre tão convictos na defesa daqueles que representam,
que até adormecem em pleno plenário...tão cansadinhos!
Como vão poder representar-nos sem reformas vitalicias?
Afinal eles têm um estatuto a manter...
Como vão manter os seus bmw´s? Como vão manter a casa em Vale dos Lobos?
É uma injustiça!
E os senhores professores...
Sempre tão preocupados com os seus alunos,
capazes de passarem noites em branco a pensar nos seus discípulos...
Como sobreviverão sem promoções?
Como sobreviverão sem lhes ser aumentado o ordenado de 250 para 300 contos?
É muito dificil!
E de facto os alunos é que têm culpa...
Têm que ter muita peninha dos senhores professores,
se for preciso sacrificarem os exames e as entradas na faculdade...
Afinal para o ano há mais exames, e o estado tem dinheiro que chegue para pagar isso tudo!
Enquanto isso cortem-se às reformas dos que não conseguem que o dinheiro chegue ao fim do mês,
corte-se no financiamento ao ensino público e à cultura,
façam-se galas, festas e jantares, onde a nata burguesa e podre da sociedade se possa exibir,
e falar muito mal do governo entre copos de martini e elogios às toilletes!
Sobretudo façam-se muitas greves,
pois são elas que produzem e fazem jus à democracia
-é preciso fazer valer as conquistas de Abril-!

Merda de país! Merda de gente!

Um dia destes emigro!

quarta-feira, junho 15, 2005

escrito num guardanapo, à mesa de um café ordinário... para ti.

Anjo negro...
No escuro profundo de teus olhos
Busco-me a mim,
Como outrora outros buscaram no mar profundo
Mundos sem fim,
Onde pudessem na terra virgem
Desvelar
A pureza original,
E a liberdade.

Deixaste o céu.
Na terra encontraste o teu mundo
- ou criaste-o -
E eu que sou terreno e mortal
Estou á distância,
Procurando a tua verdade
Através de palavras fúteis e convenientes...

Mas continuas velada...
Penso em segurar a tua mão
Mas não me atrevo...
Sou impuro.
E tu, velada de negro
És feita de pureza
E de inocência!

Guardo a tua imagem no meu templo sagrado
Como um vitral...
- não te toco -
contemplo-te recolhido
e em silêncio,
nesse teu mundo de cristal.

terça-feira, junho 14, 2005

Apelo à Metanóia ( para os jovens, politicos, e enfim...para todos)

Acredito, acreditarei, e espero que todos venham a acreditar, que a verdadeira revolução e aquela que será realmente duradoura, não advém das instituições (ou virá mas apenas como meio), mas advirá das mentalidades!
Falo-vos da Metanóia.
As instituições podem modificar-se eternamente, seja por meios revolucionários ou revisionistas. No entanto, se as mentalidades e os espíritos não estiverem cheios e não sofrerem eles mesmos uma iluminação e uma tomada de consciência, os problemas de hoje serão os problemas de amanhã e de sempre, seja qual for o regime político e económico.
É pelo espírito que se pode mudar o mundo.
Independentemente do regime sob o qual estejamos sujeitos (socialista, capitalista, comunista, liberal ou totalitário), se num rompante de inspiração transformar-mos a nossa visão e as nossas crenças sobre mundo, então a sociedade – indivíduo a indivíduo – será forçada a mudar!
É necessário tomar consciência como que metafisicamente de uma nova mundivisão. Uma visão tão ampla que contenha todos os credos, ideologias, partidos, tornando-se assim universal. Não queremos maniqueísmos. A genialidade não está na especialidade, nem no partido, nem na ideologia; está pois na síntese de tudo!
Deixem-me que vos diga: chamem-me o que quiserem – budista, hindu, místico -. Sou tudo isso e mais ainda... sou Universal!
Quando se aceita uma tese ou ideia, há dois caminhos a seguir: o da extremização (mau por considerar a Verdade como uma parte desligada do Todo); o da ampliação (bom por abrir a ideia a melhoramentos, fusões, integração em paradigmas maiores). Prefiro este, pois considera a Verdade universal, e por isso transversal. Eis o espírito da Metanóia!
Temos também, como que numa experiência mística, de tomar consciência da nossa natureza mais essencial: somos animais reflexivos e pertencemos a um Universo muito maior que nós, em que o mistério e a beleza são muito superiores a todas as convenções humanas. Fazemos parte de um singular planeta, num singular sistema solar, numa singular galáxia em que existem cerca de 100 biliões de estrelas, por sua vez potenciais sistemas solares. Se juntarmos a isto a existência de cerca de 100 biliões de galáxias conhecidas, então como dizia o outro, é só fazermos as contas da nossa insignificância.
Para isto bem me ajudaram leituras daquele que eu considero o maior dos filósofos portugueses, e quem sabe até do mundo: Agostinho da Silva. Também Carl Sagan com o seu «Cosmos» e «Sombras de antepassados esquecidos», me ajudou a ter uma visão mais ampla da condição humana, e de que afinal não somos tão únicos nem superiores como pensávamos.
Ter é tardar – dizia Pessoa. É urgente outra tomada de consciência, urgente numa sociedade como a ocidental em que o objectivo da existência é o sustento pelo sustento pelo consumo. A única riqueza que vale a pena fomentar está dentro de nós; a cultura, o amor, a universalidade de pensamento, a contemplação de toda a beleza e arte. Hoje quer-se tudo de material e o suficiente ou politicamente correcto do espiritual. Trago-vos outra proposta: o suficiente do material e o tudo do espiritual! Os bens preocupam-nos, tornam-nos egoístas, gananciosos, estúpidos.
Perguntam-me: o que é uma sociedade desenvolvida? Respondo: é a sociedade em que a cultura está em primeiro e a economia depois; em que se valoriza os valores espirituais, artísticos e de contemplação, em detrimento dos materiais.
Deixo-vos alguma poesia do meu novo livro que vai a concurso em julho, para o prémio Manuel Maria Barbosa du Bocage.



