Anúncios google

sábado, julho 17, 2010

Portugal indeciso é Portugal não cumprido



Nos últimos tempos, são muitas as confusões, indecisões e meias-medidas que caracterizam o rumo (incerto) desta nossa praia à beira mar plantada. E é disso mesmo que se trata. Urge redefinir Portugal, não redesenhando fronteiras ou limites, mas tentando perceber se, de facto, somos ainda um país no sentido clássico, independente, soberano, auto-determinado, ou se somos, cada vez mais, uma região mais ou menos periférica, lentamente dissolvida num federalismo crescente, cuja política e direito se abandonaram às directivas de um direito mais abrangente, e cuja autonomia económica é hoje heteronomia em relação às instituições financeiras internacionais e ao Mercado Global.

Temos de nos decidir. Temos de nos decidir, e rapidamente. E temos de nos decidir sob pena de nos enredarmos cada vez mais na teia do erro, na ilusão de uma hipotética soberania que já não existe, na falácia de uma autonomia eminentemente nacional que é hoje, em parte, apenas folclore pseudo-patriota.

Temos de escolher dois caminhos possíveis, para que possamos, com alguma acuidade e propriedade, criticar governos e políticas. Não podemos, em boa verdade, criticar um governo pelas decisões que toma, quando este é pouco mais do que um corpo administrativo ao serviço de instituições transnacionais em altas instâncias federalistas, ou tendencialmente federalistas. Não é sério atribuir a um governo poderes que ele há muito não tem, ou imputar-lhe a responsabilidade por más decisões que reflectem apenas pactos, PEC´S e PAC´S com o objectivo de o obrigar a prestar contas e a respeitar deficits em tempo recorde. Não é sério culpar governos por altas taxas de desemprego, por mau desempenho económico, pela miséria endémica de um pequeno estado, quando ao mesmo tempo este se vê obrigado por abstractas leis de mercado e por Tribunais de Justiça Europeus a escancarar as suas portas à circulação de capitais, aos movimentos financeiros, sempre sob ameaças de cotações negativas, de má fama internacional, de abandono do investimento estrangeiro. Não é sério culpar governos pela perda de direitos sociais e laborais dos seus cidadãos, quando só através da baixa de salários, do aumento do horário de trabalho, e da facilitação de despedimentos é possível aos governos corresponderem às solicitações cada vez mais insistentes e birrentas dos grupos económicos transnacionais, que ameaçam a cada minuto abalar para pastagens mais verdes, onde os custos do trabalho e a responsabilidade social é quase nula.

Com isto não estou a afirmar, nem de longe nem de perto, que os governos sejam inimputáveis. Pelo contrário. Eles têm culpa, sobretudo ao alimentarem ilusões e ao fazerem promessas que, certamente, não serão capazes de cumprir. Seria mais sério que assumissem, desde o início, uma atitude pedagógica, explicando os verdadeiros limites dos seus poderes, e jamais prometendo aquilo que a própria conjuntura institucional não lhes permite cumprir. Mas esta falta de escrúpulos é acompanhada, para nosso prejuízo, por uma terrível falta de inteligência e de visão. Essa visão permitir-lhes-ia perceber o que está verdadeiramente errado nisto tudo, ao mesmo tempo que lhes daria uma verdadeira ideia ou plano para o país.

Por isso eu digo e repito: é preciso tomar decisões a sério, sem subterfúgios. O que queremos e podemos ser? Qualquer que seja a decisão tem de ser assumida para o bem e para o mal, sem meias medidas, panos quentes ou marketing.

Queremos ser proteccionistas e voltar ao clássico Estado-Nação, cerrar fronteiras, implementar taxas alfandegarias, promover a absoluta auto-suficiência, proibir as empresas de ir para o estrangeiro, sair da UE, recuperar uma total autonomia? Pois, se sim, então assuma-se. Por outro lado, queremos ser abertos, abrir fronteiras, abdicar progressivamente de uma autonomia política, económica, social, em prol de uma futura união federal de estados de direito baseados no primado da Lei e da Democracia? Pois, se sim, voltemos a assumir tal decisão com vontade, consistência e sem desculpas. Queremos, num plano intermédio, encontrar uma terceira-via menos maniqueísta? Mais uma vez, sejamos inteligentes nessa tentativa e assumamos todas as consequências de tal decisão, para o bem e para o mal.

O que está a matar Portugal (e a Europa) é precisamente esta recorrente indecisão que tudo paralisa e que não traz qualquer progresso a ninguém. A própria União Europeia e o seu projecto estão reféns de interesses cada vez mais díspares, e ao invés de uma verdadeira união aberta constituída de estados fortes e solidários entre si, caminhamos para uma Europa coxa, na qual uns estados vão assumindo uma preponderância cada vez maior, defendendo em relação a si mesmos aquilo que condenam para os outros, influenciando as instituições europeias que deveriam ser imparciais e equilibradas em termos de representatividade, mas que, em última análise, estão contaminadas pelos interesses dos governos mais influentes que, por sua vez, se deixam manipular por forças económicas e financeiras muito pouco consentâneas com os princípios da verdadeira solidariedade e do progresso.

Pois, assume-te Portugal, se te queres cumprir.

Sem comentários: