tag:blogger.com,1999:blog-136376482024-03-07T08:32:07.844+00:00Casa do Ser"A linguagem é a casa do ser. E nessa morada habita o homem. Os pensadores são os guardiães dessa morada" M. HeideggerRuben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.comBlogger249125tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-57373382059725882252017-02-13T16:40:00.001+00:002017-02-13T16:40:51.183+00:00Página de Facebook - Ruben Azevedo <br />
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<br />
Às pessoas que nos últimos - quase - 12 anos têm acompanhado este meu blog, saibam que podem acompanhar os meus textos mais amiúde na minha página de facebook, onde escrevo com grande regularidade (o que há muito tempo não acontece aqui, no blog).<br />
<br />
Peçam-me em "amizade", ou sigam-me aqui:<br />
<br />
<a href="https://www.facebook.com/ruben.d.azevedo">https://www.facebook.com/ruben.d.azevedo</a><br />
<br />Um bem-haja,<br />
Ruben David Azevedo <br />
<br />Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-87391656088906589002016-10-25T22:21:00.000+01:002016-10-28T22:42:21.154+01:00RESENHA SOBRE O MEU LIVRO "ENIGMA - NOEMAS EM TORNO DO MISTÉRIO DO SER E DO EXISTIR"<br />
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<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEit-REdZXxFsTUABAzoTlnFRMBKvHaund14yrgCGxaSNLhQeB_Q8CypJRszOMfoBJMV6vSL9D22LA-E8lkmQuHoHFzu3Fyb7NMsdvPGRLfTOgYBYLfR1VUKsOBG4qOgZt_O5XL-Mw/s1600/Capa_Enigma.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEit-REdZXxFsTUABAzoTlnFRMBKvHaund14yrgCGxaSNLhQeB_Q8CypJRszOMfoBJMV6vSL9D22LA-E8lkmQuHoHFzu3Fyb7NMsdvPGRLfTOgYBYLfR1VUKsOBG4qOgZt_O5XL-Mw/s400/Capa_Enigma.jpg" width="252" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="font-size: small;">(Para adquirir o livro clicar <a href="https://www.chiadoeditora.com/livraria/enigma-noemas-em-torno-do-misterio-do-ser-e-do-existir">aqui</a> ou <a href="https://www.wook.pt/livro/enigma--ruben-david-azevedo/18896598">aqui</a>)</span><br />
<span style="font-size: small;">Página facebook do livro <a href="https://www.facebook.com/Enigma-Noemas-em-torno-do-Mist%C3%A9rio-do-Ser-e-do-Existir-1751468578472575/?ref=aymt_homepage_panel">aqui</a></span></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal">
O livrito reflete, como um todo, uma crença muito pessoal: a
busca pela verdade e pelo conhecimento, para ser completa, tem de visar o
"real-objetivo" e o "real-subjetivo". Por outras palavras,
não há conhecimento pleno sem autoconhecimento. Nenhuma demanda pelos factos do
mundo e da vida pode dispensar uma outra demanda que lhe é paralela e, sem a
qual, aquela não fica completa, nem chega a ser existencialmente útil para o
Homem.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Por isso mesmo, o livrito divide-se em duas partes: a
primeira titulada "Noemas em verso", exprime sobretudo o
"real-subjetivo", isto é, nela procuro dar forma escrita - a forma
escrita possível dada a inefabilidade de certos sentimentos - às minhas mais
profundas inquietações, aos meus mais profundos desejos, ao meu contínuo
assombro perante o mistério do Ser e do Existir, e também à esperança - em suma,
às motivações subjetivas que definem o meu modo de ser e estar no mundo, e
perante o mundo. Aquilo que emocionalmente me move e determina a orientação da
minha vida, entendida como demanda existencial cujo Horizonte é a Verdade.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Trata-se nesta primeira parte, fundamentalmente, de tornar
claras para mim próprio as minhas reais motivações existenciais, modelando pela
palavra, ou vestindo pela palavra (parece-me a metáfora mais adequada)
sentimentos, ânsias e visões internas que se mostram frequentemente de forma
turva e difusa, por forma a que se tornem inteligíveis, em primeiro lugar de
mim para mim próprio. Daí serem mais "noemas" do que
"poemas", pois etimologicamente poesia significa criação (do grego
"poiésis"), e mais do que criar, eu acredito que, no que diz respeito
ao meu real-subjetivo, à minha interioridade profunda, eu me limito a procurar
dar forma escrita a sentimentos, ideias, formas e visões, "noemas"
(do grego "noema", ideia, conceito, visão) que se insinuam na minha
consciência, que emergem e se revelam de forma confusa, às vezes opaca. Mas que
são essenciais, pois possivelmente trazem consigo a marca da sua origem
profunda, que é a das profundidades arcaicas da consciência de onde brotam as
tendências singulares da personalidade individual, e por conseguinte do destino
individual. Logo, constituem vias de real autoconhecimento. Autoconhecimento
sempre indireto, que requer sempre interpretação; que requer observação através
do espelho das ideias e das palavras, e não de forma imediata, face a face. Mas
não é sempre assim? E será que terá de ser sempre assim?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A segunda parte, titulada "Noemas em prosa",
constitui globalmente o capítulo dedicado ao real-objetivo. Nele exploro alguns
temas do mundo e da vida numa atitude mais impessoal, isto é, mais
argumentativa e filosófica, temas como o da Verdade, o Amor, Deus, o
Conhecimento e a sua importância na vertente individual mas também
social-civilizacional, a Educação em sentido amplo e radical, a Consciência,
etc. Mas é claro: tendo sempre como pano de fundo, como retaguarda
motivacional, as mesmas motivações, anseios, e desejos subjetivos profundos que
assistem à primeira parte. Só que agora a atitude é diferente, visa o exterior,
a explicação, a racionalidade pública. Mesmo quando no fundamento da explicação
racional, da argumentação, estão crenças subjetivas profundamente enraizadas,
crenças existenciais como todas aquelas que definem a minha fé básica no
Transcendente - sim, Deus, Consciência ontológica do universo; Sentido, Alma,
Lei e inteligência cósmica (Logos), etc. E por aí, fé fundamental no Homem, na
sua liberdade, e na possibilidade derradeira da sua realização plena, integral;
no limite, admito mesmo uma escatologia da salvação, mesmo que seja a da
eternidade realizada mil vezes ao longo da História, em cada homem, a cada
geração de homens. Digo-o desassombradamente.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
O texto ou "noema em prosa" de maior fôlego e
alcance nesta segunda parte é precisamente aquele que tem como horizonte o da
realidade última, o fundamento ontológico do real; se quiserem, a escatologia
do real - pois não é o conhecimento da origem simultaneamente o conhecimento do
fim? Trata-se do artigo "(Con)siderações metafísicas em torno da natureza
última da realidade". Para quem é da área da filosofia, em particular da
metafísica ou da ontologia, aconselho vivamente a sua leitura, por mais
discutíveis que sejam as teses que nele defendo. Em termos muito básicos, o que
nele defendo é o seguinte:</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
1º - É impossível conhecer ou descrever a natureza última da
realidade, a "coisa em si", tal como Kant defende, pelo menos do
mesmo modo que conhecemos e descrevemos realidades como as árvores, as pessoas
e os frutos, pois só podemos conhecer e definir aquilo que podemos relacionar
com outras ideias e conceitos relativos; só podemos conhecer de forma relativa,
e a realidade última, sendo a última das realidades e portanto a mais
abrangente possível, não pode ser descrita ou definida por nada que lhe seja
exterior, do mesmo modo que não se pode descrever o Ser com outro predicado qualquer
fora do Ser, mas apenas dizendo que O SER É.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
2º - Sabemos que a realidade última, a "coisa em
si", seja lá o que for, É, mas conhecê-la por via de categorias abstratas
como a de Absoluto ou Ser não nos chega; conhecer a realidade última de forma
mediada, isto é, por conceitos e ideias, não nos interessa EXISTENCIALMENTE
FALANDO.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
3º - Assim, um conhecimento realmente interessante da
"coisa em si" só pode ser, para o ser que existe, uma outra forma de
existência. Isto é, para que a realidade última possa ser conhecida plenamente,
ela tem de ser "existida". Ela tem de ser experienciada do ponto de
vista do "ser-para-si", do mesmo modo que os indivíduos conscientes
se experimentam a si próprios e às suas vidas a partir de dentro das suas
próprias consciências, como "seres-para-si".</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
4º - A "coisa em si", tal como cada um de nós
próprios para si próprio, constitui um "ser-para-si", isto é, uma
subjetividade absoluta. Todas as nossas perceções das coisas, das árvores, das
pessoas, dos objetos à nossa volta, são apenas imagens, formas de
"ser-para-nós", fenómenos que se oferecem às nossas consciências; mas
se nos retirarmos a nós e às nossas consciências, o que resta dessas coisas?
Resta o "ser-para-nós", as imagens que delas mantemos nas nossas
mentes; mas o que resta fora de nós e das nossas consciências? Resta a
"coisa em si", que só pode ser um "ser-para-si" que a nós
completamente nos escapa, pois trata-se de uma outra subjetividade que nos é
absolutamente alheia, absolutamente outra.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
5º - Mas repare-se que a realidade última também está em nós
e dentro de nós. A natureza profunda das nossas mentes e consciências é também
ela constituída dessa natureza última; por conseguinte, a "coisa em
si" que é ser-para-si reside também enraizada no mais profundo de nós.
Dito de outra forma, a Subjetividade Absoluta está profundamente enraizada no
fundamento da nossa subjetividade relativa.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
6º - Se não podemos apor a nossa consciência relativa sobre
a natureza última do mundo no sentido de a conhecermos como conceito, teoria e
ideia, será que podemos pelo menos mergulhar nas profundidades da nossa própria
consciência no sentido de chegarmos precisamente a TOMAR CONSCIÊNCIA da sua
natureza última, isto é, do Absoluto que nela reside, e que está por toda a
parte, e fundamenta todo o Real?</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
7º - Será que a consciência pode chegar a tornar-se
plenamente consciente de si própria, ao ponto de em si mesma ser capaz de
dissolver a distinção entre sujeito e objeto, tornando-se plena e absolutamente
presente para si própria? E não será, em última análise, esse o modo de
chegarmos a conhecer simultaneamente a natureza e o sentido últimos do universo
e de nós próprios? Não será precisamente nesse lugar que conhecimento e
autoconhecimento podem chegar a cruzar-se, nesse infinito profundo da
Consciência? E como lá chegar? Não necessariamente pela via estritamente
cognitiva-intelectual, mas por vias mais intuitivas que incluam formas de
meditação ou contemplação, já previstas, aliás, em várias tradições espirituais
e religiosas.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Porque escolho este texto? Porque nele está refletida aquela
que é a motivação e o estilo que pautam a minha forma de buscar a verdade: uma
busca na qual todo o conhecimento se visa como pretexto para o
autoconhecimento; conhecer, e conhecer-me como sou conhecido, para usar as palavras
de São Paulo; reconhecer que, para já, estamos limitados a conhecer de forma
mediada e confusa, através do espelho das ideias e das palavras, mas que não
está fechada a possibilidade de que possamos vir a conhecer face a face, de que
possamos vir a conhecer o Sentido que subjaz a todos os sentidos.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Enfim, por tudo isto, faço votos para que adquiram o
livrito, quanto mais não seja para que vos desperte e estimule a pensar o
impensável, ou a refutar e discutir o que aqui o ali vos parece absurdo e
impossível.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
A todos um bem-haja,</div>
<br />
<div class="MsoNormal">
Ruben David Azevedo</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-80255533684334493942016-08-15T11:58:00.001+01:002016-08-25T13:17:34.211+01:00Reabilitar a alma como resposta para o "hard problem" da consciência - porque não?<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZwYDEipH_MCv8B0opWQj2jxiFEvuF-8T7oxTQJxikyiHcXIGDZnb8UyIg1wRKpafcjsiumWObt-fa1Qxu44uZvMgwQQDn-FrTD4Z0JZ08nQL30gg2ihoUgAi9Mz5Aw2QdQodATg/s1600/mente-humana.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiZwYDEipH_MCv8B0opWQj2jxiFEvuF-8T7oxTQJxikyiHcXIGDZnb8UyIg1wRKpafcjsiumWObt-fa1Qxu44uZvMgwQQDn-FrTD4Z0JZ08nQL30gg2ihoUgAi9Mz5Aw2QdQodATg/s320/mente-humana.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
(<i>for english version please <a href="https://medium.com/@Ruben_David_Azevedo/the-soul-as-a-solution-to-the-hard-problem-of-conciousness-why-not-8ce5f43c838b#.qjanyora7">click here</a>. This article has also been published in Medium community.</i>)<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Considero que a hipótese da existência da alma
deve ser tida em conta na resposta ao problema da consciência, ou, mais
precisamente, ao chamado “hard problem” da consciência, o problema que diz
respeito à natureza e origem da experiência subjetiva enquanto tal. Dito de
outra forma, considero que deve ser ponderada a possibilidade que considero
muito plausível de estarem esgotadas todas as tentativas estritamente
fisicalistas ou materialistas de dar uma resposta cabal a este problema
fundamental, e que o adágio <i>"no brain,
never mind"</i> deve efetivamente ser revisto ou pelo menos reinterpretado,
porquanto reflita acima de tudo um preconceito filosófico muito comum entre
filósofos, neurocientistas e cientistas cognitivos que se têm debruçado sobre o
mistério da consciência. Preconceito que é reflexo de um paradigma transversal
a várias ciências, mas que não tem propriamente base empírica e científica.
Paradigma orientador, que aponta horizontes de resposta, mas que no caso da
consciência e do mistério da experiência subjetiva talvez esteja a apontar para
o horizonte errado, pois há muito que a investigação estritamente fisicalista,
fisiológica, materialista do cérebro se debate com o problema da natureza da
consciência sem lhe encontrar uma saída consistente com esse pressuposto
orientador. Tal como já escrevi num outro trabalho, <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-left: 36.0pt; text-align: justify;">
<i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">“…por mais rigorosos que sejam os mapas do cérebro, por mais abrangentes e
profundos que sejam os tratados que descrevem certos aspetos do seu
funcionamento, há uma dimensão da consciência que continua a escapar aos
melhores (cientistas e filósofos). Esta dimensão é precisamente o segundo nível
do problema identificado por Chalmers, o do “hard problem” da consciência.
Porque, admiravelmente, os neurocientistas são capazes de explicar em parte o
modo como o nosso cérebro identifica, por exemplo, uma face conhecida na rua,
descrevendo os processos neurológicos que lhe estão subjacentes; conseguem,
inclusive, descrever com algum sucesso o modo como o cérebro transforma os
dados dispersos que penetram pelos sentidos em padrões informacionais
reconhecíveis, isto é, o modo como o cérebro, na prática, traduz a informação
que vem do mundo (por ex., através da luz), em padrões, imagens mentais,
ideias, perceções. Aquilo que eles falham permanentemente em explicar, a “pedra
no sapato” da investigação neurocientífica, é o modo como somos capazes
de percecionar subjetivamente esses
padrões, essas imagens mentais, essas perceções. Dito de outro modo, a questão
fundamental é a de saber como é
possível a experiência subjetiva, que na prática significa perguntar
acerca da natureza da mente e do mental, da sua qualidade (qualia).</span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">” (</span><i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">O bosão
da consciência</span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">, Blog Casa do Ser, § 33)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-left: 36.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Talvez esteja na altura,
portanto, de uma revolução coperniciana, também no domínio das neurociências,
que reabilite outras hipóteses, como a da alma, que possam desbloquear este
problema. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Entendo aqui a “alma” num
sentido minimalista, isto é, não no sentido de um órgão, substância ou entidade
metafísica que substitua o cérebro e as suas incontornáveis funções de
processamento cognitivo e sensorial, que hoje é mais do que inquestionável que
têm origem nos processos neurológicos; não uma alma no sentido tradicional,
isto é, origem do pensamento, da vontade, da inteleção, dos sentimentos,
emoções e perceções, mas tão-só a base, digamos, <i>metafísica</i>, onde todos estes fenómenos produzidos pelo cérebro se
refletem, ou seja, <i>adquirem o seu caráter
subjetivo. </i>Cito de novo o já referido trabalho (Idem, § 21): <i>“O ser consciente é, pois, reflexivo, porque
dotado de uma interioridade onde todo o significado ecoa significativamente, graças ao
fenómeno da experiência subjetiva; i.e., não se dispersa inutilmente, não cai
no vazio nem na indiferença, tal como acontece num supercomputador que, por
mais sofisticado, não é sensível à própria informação que produz, não a
perceciona subjetivamente, não é capaz de atribuir significado, antes a
produz para outrem.”</i><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Não nego, por conseguinte, como
não podia negar face à vanguarda da investigação neurocientífica, que o cérebro<b>
- </b>provavelmente o mais complexo de
todos os sistemas biológicos e não-biológicos conhecidos -, seja de facto a
origem de todas as funções neurológicas e cognitivas: intelectuais, emocionais,
percetivas, volitivas, não-volitivas, etc. Mas não necessariamente da consciência
que sustenta e torna possível a experiência subjetiva. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"> Definiria
“alma” como uma espécie de “essência senciente”, por natureza contínua, eixo
fundamental, núcleo duro da identidade ou “si”, em cuja órbita se constrói o
“eu”, que é a identidade sociocultural. O “si” não é o “eu”, pois este último
pressupõe um conjunto de dimensões socioculturais e socio-identitárias, que
dizem respeito à história e projeto de vida do sujeito (o que chamo de
“identidade projecional” – sonhos, aspirações, objetivos de vida, etc.). O “si”
é o alicerce, a medula do “eu”, a própria condição de possibilidade de qualquer
identidade individual, porquanto seja a base de toda a reflexividade consciente
– aquilo que outrora designei por “espetador”, que situado no mais profundo e
misterioso reduto da toda a consciência individual, se constitui como
retaguarda, consumidor final, observador primeiro e derradeiro dos eventos
electroquímicos ou neurológicos do cérebro na sua <i>face mental</i> ou subjetiva -
precisamente o factor que faz toda a diferença entre o simples computador, que
não é consciente ou sensível aos produtos e padrões informacionais que produz,
por não possuir tal “retaguarda”, e o ser consciente, o homem ou o animal, que
não só possui dentro da sua caixa craniana o mais complexo e potente computador
biológico, mas é <i>consciente e sensível,
de um misterioso ponto de vista subjetivo</i>, aos seus produtos de ordem
cognitiva, pois é dotado de interioridade. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Espetador fugidio, sem
localização definida ou definível, fisicamente falando; natureza misteriosa,
“olho do espírito”. Acerca da sua natureza podem elocubrar-se várias teorias,
inclusive aquela que aventei na aventura especulativa que constituiu o trabalho
anterior já por duas vezes citado (e que não passa disso mesmo, uma aventura
especulativa como qualquer outra…). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Fundamento do “eu”, dizia, pois
toda esta esfera socio-identitária que constitui o “eu”, sendo por natureza concetual
e simbólica, seria insustentável sem a dimensão da interioridade ou
subjetividade consciente, que por sua vez seria impossível sem a base ou
fundamento de toda a experiência subjetiva, logo de toda a consciência – a dita
“alma” ou “essência contínua senciente”, que porventura será independente do
cérebro físico, ou situar-se-á num plano ontológico paralelo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Eis algumas das razões porque
defendo que a consciência não pode ser explicada sem o recurso a esta realidade
fundamental. Embora a neurociência e as ciências cognitivas estejam perto de
explicar os processos neurofisiológicos por via dos quais o cérebro produz
perceções - que não são senão imagens e padrões mentais de carácter
informacional -, está por resolver o fulcro do problema, que tem que ver com o
modo como estas perceções – que na origem não são senão eventos electroquímicos
no cérebro – são interpretadas <i>subjetivamente</i>,
isto é, adquirem o caráter muito real de eventos mentais percecionáveis <i>de um ponto de vista subjetivo</i>, no
contexto de uma interioridade consciente. Como é que um padrão electroquímico
despoletado no cérebro de um dado sujeito que, por exemplo, se queima ao
colocar as mãos no fogo, pode ser efetivamente <i>sentido como dor para esse mesmo sujeito, </i>de um modo absolutamente
único e intransferível? Sim – como explicar que esse padrão originalmente
neuroquímico possa adquirir esse caráter mental de “ser-para-alguém”? Este,
parece-me, é o fulcro do problema. Sendo verdade que o nosso mundo mental é um
fluxo interminável de diferentes perceções, imagens e eventos mentais vários,
fruto de uma máquina biológica que evoluiu precisamente para ser capaz de a
todo o momento extrair informações acerca do mundo interior e exterior, pensando-o
e interpretando-o sensorialmente, é também verdade que existe um denominador
comum a todas as perceções: são sempre “nossas”, confundem-se com a identidade
do próprio sujeito que as perceciona; quer dizer, a experiência subjetiva não
se distingue do próprio sujeito da experiência; um não se entende sem o outro,
e, em boa verdade, <i>não existe sem o outro</i>.
Como, aliás, o próprio “eu”, ou seja, a identidade social ou sociocultural, não
existe fora do sujeito que, <i>subjetivamente</i>,
a interpreta e pensa conceptualmente<a href="https://www.blogger.com/null" name="_GoBack"></a>, sendo que a
identidade enquanto constructo conceptual e simbólico é simultaneamente uma
perceção ou evento mental complexo (a “ideia de si”) e o próprio “eu”, ao qual
o sujeito se refere quando fala ou toma consciência de si próprio. Graças,
portanto, à experiência subjetiva, a identidade adquire o seu carácter
“reflexo”, ou seja, torna-se identidade <i>de
e para alguém</i>; torna-se em ideia autorreferencial, porquanto continuamente
parte de si para voltar a si – torna-se “eu”, portanto. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">É
como se a experiência subjetiva ocorresse num estranho e misterioso reduto da
mente, onde os padrões informacionais electroquímicos misteriosamente se
transmutam em eventos mentais, perceções, sentimentos</span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">. É
como se, num qualquer “centro” mental ou fisiológico ocorresse uma comunicação,
um <i>contacto </i>ou <i>sobreposição total</i> que permite uma continuidade entre realidades de
naturezas distintas, um contacto integral, ponto por ponto, como numa
plasmagem, entre uma realidade de ordem fisiológica e outra não-fisiológica, em
que a informação electroquímica da primeira fosse transferida à segunda numa
forma, digamos, <i>imaterial</i>, ou da
matéria, seja ela qual for, que constitua o propriamente “mental” ou
“consciente”. Recorrendo à terminologia kantiana relativamente à chamada
“aperceção transcendental”, seria como se uma “unidade de perceção” contactasse
integralmente, ponto por ponto, com uma “unidade de consciência”, numa sobreposição
total entre ambas, só isso explicando que uma dada perceção – por ex., a visão
de uma árvore à minha frente, a partir da janela – seja percecionada como uma <i>totalidade, </i>isto é, uma visão integrada
à qual não falta nenhuma parte da qual eu possa ter diretamente consciência,
nas atuais condições de distância, visibilidade, etc. Escreve Kant</span>: <i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">“…as diversas
representações, que nos são dadas em determinada intuição, não seriam todas
representações minhas se
não pertencessem na sua totalidade a uma autoconsciência”, isto é, “O
pensamento de que estas representações dadas na intuição me pertencem todas equivale a
dizer que eu as uno em uma autoconsciência ou pelo menos posso fazê-lo” </span></i><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">(KANT, <i>Crítica
da Razão Pura,</i> B133-B134, pp. 132-133)</span><span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">E repare-se que esta questão da
“unidade de consciência”, unificadora e integradora dos fluxos electroquímicos
do cérebro em totalidades designadas perceções, é tão mais misteriosa quanto as
neurociências ainda não foram capazes de determinar, de forma exata e
conclusiva, no cérebro como no restante sistema nervoso, nenhum “centro” onde a
referida transmutação físico-mental possa ocorrer. Não se conhece nenhum centro
fisiológico onde possam convergir os vários fluxos informacionais de caráter
neuro-electro-químico que se processam em sectores diferentes do cérebro, de
modo a formar uma totalidade, um padrão informacional complexo que possa ser
interpretado mentalmente como uma perceção complexa. Pois, como é sabido, a
formação de uma perceção complexa envolve o contributo de vários sentidos e
processos cognitivos, que ocorrem em “clusters” neuronais situados em pontos
diferentes do cérebro. Por exemplo: tenho a perceção muito evidente, <i>coerente e integrada</i>,<i> </i>de que estou neste momento sentado numa
cadeira de madeira um pouco dura, a escrever ao computador, em minha casa,
sobre uma mesa de madeira com uma textura muito polida. Pela janela do meu lado
direito entra a luz do sol; posso ouvir a música de fundo que toca na playlist
do meu computador, e os meus dedos a bater nas teclas. Tenho na boca o sabor do café
que acabei de beber e cuja chávena se encontra ao meu lado direito, sobre a
mesa, e no nariz ainda um pouco do seu cheiro delicioso. Em resumo, é este o
ambiente que me rodeia e onde me posso neste momento situar, de forma
consistente e integrada - enfim, <i>una</i>,
porquanto essa unidade que caracteriza a minha perceção complexa seja o reflexo
ou projeção da “unidade de consciência” que me constitui. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Ora, todos os estímulos que
constituem esta perceção complexa são processados e transformados em padrões
electroquímicos em diferentes setores do cérebro, a saber: os táteis são
processados na área somatossensória, localizada no lobo parietal; os auditivos,
no córtex auditivo, localizado no lobo temporal; os visuais, no lobo occipital,
localizado na parte de trás do cérebro. Não obstante a distância que separa os
vários setores, a experiência subjetiva é sempre una, e não fragmentária e
parcial. O fluxo de dados percecionais, embora alimentado por correntes de
informação sensorial e cognitiva de natureza distinta e com origem em pontos
diferentes do cérebro, <i>é misteriosamente unificado
por um laço que supera e suprime essa distância</i>; um laço que supera o
meramente o local; um laço, digamos, <i>não-local</i>. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br />
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZML49vW4HHjJr0SRpCbfgufvY3wQFzNtOlpeIM024H2Vy_CNpDuq3ZilfRUwM7ivQnCx-pLNRVH6p-mNXidjuEj9oy6zHQb2c41lXN2dzyyjMUuDXmcGXH93O6X6MvPkUShyKQ/s1600/images.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjtZML49vW4HHjJr0SRpCbfgufvY3wQFzNtOlpeIM024H2Vy_CNpDuq3ZilfRUwM7ivQnCx-pLNRVH6p-mNXidjuEj9oy6zHQb2c41lXN2dzyyjMUuDXmcGXH93O6X6MvPkUShyKQ/s1600/images.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><br /></td></tr>
</tbody></table>
</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">Mesmo que esse centro físico
bem determinado no cérebro existisse, continuaria ainda por explicar o intrigante processo segundo o qual, nesse local em particular, o físico se transformaria em mental, quer dizer, <i>o meramente electroquímico em experiência subjetiva consciente</i>; o <i>como</i> e também o <i>porquê</i>
desse local em específico possibilitar essa estranha alquimia que permite a introdução de um
conjunto de fenómenos fisiológicos e electroquímicos observáveis e mensuráveis
objetivamente, <i>no mundo não observável e
não objetivamente mensurável da subjetividade</i>, onde só o sujeito é senhor
da sua interioridade. Se, por outro lado, esse centro físico não existe,
resta-nos conjeturar, por exemplo, que o cérebro é ele todo, integralmente, um
“grande centro”, onde a realidade, digamos, imaterial da consciência (isso a
que decidi chamar “alma”) coexiste paralelamente à realidade material,
fisiológica do cérebro, talvez mesmo de um modo fundamental, celular ou
quântico, permitindo uma imediata apreensão e unificação, a todo o momento, dos
vários fluxos de informação sensorial e percetiva processados em setores
situados em áreas diferentes do cérebro; ou seja, permitindo que diferentes
processos sensoriais e cognitivos se transformem, imediatamente, em perceções
complexas cujo caráter essencial é o de serem percecionadas <i>de um ponto de vista subjetivo</i>, de forma
unificada e integrada. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><b>Web/Bibliografia</b><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
<i>O
bosão da consciência – uma proposta humildemente audaciosa para resolver o
“hard problem” da experiência subjetiva</i> - Blog Casa do Ser, link: <a href="http://casadoser.blogspot.pt/2015/07/o-bosao-da-consciencia-uma-proposta.html">http://casadoser.blogspot.pt/2015/07/o-bosao-da-consciencia-uma-proposta.html</a>.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-size: 12pt; line-height: 150%;">-
<b>KANT, Immanuel, <i>Crítica da Razão Pura</i>, trad. de Manuela Santos e
Alexandre Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. </b><o:p></o:p></span></div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-51887806996394998292016-07-17T22:23:00.001+01:002016-07-17T22:24:09.184+01:00Angústia existencial<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj70BBja1NwouUaRbFf1-Xph_Op-YffuPOx6_PSHKapD3bN_hd-oPgoJ2UWYTVj24U7hBuGrU8UV3dwrgBj85afNOhFirqFlIyXBLUjX6bIHCTRdtUqaEHMFgLHrtaIL90logdnGg/s1600/angustia2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="223" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj70BBja1NwouUaRbFf1-Xph_Op-YffuPOx6_PSHKapD3bN_hd-oPgoJ2UWYTVj24U7hBuGrU8UV3dwrgBj85afNOhFirqFlIyXBLUjX6bIHCTRdtUqaEHMFgLHrtaIL90logdnGg/s400/angustia2.jpg" width="400" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">(Foto: por Filipe Pimentel)</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A angústia existencial tem muito que
ver com a consciência dolorosa de que se fica sempre aquém do que se pode
realizar e ser, do que se pode de mais alto pensar e sentir; a consciência do
desperdício da vida, por medo ou comodismo. É a dor de uma alma que se sente
capaz de grandes e belos feitos, que sente vocação de imortalidade... e no
entanto, se sente limitada e como que condenada a uma circunstância de vida da
qual se sente incapaz de se libertar. E tanto maior é a consciência e a dor
dessa limitação, quanto maiores são os seus sonhos e aspirações, quanto mais
alto é aquilo que pode pensar e sentir. A consciência recorrente deste
confronto entre o sonho e a realidade aparentemente intransponível da
limitação, entre a pulsão vital do ilimitado e a limitação circunstancial que,
de forma angustiada, se julga intransponível, tem de cada vez o sabor de uma
pequena morte; tem o sabor amargo do tédio e do absurdo. E este sentimento fere
mais por se saber que o tempo é curto, e que se vai morrer.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
É isto a angústia.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Como ultrapassar isto? Muitas vezes,
fica-se à espera. À espera de um resgate. Espera-se que a libertação venha de
fora. E às vezes vem, mas só dura realmente se formos capazes de tomar as
rédeas da nossa salvação, se estivermos dispostos a assumir até ao fim, sem
medo ou desânimo, covardia ou preguiça, todas as consequências, boas ou menos
boas, agradáveis ou dolorosas, das nossas completas escolhas. Escolhas que se
tomam integralmente (ou que às vezes nos tomam integralmente), sem olhar para
trás. Os germens do medo e do comodismo, da dependência e do desânimo, estão
sempre em nós, nunca nos abandonam verdadeiramente, mesmo depois de vencidas as
pontuais circunstâncias limitadoras. É que, para além de vencermos as
circunstâncias, temos de saber vencer-nos a nós próprios, a todo o momento – e
isto é o essencial de toda a sabedoria. Estamos sempre em risco de “cair” numa
nova dependência, num novo estado inferior de limitação e pobreza de espírito,
frequentemente iludidos de que se tratou de uma escolha real, quando na verdade
fomos sim determinados pela nossa fraqueza, cedemos ao encantamento de sereia
do fácil e cómodo. Depois da comodidade, vem a angústia – mas então já nos
acomodamos, inclusive à própria angústia, que é o pior! Não há nada mais pernicioso
para um espírito do que uma angústia acomodada, ou um comodismo angustiado. </div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">A ausência de luta jamais foi
sinónimo de paz. A verdadeira paz, que é paz de consciência, exige luta
permanente, e contínua vigília e atenção. Luta e vigilância contra as tentações
do medo, do fácil e do cómodo, que às vezes se rebuçam em falsas possibilidades
de escolha. Luta, que é trabalho, para manter vivos os sonhos, claras as ideias
e os propósitos, vigorosas as forças, as faculdades, as virtudes e os afetos.
Luta que, bem orientada na direção de uma vocação ou horizonte de vida, se
traduz em verdadeira paz - a paz que nasce do movimento (não da mera agitação),
que como Einstein dizia recorrendo à analogia do ciclista, é a única forma de
manter o equilíbrio na vida. </span></div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-38336455794543002002016-03-14T15:54:00.001+00:002016-03-14T16:11:10.186+00:00Sobre o progresso ético-espiritual do Homem - apontamentos<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqxnz0vII80n1FUNDB2lbEgxbB1bvxaQdDNJGd7LytjRPG_8ty5E0JZah6E46LwlI0oecGg1l3dIQIOrdibiKMyXFgw9DizF4XZGJbpYM_JLgZy8WSbZBjoHpJx7xhyLF6VL4U1w/s1600/Caminho-Homem-caminhando-para-o-por-do-sol.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqxnz0vII80n1FUNDB2lbEgxbB1bvxaQdDNJGd7LytjRPG_8ty5E0JZah6E46LwlI0oecGg1l3dIQIOrdibiKMyXFgw9DizF4XZGJbpYM_JLgZy8WSbZBjoHpJx7xhyLF6VL4U1w/s200/Caminho-Homem-caminhando-para-o-por-do-sol.jpeg" width="200" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<b><u>Progresso
ético-espiritual do Homem</u><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Ainda que possa
não existir um progresso no sentido cumulativo, uma evolução contínua, o
progresso do conhecimento, da ciência, da cultura, da filosofia, da psicologia
humana, da arte, permitirão pelo menos que cada geração tenha acesso ao
conhecimento e aos instrumentos necessários para se tornar o melhor possível,
para desenvolver plenamente as suas potencialidades, virtudes e talentos, sem
menosprezar nenhuma dimensão da sua humanidade. A tarefa do “Conhece-te a ti mesmo”
não pode ser realizada por outrém, nem o conhecimento acerca de si próprio ser
transmitido como um conteúdo já feito e pré-estabelecido; é um trabalho que só
pode ser realizado por cada indivíduo, levado a cabo e renovado por cada geração
de seres humanos, uma e outra vez, partindo quase do nada. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Neste contexto,
não sendo o progresso ético-espiritual de caráter filogenético, mas antes simbólico
e cultural, existe na medida em que o progresso do conhecimento, o acesso pleno
à cultura de todas as eras – desde logo, e em primeiro lugar, através da educação
-, colocam cada geração de seres humanos cada vez melhor posicionada para se
cumprir, quer dizer, para desenvolver o melhor das suas virtudes humanas, os
seus talentos e potencialidades, os seus horizontes e projetos de vida, cada
vez mais próximos das exigências maiores da dignidade humana – assim realmente
o desejem!</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A primeira das
finalidades de qualquer Civilização digna desse nome, deveria ser, aliás, nada
menos do que isto: <i>a realização plena da
pessoa humana em cada indivíduo, na sua singularidade, por via de uma
aprendizagem contínua e de um esforço de aperfeiçoamento incessante, num
processo de expansão de consciência que o torne mais lúcido e capaz de
aprofundar o conhecimento acerca de si próprio e da realidade existencial do
homem enquanto tal, e do universo como um todo, onde esta existência tem lugar.
<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
No homem, a
virtude só pode estar em mais consciência, e não o contrário, o que o reduziria
progressivamente à mecânica animalidade que só em parte o constitui. Só a
consciência lhe permite uma real compreensão do mundo e da natureza das coisas,
compreensão no sentido inglês de <i>understand
</i>(situar-se debaixo, na base que sustenta as coisas; ver as coisas a partir
do ponto de vista privilegiado do fundamento, que lhes confere ser e verdade).
É por isso que para o homem saber não chega; factos não são suficientes, porque
são parciais, porque não contam a totalidade, mas apenas a parte; porque não
revelam toda a história. O homem aspira a conhecer; o mesmo é dizer, a
compreender desde a raiz; está na natureza do homem querer olhar para dentro da
toca do coelho, saber o que lá há, até onde vai a sua profundidade. O homem
aspira à inteligibilidade, à compreensão da teia mais geral que sustenta os factos
e lhes confere coerência e racionalidade; a curiosidade humana exige o
conhecimento das <i>ratio essendi, </i>a
razão de ser das coisas serem como são, e este desejo não tem quaisquer
limites. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><u>Educação e o seu papel</u><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Numa civilização
digna desse nome, fundada sobre o propósito fundamental da realização plena da
pessoa humana, creio ser evidente o papel crucial da Educação. Sobre a
Educação, entendida no sentido mais lato possível, recai a enorme
responsabilidade de formar, não apenas o cidadão, não apenas o técnico, não
apenas o especialista, mas o homem na sua inteireza, que contempla as dimensões
ética, cognitiva, estética, física, psicológica, emotiva-afetiva, espiritual,
etc. Cabe à Educação a função axial de, como dizia Hannah Arend, introduzir as
novas gerações ao mundo, não apenas ao “mundo social” ou “laboral”, ao “mundo
do trabalho” ou “mercado”, mas ao mundo no sentido mais radical e abrangente
possível, que se confunde em última instância com a própria Vida e as suas
exigências, com a Existência enquanto mistério e enquanto problema a resolver;
um problema com muitas variáveis – cognitiva, emocional-afetiva, existencial,
etc. Trata-se, na verdade, não de um problema secundário ou derivado, mas <i>do problema por excelência, </i>o alfa e o
ómega das nossas existências humanas particulares, cuja resposta significaria a
descoberta da própria <i>ratio essendi, </i>a
razão de ser das nossas vidas. Um problema que todos sabemos ser <i>muito prático e central nas nossas
existências, </i>e não meramente teórico e entendido como marginal e para
tratar “quanto houver tempo”, como um hobby privado, que em nada deve
importunar o fluir normal da corrente social, política e económica, cujos
propósitos são normalmente muitos diversos e mais “mundanos” e supostamente
mais “urgentes”. Trata-se da nossa vida e do seu sentido, tudo aspetos que
emergem nos embates e confrontos muito reais e práticos da existência, nos
momentos de grande perda, no sofrimento e na dor, nas dificuldades de relação e
comunicação com os outros, no tédio e nos vazios de sentido, na perspetiva da
morte, nas impermanências do amor, etc. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Cabe à Educação,
por conseguinte, a enorme e crucial responsabilidade de abrir ao indivíduo
todos os principais horizontes do mundo e da vida, de o colocar perante os
horizontes do conhecido e do possível – da ciência e do conhecimento em geral,
da arte e da cultura, da espiritualidade e da criação, do heroísmo ético, da
psicologia, etc. É absolutamente essencial para a formação do homem que este
conheça bem as fronteiras do espírito humano, em todas as suas vertentes e
dimensões, pela simples razão de que essas são também, globalmente, as
fronteiras do seu próprio espírito, e por conseguinte da sua humanidade. Desse
modo, ele saberá até onde pode ir, e o que poderá ele próprio realizar,
construir e criar. Saber-se-á membro de pleno direito da família humana, a quem
não é pedido somente que preserve e reproduza acriticamente um património de
conhecimento de cultura, mas que o aumente e aperfeiçoe, que o renove e
atualize, e que no seu modo de viver, nas suas ações e criações, lhe preste
continuamente homenagem vivendo a sua vida o melhor possível, de acordo com as
promessas inscritas na sua própria humanidade singular, expressão particular da
humanidade universal. <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-67709649483982385382015-08-28T14:01:00.001+01:002015-08-28T14:02:22.221+01:00Atravessar o deserto<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Eis o que
significa atravessar o deserto: enfrentar os próprios fantasmas, os próprios
medos, os pensamentos e as mágoas do que fizemos ou não fizemos, os
arrependimentos; vencer todos esses “Ciclopes e Lestrigões” (como dizia Kavafys
no <i>Ítaca</i>) que todos temos dentro de nós, e teimamos em lançar à nossa
frente no caminho, e que frequentemente nos paralisam. O medo que nos inspiram
limita-nos, faz-nos desistir, impede-nos de andar para a frente e de
realizarmos a nossa plena humanidade (cuja outra face é a nossa plena
divindade, ambas sendo uma e a mesma coisa). Todos os Cristos e Budas que se
lançaram no deserto – fosse de um modo literal ou por via de uma ascese, que
sempre significa um internamento em si próprio - não tinham outra intenção
senão a de habituarem os seus olhos espirituais à escuridão, para que,
paradoxalmente, estes pudessem ter um vislumbre dessa luz plena e muito subtil
que constitui o nosso ser profundo, a nossa consciência, e que participa do
Verbo (Logos), i.e., da realidade metafísica, ontológica do mundo, a “Verdade”
ou “Lei cósmica”. Mergulhar no deserto tem o sentido de uma dúvida radical e
hiperbólica <i>à la Descartes</i>: esperar
que do “nevoeiro” e da aridez informe do nada emirja uma evidência, uma verdade
tão sólida e profunda que não possa ser “nadificada” pelo rolo compressor da
dúvida. Neste caso, como em qualquer caso, a verdade e certeza que se espera
que emirja, ao mergulhar no deserto, é a da própria Alma, que se espera que
tome o lugar do nada lançando a sua luz. É uma profunda e radical busca pela
autenticidade, pela essência.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
É Heraclito que
diz: <i>“Os limites da alma não é possível
descobri-los, mesmo percorrendo todos os caminhos, tão profundo é o Logos que a
sustenta.”<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Se o silêncio, a
escuridão, a solidão, o vazio, a falta de estímulo sensorial, não te perturbam,
ou te perturbam menos, então já venceste. Habituaste-te à Presença inefável da
tua consciência, que tudo vê, bem enraizada na retaguarda do teu ser. Já não és
escravo de sensações, e nem sequer de ideias, porque te descobriste superior a
ambas; já não és guiado ou coagido por elas a ir por aqui ou por ali, escravo
de apetites ou ilusões, mas és tu que as guias e pastoreias. Tornaste-te
realmente no pastor dos teus pensamentos, no senhor da tua vontade, porque a
cada momento reconheces que não és exclusivamente o que pensas ou sentes, nem
sequer a soma de todos os teus pensamentos e sensações, mas a consciência que
pensa ou sente, situada sempre aquém e além deles, e a eles sempre
infinitamente superior. Essa consciência que podes entrever imperfeitamente na
retaguarda da tua mente, como um espelho que tudo reflete, nem sequer se
confunde com a tua ideia de “eu”, mas ultrapassa-a ao ponto de essa Presença te
parecer – pelo menos no início -, estranha a ti próprio, alheia, como se fosse
um “outro eu” que coexistisse contigo na mesma pessoa. Depois de te habituares
a essa Presença, tornas-te nela, e desta feita já não é ela que te parece
estranha, mas o próprio “eu” pessoal e identitário que te habituaste a
alimentar ao longo da tua vida como sendo tu, a quem dás um nome e que
reconheces ao espelho – descobres que esse “eu” não é senão uma fachada, uma
máscara, uma existência apenas nominal. A tua consciência é muito mais vasta
que os limites do teu eu nominal, embora não possas negar ao teu eu nominal a
sua missão, e a sua verdade.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-52107788408400348762015-08-28T13:51:00.000+01:002015-08-28T14:03:59.662+01:00Dois "eus"<br />
<div style="text-align: justify;">
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
É como se em mim convivessem dois "eus". Um "eu" criando,
abrindo caminho, iluminando o mundo para que nele o outro "eu" viva.