Um tempo chegará,
Em que o homem superior,
Ciente do seu ser
E da sua natureza,
Usará do pleno amor,
E entenderá toda a beleza.

Um tempo chegará,
Em que o olhar será reflexo,
Da plena eternidade,
A que o espírito é afecto.

Toda a corrente e moral,
Serão apenas história
De um tempo imaturo,
Em que o homem inseguro,
Feliz se acorrentava
A normas temporais.

Um homem se erguerá,
Alto e pleno
De busto erguido,
Firme na Verdade
Da qual será o eleito,
Para férreo e destemido,
Semear em cada peito
Essa nova Liberdade.

É uma nova e mais completa
Metanóia que se espera.
Um novo ressurgir,
Nascido das profundezas
Do humano inteligir,
Sem partido ou preconceito,
Onde a Verdade não é única,
Nem um nada alienado de nada.



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Ó Alma Interna!...
Acorda em mim a fome do Impossível!
Quero ser todo fome e sede e necessidade de Ideal...

Quero correr para alcançar
A Visão pr´além mar,
Onde o real e a Utopia
Se fundem num só sonhar!

Quero esfacelar o tempo
Buscando eternidade,
Como quem no fundamento
Semeou a Liberdade!

Ser todo de todas as eras,
Alcançando na minha visão,
Toda a Universal história,
Dos fins à Criação!




-


Viajo no tempo
A História emerge ao meu olhar metafísico
Deslumbrado estou com a visão
Das eras idas...

O meu tempo mergulha-me num pessimismo
Deprime meu ser nos fundamentos
- tem de ser assim -
Está escrito na causalidade que me é inerente
Desiludir-me constantemente com o que me cerca
E me é contemporâneo...

É o que me projecta na Eternidade!
Como um romântico busco no passado
E em eras idas
A segurança e o conforto merecido...

E os mestres do passado brilham áureos
- pacientes -
entre a poeira levantada dos que correm
cegos e ignorantes
atrás das suas próprias ilusões
e da felicidade que se vende enlatada
empacotada
e com livro de instruções.







Estar só é privilégio dos deuses.
O silêncio de quem só a si mesmo se pretende ouvir...
Silêncio de quem recua,
Para noutra perspectiva,
Contemplar melhor a Vida...
E no global da pintura tudo entendo!
A moldura não limita
O que aprendo!

Devo voltar para junto dos homens?

E os homens são imagens...
Dançam céleres aos meus olhos
E em silêncio observo...surpreendido
Percorro o tempo em metafísica
De quem se alheia convencido,
De que o real é mais que a coisa física!






(acompanhar com Mozart)

É a subtileza...
O que corre sóbrio, discreto e melodioso sob os nosso pés
Vaga ideia discorrida pelo eremita fugidio
Covarde – talvez – à sombra dos altares
Agarrado metafisicamente à ordem que lhe foge...
Racionalmente, pelo menos...
Por isso ele chama a fé para o apoiar na sua deriva
Humana deriva...distante da sua divindade suprema
O humano tem medo...
A liberdade é um fardo demasiado pesado
E ser divino é demasiado para o medo puro e simples
Constrangedor e apático
Ícone de si mesmo...

E a dispepsia forte é um bálsamo
A simples humanidade encontra-se a si mesma...
Congratula-se e cumprimenta-se dizendo
«Olá!»
A paz? O que é a paz?
E o estado da paz é a morte de si para si
Ou de si para o mundo!

A guerra?
Oh a guerra!
Com os braços pesados e doridos clamando por eterno descanso
Aquele simples humano homem – o eremita –
Rasga as vestes que o cobrem...
Nu vai o rei
Vibra a calma dos altares e a sombra desvia-se obliquamente...
A entranhada guerra
- atómico conflito surge manifesto -
Olhar humano admira-se... o sangue aflora!
Abre-se a igreja.
Pesados gongos são arrastados pela corrente humana
A calma melodiosa dos pés que erram sempre não engana
Há gritos e multidões essenciais... percorrem sempre a sua essencialidade
Nada ansiando pois o Destino comanda
E o sonho...
Já projectado está o pé que calcorreia no recalcado chão da temporalidade
Lá longe onde o grito se dispersa o pé ensaia!
Passos breves são prenúncios de eternidade
Oh soubesse o animal o que conspira o átomo em si mesmo
Sem consciência

Tanto é o treino mas estranhamente tão certos são certos fins...

O deus distante das ronceiras ainda aspira o cheiro do feno
E o sol que o queima não hesita em prolongar-se eterno

O pé deixou a sua marca indelével no pano metafísico
Rendilhado em veredas ordenadas por uma ordem caótica...
Lá está o olhar humano atirando ao ar os seus juízos frequentemente
E ainda mais frequentemente recebendo-os na testa devolvidos
Se alguns – poucos – cometas pontuam o céu de quando em quando
Sobrevoam apenas inócuos a cerda humana
O mar de taxinomia cobre a visão sem se adivinhar um horizonte
E na esfera do animal a luz entra e tudo ilumina
O progresso! Ah o progresso!

Há um moinho que não pára...
Uma roda remoendo constante e férrea em circulo fechado...
Pó é o que dela sai.
O vento já o levou e faz com ele nevoeiro em toda a parte
Sempre.

É um gigante
«É a História!»
Cai morto o etéreo D. Quixote desarmado
Ponto.

Já a alma do Poeta clareou
Como a água límpida e transparente de um inteligível lago!
Como a Lágrima Absoluta onde esperneio como um insecto
E me afogo inteiro à espera da glória eterna
!
Um palmar algures na vida humana...
Nada magnifico porém...sublime
Sublime...

Sublime

Carne renegada jaz perdida
Apenas um material meio para o céu
Plano Superior platónico para onde esse efebo atira o dedo arrogante...
E essoutro o imita antes de beber a cicuta redentora

Cicuuuuuutaaaaaa...

Que paz liquida se funde na melodia das coisas
E subtilmente serpenteia sob a turba de pés condenados à Liberdade!


Ainda Mozart


Arte que me assombras arrancando de mim tudo o que sou
O que vislumbro distante em mim se transfigura
E não o entendo...
Tudo flui
Liquido o devir da arte se espreme da vida agarrando o Eterno...

No meu fechado circulo de entidades etéreas e inteligíveis
Vivo, sou, respiro Ser
Sou a lira do Absoluto dedilhada misteriosamente...
Misturo-me e tropeço tropegamente em mim – Nada – e no Absoluto de mim
- Tudo e Nada -


...de preferência Clarinet Concerto, k.622 – Adagio


Aparência
Ao animal olhar tudo é aparência
E o Perfeito nada deve ao subjectivo
Mesmo sendo o homem inspirado – momentaneamente – pela absoluta
perfeição
A melodia superior ainda está longe da humana compreensão...

Efémeros são os zénites atingidos
- vento, brisa, pedaços de sonho -
Suficientes são, porém, para cravar na rocha eterna o criador
Longe é a visão do desconhecido
E o incomensurável não se desvela de uma só vez
Nem se dá de corpo e alma gratuitamente...


...talvez Piano Concerto NO.21, k.467 Andante


Ao som do celeste embalo a mão decidida percorre o vazio das coisas
vazias
de si mesmas
- potências reais do real subjectivo -
Reivindica a liberdade precipitando-se contra o Desígnio
Vinga-se o Desígnio arrastando-o pelo macadame dos tempos...

Já Séneca se revirou na sepultura dos sábios
Eterno eremita conduzido pela resignação ao Fado...
Riu-se dos que bracejavam ingénuos contra a corrente etérea,
E depois cansados foram arrastados pelas águas revoltas...


Requiem, K.626 – Lacrymosa


Superior é a ideia humana ainda que grosseiramente se deturpe
Na turva atmosfera do corrompido
E aí está a voz humana num crescendum divino...
É a unidade das vozes e das vontades que projecta o Ser
E o chão vibra – também o céu contagiado troveja...

No olho do furacão e do fragor da luta
Repousa a Verdade.
O pleno devir já se confunde com as nuvens etéreas do sonho...
Sonhar! Oh sonhar com o porvir da felicidade!
Chorar sempre – carpir de amor à Humanidade
Esticar o braço lasso mas convicto e tocar a mão de Deus...

O agora é já prenúncio
É a Arte mediadora e já faz tremer os corações frios
Já a natureza do instinto renasceu das cinzas como Fénix
E o natural regressa ao templo da harmonia
- o clássico do Homem renasceu -
A Alma renova-se a cada momento sempre mais intenso,
E o espírito novo repousa sem pressas
No coração humano!

segunda-feira, junho 13, 2005

Reflexão inaugural

Pura e simplesmente escrever, eis o meu desejo. Tudo flui nesta vida, nestas horas que passam sem dar noticia de nada, neste tédio abrupto em que me encontro e que se me afigura eterno. Penso momentaneamente em qualquer coisa realmente produtiva e que no seu gérmen possua o espírito da eternidade. Tenho de estudar – é verdade! Leio um pouco sobre Antero, o realismo e o positivismo. Eis a Revolução a meus olhos, as grandes ideias, os grandes timoneiros das revolução que, pacientes e convictos nos puxam do lodo da nossa própria mediocridade... E morro de olhos fechados enquanto ouço Chopin.
Talvez a Humanidade nunca se tenha realmente apercebido do essencial. A mudança e a revolução são sonhos demasiado altos e abstractos. O que interessa de facto é viver...mas para quê? Leio Agostinho. Ele acredita fervorosamente no V império. E porquê? De que vale viver se não acreditarmos que o futuro nos trará as soluções para os problemas da sociedade de hoje? Então fico confuso. Viver é criar, e não me basta vegetar no amor e na paixão desenfreada. Há um projecto. Todos somos parte dele. Fomos criados para criar, eis o nosso futuro e objectivo de toda a existência! Aos outros seres vivos ( não lhes chamo animais porque estaria a considerar-me fora desta categoria o que é um puro acto de arrogância, portanto de estupidez), estão determinados pela existência a serem como são. A evolução trouxe-os até um determinado patamar, e hei-los felizes. Nós seres humanos somos os mais infelizes animais do Universo. A necessidade que temos de nos agarrar seja a que metafísica for, a procura constante da moralidade, a consciência lúcida da nosso carácter inacabado deixa-nos pouco tempo para viver. Mas porque nos trouxe a evolução até este patamar privilegiado (ou não)? Paro um pouco e sinto falta de uma cigarrilha. Já fumei uma hoje e não pretendo abrir precedentes e fumar outra. Tantas vezes esbarrei contra a vastidão imensa das grandes questões, e sempre que isso acontece sinto uma náusea mental imensa. Peço à minha irmã para pôr Chopin de novo. Preciso da sua melodia para lucidamente ir puxando a meada que já vislumbro, mas que raras vezes tenho coragem para puxar até ao fim, o que na prática é impossível...
Onde é que eu ia?
Na Natureza e nesta intrincada máquina a que chamamos mundo, nada acontece por acaso. Não sou Deus, e deveria talvez abster-me de afirmar tal coisa mas sinto que, no mais profundo de mim mesmo, àquela profundidade onde me confundo com Absoluto e me dissolvo no Uno, o Ser caminha subtilmente e constante por veredas determinadas. É a intuição de alguém que é feito da massa do Universo, como o filho que subtilmente se apercebe dos pensamentos da mãe por do seu ventre ter derivado.
Somos Natureza. Não podemos negá-lo. Talvez quisesse o Universo tomar consciência de si mesmo através dos nossos olhos. Usar os nossos sentidos e capacidades para se compreender, se moralizar, se perspectivar, se experimentar... Porque não nos foi dada a verdade de mãos beijadas? Porque não nos foi dado o caminho, apesar de sermos máquinas tão perfeitas e complexas? Terão as placas de Moisés a resposta? Serão os preceitos de tantos profetas a verdade e o caminho? Talvez até tudo já nos tenha sido oferecido de mãos beijadas, ou talvez o tenhamos pago com todo o sangue derramado pelos séculos dos séculos. Se já nos foi dada porque continuamos a questionar? Talvez a sociedade e a moral sejam isso mesmo – simples motores de aceitação passiva da verdade, para que o acto de questionar se dissolva progressivamente e o Universo em nós se compreenda... mas para quê? Não me parece que o Universo pretenda compreender-se definitivamente com simples convenções tantas vezes humanas e mal interpretadas. Não está nos seus objectivos supremos Não matar, Não mentir, Não cometer adultério, Não adorar outros deuses, etc. Não nego que são convenções importantes, são porém um caminho dado para alguma coisa mais que não compreendemos. Quererá o Universo contemplar-se pura e simplesmente como um Narciso que passa horas a olhar-se reflectido no lago? Temos sempre de resistir à tentação de antropomorfizar a realidade: eis o maior dos pecados! Não me parece que o Absoluto seja qualquer coisa de semelhante a vaidoso...
Tantas questões e tão poucas respostas. Afinal se todas as respostas fossem desveladas o que seriamos nós e a nossa natureza inquisidora?