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segunda-feira, outubro 22, 2007

Tratado/Constituição Europeia



Tudo muda, nada é. Já dizia Heraclito há 2500 anos. O mundo por mais que nos custe, por mais que nos queiramos agarrar às nossas memórias, muda. Claro que mudar em si para melhor ou pior, só a História pode de facto avaliar, com a devida distanciação.

O tratado (constituição velada) europeu é um sinal dessa mudança. Podemos afirmar que é mais uma manifestação concreta de uma necessidade global de mudança, de actualização. Não vou tão longe como Hegel, mas também não tenho dúvidas que existe um «espírito» de mudança, que continuamente progride numa direcção clara. Isto é, para a frente. Quando digo que progride, não digo que necessariamente evolua – pode também progredir no sentido de um regredir. Mas a história também funciona desta forma – anda em círculos para poder ir em frente.

O mundo é dominado pela economia. Disso ninguém duvida. Os mercados vencem quando são competitivos, quando lucram mais, quando dominam monopólios. Estes mercados não existem por si só. Vivem à sombra de governos, de ditas «nações». Como é lógico, a competição económica convive com a competição política, como tal as nações procuram prestigiar-se, elevar-se umas acima das outras. Sendo que a economia, o poder do dinheiro domina e aparentemente compra tudo, as nações procuram-se elevar-se procurando ter mais dinheiro, ou propiciando condições para que nelas se gere mais dinheiro.

No século passado, no dealbar das revoluções industriais, a Inglaterra era a grande senhora do mercado, a mãe do capitalismo como o conhecemos hoje. O estado controlava pouco ou quase nada, e os capitalistas donos de fábricas e industrias tinham todo o poder para produzir, gerir pessoas com os mais baixos salários e os mais prolongados horários de trabalho. Isto em regimes democráticos por natureza. Tal filosofia de trabalho durou enquanto o socialismo não germinou como ideologia, enquanto Marx e Engels não propuseram um modelo de sociedade, no papel, mais justa. Países como a China, a India, o Japão (hoje as potencias económicas emergentes) só conheciam o que os tradicionais e artesanais métodos de produção lhes davam. Mesmo após a segunda guerra mundial, quando os EUA assumiram a hegemonia económica, falamos de um regime em si democrático mas com uma economia totalmente livre, ou quase. Associava-se muito mais o patriotismo, a noção de nacionalidade, à economia e a sua força. Fenómenos como a fuga de empresas para países de mão de obra barata ainda não existiam de facto, da forma endémica como hoje existem. Eis um dos grande males do capitalismo, que talvez venha a condenar o naufrágio dos valores e da sociedade dita «ocidental». Ao esbater a noção de nacionalidade na economia, ou de «patriotismo económico» (não confundir com proteccionismo), e ao construir as sociedades cada vez mais sujeitas ao económico na dependência das grandes empresas, ou das grandes multinacionais de que os governos cada vez mais dependem, estamos a assistir à deslocação de muitas dessas empresas para países que lhes oferecem mais condições para gerar lucro. Infelizmente essas condições passam pelos salários mais baixos, e pela ausência de direitos laborais. Se observarmos com atenção, hoje são precisamente os países que menos respeitam os direitos laborais, cujos governos fortes controlam a economia, que começam a eclipsar as antigas grandes potencias. Os estados unidos estão condenados a ser ultrapassados na cena mundial. A velha Europa, ou corre atrás, ou morre politica e economicamente. E tudo tende a mudar porque cada dia que passa, a economia sobrepõe-se a qualquer tipo de ética ou moral. A competição torna-se absolutamente desleal, porque um país onde as pessoas trabalham 40 horas semanais e onde o salário mínimo é de 400 euros, não pode competir com um país onde o limite de horas de trabalho é o da própria resistência corporal, e o salário mínimo fica ao critério do empregador. E enquanto isto sucede, os países ocidentais condenam o proteccionismo, e a China, India, Japão, vão lançando bases para um proteccionismo forte, associado naturalmente a um nacionalismo feroz que nós europeus, ocidentais, já esquecemos.

Como reagir a tudo isto? O que pretende o tratado com tudo isto? Afirmar uma «nacionalidade europeia» que possa dar um novo alento ideológico e político à economia, para que tendo orgulho em ser europeu, faça tudo para manter cá as minhas empresas, e os próprios consumidores tenham orgulho em comprar o que é produzido cá dentro. Assim, a crise económica reafirma o nacionalismo, daí que o futuro talvez nos traga mais governos de direita do que seria de esperar. O perigo aqui está na pressa. Porque correr atrás da globalização significa equipararmo-nos politica e juridicamente aos países mais bem sucedidos economicamente. Daí todos os «ataques» aos direitos laborais consagrados. O crescimento económico não pode ser conseguido a qualquer preço, e é aqui que o Ocidente tem um papel fundamental na globalização: a afirmação da liberdade, da solidariedade, da fraternidade como fim civilizacional, onde o lucro e o crescimento económico são apenas meios, nunca fins. Se a Europa não quer morrer politicamente perante as potencias que emergem, tem de se afirmar economicamente. Para se afirmar economicamente tem que se unir, se agilizar burocraticamente. Ou seja, as instituições têm de funcionar bem oleadas, sem bloqueios jurídicos. O tratado, com todos os defeitos que possa ter, é uma resposta a essa agilização institucional.

O futuro dirá se será bom ou mau para a Europa.