O primeiro - o meu "eu" mais profundo e sólido, a fonte da minha
consciência - cria, ilumina, abre perante mim o mundo, no qual o segundo - o
meu "eu" mais imediato e mutável, a minha vontade livre, o meu ego
pessoal e identitário - vive, age, se movimenta, existe. O primeiro
"eu" a-presenta-me o mundo, mostra-me o caminho; o segundo
"eu" a-presenta-se ao mundo, percorre o caminho. Um inconsciente,
subterrâneo; outro consciente, superficial. Os dois são eu.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
O "primeiro
eu" aparece primeiro, "a priori", antes que o ego tome
consciência de si próprio, antes da emergência de qualquer forma de identidade,
personalidade, símbolo, conceito ou significado - logo, é inclusive anterior ao
próprio mundo, na sua forma existencial, pois ainda não emergiu o exist(ente).
Nesse primeiro e fugaz momento que precede o ego, a consciência é apenas luz,
pura presença, onde não há forma ou individuação. E, no princípio, o ego que
emerge, ainda embrionário, não faz mais do que "pairar sobre a superfície
das águas", ainda incapaz de distinguir na homogeneidade branca da luz da
consciência qualquer espécie de forma ou individuação. Ainda não há mundo, pois
não se consumou ainda a cisão entre sujeito e objeto; ainda não se
"separou a luz das trevas", nem se rasgou o "firmamento entre as
águas para as manter separadas umas das outras").</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
Cedo passamos a
existir na esfera existencial das coisas individuadas (formas, objetos,
conceitos, ideias), cujo centro absoluto é o nosso ego (mais uma forma),
esquecendo rapidamente da luz que o precede, que ilumina os objetos, que lhes
dá ser (como rapidamente nos esquecemos do ar que respiramos). Somos por vezes
levados a acreditar, como idólatras, que essas formas e objetos é que são
"reais", que o mundo que existimos enquanto indivíduos é tudo o que existe,
subsistindo por si próprio.(sim, é mesmo "mundo que existimos", e não
"em que existimos", pois é o existente que existe o mundo, no sentido
em que o mundo "é existido" pelo existente, i.e., é uma projeção,
extensão ou exsudação de si próprio).</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
Mas esquecemo-nos
rapidamente que sem consciência não há mundo; ou seja, que é através da
experiência subjetiva - cuja qualidade é ideal ou mental (como quem diz,
imaterial) -, que a concretude material do mundo chega a nós, ou toma forma no
nosso espírito. Dito de outra forma: a primeira, mais imediata, evidente e
"real" de todas as realidades é a consciência. Todas as outras
realidades que constituem a esfera do nosso mundo, da nossa realidade
existencial, devem a sua luz à luz da consciência, em maior ou menor grau. São,
a bem dizer, realidades mediatas, em segunda-mão, pois só a consciência é
"prima facie". E o que é realmente intrigante é que a fonte dessa luz
está radicada bem no interior de nós, sendo talvez o aspecto mais importante e
que melhor define a nossa natureza, a natureza de todos os seres sencientes, e
a própria vida enquanto fenómeno.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%;">
E saber olhar,
meditar sobre o que se está a ver (sejam objetos ou ideias), não é mais do que
captar o seu caráter fundamental de "pura presença", que é sobretudo
a consciência atravessando a forma, reconhecendo-se a si própria nela, e por
isso dissolvendo temporariamente a distinção entre sujeito e objeto,
restaurando a visão plena da consciência de si para si.</div>
</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-74534459880445638852015-07-20T12:57:00.002+01:002015-07-20T13:26:37.664+01:00O bosão da consciência – uma proposta humildemente audaciosa para resolver o “hard problem” da experiência subjetiva<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: large;">O mistério da
consciência – nota introdutória</span><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<b> <o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b> </b>O
filósofo norte-americano David Chalmers divide o problema da consciência em
dois níveis<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>. O primeiro, o dos “easy
problems”, tem que ver com o funcionamento dos processos neurológicos relativos
à cognição, perceção, emoção, etc. Isto é, tem que ver com a compreensão do
funcionamento da “maquinaria” biológica que faz do cérebro um extraordinário
mecanismo de processamento de informação, reconhecimento de padrões,
conhecimento, perceção, etc. A neurociência têm atalhado estas questões com
bastante sucesso nas últimas décadas, e não é de todo implausível que a maior
parte delas venha a ser resolvida satisfatoriamente nos próximos dez, quinze
anos. Este sucesso deve-se sobretudo ao progresso significativo das tecnologias
de análise e mapeamento ao serviço da investigação neurocientífica. Aliás, como
se sabe, foi posto em marcha recentemente um projeto de mapeamento total do
cérebro para os próximos anos (o “BRAIN Initiave”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a>) apadrinhado
pelo governo norte-americano, que visa precisamente fazer um mapa completo da
anatomia do cérebro e resolver – ou lançar as bases para a resolução – de
muitas destas questões. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
De facto, por mais rigorosos que
sejam os mapas do cérebro, por mais abrangentes e profundos que sejam os
tratados que descrevem certos aspetos do seu funcionamento, há uma dimensão da
consciência que continua a escapar aos melhores (cientistas e filósofos). Esta
dimensão é precisamente o segundo nível do problema identificado por Chalmers,
o do “hard problem” da consciência. Porque, admiravelmente, os neurocientistas
são capazes de explicar em parte o modo como o nosso cérebro identifica, por
exemplo, uma face conhecida na rua, descrevendo os processos neurológicos que
lhe estão subjacentes; conseguem, inclusive, descrever com algum sucesso o modo
como o cérebro transforma os dados dispersos que penetram pelos sentidos em
padrões informacionais reconhecíveis, isto é, o modo como o cérebro, na
prática, traduz a informação que vem do mundo (por ex., através da luz), em
padrões, imagens mentais, ideias, perceções. Aquilo que eles falham
permanentemente em explicar, a “pedra no sapato” da investigação
neurocientífica, é o modo como somos capazes de <i>percecionar subjetivamente</i> esses padrões, essas imagens mentais,
essas perceções. Dito de outro modo, a questão fundamental é a de saber <i>como é possível a experiência subjetiva,</i>
que na prática significa perguntar acerca da natureza da mente e do mental, da
sua <i>qualidade </i>(<i>qualia</i>). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Pois, apesar da reconhecida importância da descrição e explicação dos
processos fisiológicos que estão na origem da cognição, memória, reconhecimento
de padrões, etc., não se pode negar que o cérebro não se limita a ser uma
máquina de processamento de informação, mera exterioridade toda ela circuitos,
módulos e redes neuronais. Existe uma realidade por detrás de tudo isso que não
podemos ignorar ou “atirar para debaixo do tapete”, porque todos a
experimentamos a cada momento de uma forma intensa e vívida, e sem ela não
seriamos diferentes do nosso computador pessoal, ou, em verdade, de um simples
microondas. É a experiência da <i>interioridade</i>,
ou, se quisermos, da <i>subjetividade</i>, esse
espaço interno, irredutível e intransmissível onde decorre toda a nossa vida
mental, cognitiva, emocional, em suma, significante <i>para nós</i>. Se duas pessoas olham para a mesma árvore, é certo que
ativam os mesmos circuitos neuronais responsáveis pela cognição e perceção
(ativação que pode ser visível através de um scan), mas cada um chamará <i>sua</i> à perceção que tem da árvore, porque
cada um a ela terá acesso no reduto intransmissível da sua subjetividade (algo
que está completamente inacessível à tecnologia de rastreio, por mais
desenvolvida que seja). Se duas pessoas se queimam com um fósforo, o mesmo
acontece: cada um sentirá a dor respetiva de um modo único, subjetivo, pessoal,
intransmissível. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Toda a perceção interna ou externa
(i.e., de estados internos como a tristeza e a alegria, ou resultantes de
estímulos provenientes dos sentidos) tem uma componente subjetiva. Com efeito,
se quisermos ser rigorosos, não há perceção externa, <i>porque toda a perceção é interna</i>, isto é, ocorre no espaço de uma
interioridade subjetiva. E na perceção interna, enquanto experiência subjetiva,
reside o núcleo do problema da consciência. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Insistimos neste ponto: a descrição
fisiológica do modo como o cérebro produz imagens mentais, padrões, ideias, não
explica esse “ver” subjetivo (chamemos-lhe assim), que constitui a perceção
interna acessível, de forma privilegiada, exclusivamente aquele sujeito que
habita uma dada interioridade. Um supercomputador é também capaz de processar
informação e produzir “imagens”, mas estas não são percecionadas subjetivamente
por ele. É preciso que outrem que não o computador interprete essas imagens
projetadas num ecrã, um outrem <i>dotado de
uma subjetividade</i>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Entendemos, por conseguinte, que o desbloqueamento do impasse do problema
da consciência - que algumas das melhores mentes consideram pura e simplesmente
irresolúvel, e outras resolúvel a seu tempo, mas ainda fora do alcance dos
nossos instrumentos técnicos e teóricos<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a> - implica
uma mudança de paradigma que não atribua a emergência da consciência
exclusivamente aos processos bio-fisiológicos do cérebro, mas, quem sabe, a
dimensões do mundo quântico ainda desconhecidas. Neste trabalho apresentamos
uma hipótese que vai nesse sentido, ainda que de um modo preliminar e,
admitimos, bastante especulativo. Limitamo-nos, em parte, a insistir na
proposta já feita por alguns físicos, entre os quais Roger Penrose<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a>, de
que o mundo quântico talvez possa ter um papel muito importante – senão mesmo
fundamental – na resolução do “hard problem” da consciência.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Além do mais, partilhamos também da visão de Chalmers<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></a> segundo
a qual o fenómeno da consciência deve cada vez mais ser entendido como algo que
está de algum modo inscrito no tecido fundamental do próprio universo, uma
espécie de força ou grandeza tão fundamental como, por exemplo, a gravidade, o
electromagnetismo ou até o espaço e o tempo, e não como um simples subproduto
biológico do cérebro, sem grande mistério. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não dispomos, nem do conhecimento, nem da evidência, nem dos necessários
instrumentos científicos e matemáticos para sustentar cientificamente a nossa proposta.
Este é um artigo, antes de mais, especulativo, filosófico. O progresso do
conhecimento também se faz de imaginação, e por vezes, tal como propunha
Einstein, é preciso recorrer a uma nova forma de pensar, se um problema persiste
em não se deixar solucionar recorrendo aos velhos modos. Por vezes é preciso
dar um passo atrás, ver a “big picture”, e aceitar que as respostas podem vir
precisamente de onde menos se espera. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Ainda que a hipótese que propomos seja falsa, ou apenas incompleta, deve
pelo menos ser atendida por quem tem o necessário conhecimento e instrumentos
para a avaliar e testar. Este artigo foi escrito por filósofos (passe a
imodéstia), e não por físicos. Se for verdadeira, total ou parcialmente,
melhor. Se não for, como é extremamente provável que não seja, terá pelo menos
sido mais um degrau no processo de tentativa e erro através do qual progride o
conhecimento. É, todavia, segundo entendemos, dever de quem pensa, <i>pensar</i>, e pensar diferente quando
necessário, mesmo correndo o risco de errar, mesmo correndo o risco de perder
as boas graças do seus pares, o seu estatuto, a sua reputação. Tal como
defendia Popper, o progresso científico tem paralelo com a evolução biológica:
são mais os erros, as conjeturas que se vieram a revelar falsas, do que aquelas
que se vieram a revelar verdadeiras, do mesmo modo que foram mais os erros e os
ramos sem saída da evolução biológica do que os sucessos. Todavia, sem esta
imensidão de erros e falsas partidas nenhum progresso seria possível, ainda que
o preço a pagar tenham sido gerações inteiras de esforços e sacrifícios nunca devidamente
recompensados. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal">
<b><span style="font-size: large;">As forças
fundamentais do universo – partículas, campos quânticos, e interação entre eles</span><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
São conhecidas quatro forças fundamentais no universo, cada uma delas
dispondo de uma partícula que a transporta e transmite: a força electromagnética
é transmitida pelo fotão, a força gravitacional pelo gravitão (ainda por
descobrir), a força nuclear forte pelo gluão, e a nuclear fraca pelas
partículas W e Z. Estas partículas-transporte de força (<i>force-carrier particles</i>) são normalmente incluídas na categoria dos
“bosões”.<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn6" name="_ftnref6" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></a>
Acresce a existência do chamado “bosão” ou “campo” de Higgs, que confere massa
à maioria das outras partículas pelo modo como interage com elas, e está
presente em toda a parte no universo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Com efeito, cada uma destas partículas-transporte de força (ou
“partículas mensageiras”, como também são chamadas) deve ser vista, não no
sentido clássico, como uma espécie de berlinde de matéria em dimensão micro,
mas como um “quantum” de energia, isto é, como uma certa quantidade, muito
pequena, de energia pura, inserida num campo energético mais vasto que podemos
designar por “campo quântico”. Tal como explica Gribbin (1986), </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-left: 36.0pt; text-align: justify;">
<span style="font-size: 11.0pt; line-height: 150%;">“A energia surge em
unidades definidas, chamadas quanta, cada uma das quais com uma quantidade
definida de energia, ou de massa. As partículas são pedaços energéticos do
campo, confinados a uma certa região pelo princípio da incerteza<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn7" name="_ftnref7" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11pt;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></a>.”
(211)<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-left: 36.0pt; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Neste contexto, cada campo de força, seja gravitacional, nuclear ou
electromagnético, não é senão um campo de energia onde ocorrem flutuações e
trocas energéticas constantes através de pequenas unidades ou “pacotes”
energéticos que se movimentam ao longo de “linhas de força”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn8" name="_ftnref8" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></a>. Cada
um desses “pacotes” é uma partícula, como um fotão, um electrão, um gravitão,
ou um gluão, mas pode também ser visto como uma onda, dado que cada unidade
definida de energia possui o seu próprio campo quântico, as suas flutuações
energéticas próprias, e só pode ser convenientemente descrito através de uma
“função de onda”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn9" name="_ftnref9" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[9]</span></span><!--[endif]--></span></a>. É daí que vêm a chamada
“dualidade onda-partícula” que caracteriza o mundo subatómico, e que está na
base da física quântica. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O que nos importa aqui sublinhar, acima de tudo, é que existem várias
espécies de campo de força, que são, na prática, campos de energia ou “campos
quânticos”, que estão por toda a parte no universo, constituídos por unidades
definidas, “quantas” de energia às quais se convencionou chamar de
“partículas”, mas que também podem ser vistos como “ondas”, dado o seu
comportamento flutuante e fundamentalmente imprevisível. Com efeito, podemos
pensar na totalidade do universo como “uma multiplicidade de campos e partículas
a interagirem” (Id.: 208).</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
De facto – e este parece-nos um dos pontos mais relevantes -, nós
próprios e os restantes corpos materiais do universo, todos constituídos por
partículas atómicas e subatómicas, pedaços de energia, campos quânticos, <i>interagimos com todas e cada uma das forças
que constituem a trama fundamental do cosmos</i>, de tal modo que se assim não
fosse, seriamos de certo muito diferentes daquilo que somos. As forças cósmicas
que melhor conhecemos – gravitacional, electromagnética, nuclear forte e fraca,
campo de Higgs -, não se manifestam por si só, mas pelo modo como interagem e
influenciam o comportamento e estrutura da matéria, não apenas a nível
microscópico mas também macroscópico. Pois vejamos: a luz propaga-se através do
campo electromagnético (cuja partícula-transporte é o fotão). Mas, apesar de a
luz estar por toda a parte, em vários comprimentos de onda, só somos capazes de
ver a luz do dia se a nossa retina – ou a matéria atómica e subatómica da nossa
retina – estiver no caminho da luz, e for por isso capaz de interagir com o
campo electromagnético (logo, com as partículas-onda fotónicas). Só somos
capazes de ouvir as pessoas que falam connosco ao telemóvel, do outro lado da
linha, porque existe um dispositivo dentro do telemóvel que é sensível, isto é,
interage com o campo hertziano (uma outra forma de campo electromagnético que
está por toda a parte) que nós, seres humanos, nos tornamos capazes de
manipular de forma a comunicarmos a grandes distâncias, através da transmissão
electromagnética de “pacotes de informação”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Analogamente, é através da interação com o campo gravitacional – dos mais
ubíquos do universo – que a matéria se agrega para formar estrelas e todos os
restantes corpos astronómicos, que os planetas orbitam as suas estrelas
respetivas, e que nós próprios somos exatamente aquilo que somos, com a nossa
estrutura corporal adequada à medida exata da força da gravidade terrestre,
graças à qual nós e tudo ao nosso redor – até o próprio ar que respiramos - se
mantém bem preso ao chão. Parafraseando Greene (2004:255), estamos todos
imersos num mar de campos gravitacionais. Em boa verdade, estamos imersos numa
plêiade de vários campos de força, com os quais interagimos permanentemente sem
nos darmos conta, e sem os quais jamais seriamos aquilo que somos, nem sequer o
próprio universo seria o mesmo. A nossa própria história evolutiva – e a de
todos os seres vivos conhecidos – foi decisivamente influenciada pela interação
com as várias forças cósmicas, na medida em que constituíram e constituem o
contexto físico em que a evolução se deu e dá ainda. Tudo o que somos,
bio-fisiologicamente falando, diz muito acerca do que o próprio universo é. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O campo de Higgs (também designado por “bosão de Higgs”) é um outro
exemplo de um campo de força com uma importância fundamental e, segundo se crê,
verdadeiramente ubíquo (há quem o chame de “oceano de Higgs”, por permear todo
o universo como uma espécie de “relíquia gelada” dos primeiros segundos do Big
Bang<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn10" name="_ftnref10" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[10]</span></span><!--[endif]--></span></a>). Segundo
se crê, é através da interação, a um nível quântico bastante profundo, com o
campo-partícula de Higgs (o tal “bosão”), que todas as outras partículas
subatómicas adquirem massa, e, por inerência, toda a matéria. Por conseguinte,
uma partícula, como, por exemplo, um electrão ou um protão, têm tanto mais
massa quanto maior for a sua interação com o campo de Higgs; isto é, dito de
outra forma, <i>quanto maior é a resistência
que o campo de Higgs oferece ao movimento dessa partícula</i>. Outras
partículas, como o fotão por exemplo, pura e simplesmente não têm massa, visto
que são tão pequenas que passam despercebidas ao campo de Higgs, i.e.,
simplesmente não interagem com ele.<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn11" name="_ftnref11" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[11]</span></span><!--[endif]--></span></a> </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A nível macroscópico, todos podemos de facto “sentir” o campo de Higgs,
em especial quando experimentamos um movimento de aceleração (como quando o
carro arranca subitamente e ficamos com as costas pregadas ao assento, ou
quando fazemos uma curva apertada na estrada e somos como que projetados na
direção do movimento). Na verdade, o campo de Higgs pode ser uma forma de
explicar a lei da inércia, segundo a qual todos os corpos tendem a resistir às
mudanças de estado (do repouso ao movimento, do movimento ao repouso).<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn12" name="_ftnref12" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[12]</span></span><!--[endif]--></span></a>
Quanto maior a massa do corpo (ou seja, a sua quantidade de matéria), maior é a
resistência que oferece, o que não admira porque mais matéria significa mais
partículas, logo, mais resistência oferecida pelo campo de Higgs a nível
quântico.<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn13" name="_ftnref13" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[13]</span></span><!--[endif]--></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: large;"><br /></span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><span style="font-size: large;">Um bosão da consciência? – o fenómeno da
experiência subjetiva como emergência de uma possível interação entre a matéria
do cérebro vivo e um campo quântico (ainda) desconhecido</span><o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A tese que aqui propomos é a de que a consciência, em particular enquanto
<i>experiência subjetiva</i> (<i>awareness</i>) da qual todos os seres vivos
sencientes são dotados, é não apenas produto emergente do cérebro vivo, mas
também de uma força cósmica ainda por explicar e descrever, que se comporta de
modo semelhante às forças já descritas, i.e., através de partículas, campos
quânticos ou campos de força. Mais concretamente, propomos que existe uma
espécie de “bosão” ou campo quântico que, <i>em
relação com a matéria do cérebro vivo</i>, faz emergir a consciência ou vida
mental, tornando possível a experiência subjetiva nos seres vivos. Propomos que
existe uma espécie de partícula-transporte da consciência semelhante às que
assistem às outras forças, mas muito mais subtil. Esta partícula ou campo, ao
interagir com o cérebro, tornaria possível a experiência subjetiva, condição
indispensável à existência de uma interioridade mental. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não pretendemos com isto defender uma versão maximalista de um qualquer
tipo de “substância” dotada de todas as faculdades intelectuais, cognitivas e
emocionais do sujeito consciente (muito semelhante, em todos os aspetos, a uma
“alma”), não deixando qualquer margem de participação às funções bio-fisiológicas
do corpo em geral e do cérebro em particular na realização destas faculdades.
Não defendemos nenhuma espécie de teoria da “encarnação” da consciência num
corpo físico, visto apenas como um continente ou depósito dessa substância,
passivo, tornando irrelevante o cérebro e as suas funções. Propomos, sim, uma
versão minimalista tendente a explicar, exclusivamente, a realidade da
experiência subjetiva, partindo do pressuposto inegável de que o cérebro,
enquanto complexo biológico – na verdade o mais complexo dos mecanismos
biológicos conhecidos – é de facto a origem de todas as funções neurológicas
conhecidas: intelectuais, cognitivas, emocionais, voluntárias e involuntárias,
na linha do que nos mostra a vanguarda da investigação neurocientífica. Admitimos, inclusive, o pressuposto
fisicalista do <i>no brain, never mind </i>(sem
cérebro não há mente). O que negamos, por outro lado, é que as funções
fisiológicas do cérebro vivo sejam o único factor responsável pela consciência,
i.e, que esta seja um produto <i>exclusivamente</i>
bio-fisiológico. Noutras palavras, propomos que sem esta interação misteriosa
entre a matéria do cérebro vivo e o que nós designamos por “bosão da
consciência” (algo que só um mecanismo da complexidade de um cérebro pode
conseguir) a um nível quântico bastante profundo, simplesmente não há vida
mental nem consciência (logo, <i>no
conscienton, never mind</i>). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Propomos que esta interação do cérebro – ou de algo que emerge do cérebro
biológico vivo – com o nível quântico fundamental desta partícula-campo que
está por toda a parte, semelhante, pelo menos nesse aspeto, ao bosão-campo de
Higgs – é o que torna possível a emergência da experiência subjetiva no domínio
de uma interioridade mental (não apenas subjetiva mas <i>pessoal</i>, se falamos de seres intelectualmente mais complexos tais
como o homem). Como se o cérebro – repetimos: o mais complexo e extraordinário
mecanismo biológico conhecido – fosse capaz de “sintonizar-se” com um
determinado nível quântico fundamental, inscrito na trama mais básica do tecido
cósmico, associando-se a ele para produzir consciência, vida mental,
subjetividade. A possibilidade dessa interação diferenciá-lo-ia, por ex., de
uma simples máquina de processamento de informação (vulgo computador), que por
muito sofisticada e rápida que seja a fazer cálculos, <i>não pensa, não sente</i>, em resumo, <i>não tem vida mental ou interioridade; </i>ou, para utilizar a terminologia
filosófica em voga, não tem<i> qualia</i>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Não defendemos com isto que uma máquina não possa vir a adquirir a sofisticação
suficiente para produzir ou <i>simular</i>
pensamentos, sentimentos e emoções, mas não terá de facto interioridade, vida
mental, <i>qualia</i>, enquanto não for
capaz de “sintonizar-se” a nível quântico com esta partícula ou campo quântico
de energia (o tal hipotético “bosão da consciência”), algo que só um mecanismo
da complexidade de um cérebro pode fazer, através de um processo ainda
desconhecido. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Embora o ser consciente seja dotado, tal como um computador, de um <i>hardware, </i>ou seja, de um mecanismo capaz
de processar e armazenar informação (o cérebro), indispensável à sua vida
mental, é além do mais <i>sensível</i> à
informação produzida, sendo capaz de <i>visualizar
mentalmente</i> uma imagem, uma ideia, um significado; é também capaz de
percecionar subjetivamente uma sensação física (dor, quente, frio, etc.), tudo
no espaço irredutível de uma interioridade, uma espécie de dimensão imaterial
constituída exclusivamente de estados mentais, na qual o fenómeno electroquímico
só pode existir na sua face mental; qualquer estado mental (ideia, imagem
mental, padrão) ao projetar-se no espaço mental encontraria eco numa retaguarda,
um limite que não é indiferente à ideia projetada, condição sine qua non da <i>reflexividade</i>. O ser consciente é, pois,
reflexivo, porque dotado de uma interioridade onde todo o significado <i>ecoa significativamente</i>, graças ao
fenómeno da experiência subjetiva; i.e., não se dispersa inutilmente, não cai
no vazio nem na indiferença, tal como acontece num supercomputador que, por
mais sofisticado, não é sensível à própria informação que produz, não a
perceciona subjetivamente, não é capaz de atribuir significado, antes a produz <i>para outrem</i>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Ora, esta subtil “retaguarda”
consciente que, segundo sugerimos, torna possível a subjetividade, é
constituída pelo que designo por<i> núcleo
quântico da consciência</i>, que talvez se comporte como uma espécie de “campo
de força”, que, tal como qualquer outro campo – p. ex. os campos gravitacional,
nuclear forte e fraco, electromagnético ou o campo de Higgs – resulta do
intercâmbio de “quanta” ou partículas de energia. Estas partículas, embora
ubíquas, embora presentes, tal como supomos, em toda a parte no universo, só
poderiam efetivamente influenciar sistemas físicos de grande complexidade, tais
como cérebros, ao ponto de, interagindo com eles, fazer emergir a experiência
subjetiva nos seres vivos. Como se, em termos quase metafóricos, a consciência
existisse como potência no tecido cósmico mais fundamental, aguardando que
certos sistemas atingissem suficiente complexidade para com ela interagir e
fazer emergir sujeitos conscientes. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Deste modo, sugerimos que consciência não é produzida, nem apenas pelo
cérebro físico (pressuposto fisicalista), nem apenas por uma espécie de “alma”
dotada de todas as faculdades da consciência, <i>mas antes por uma relação misteriosa, ao nível quântico, entre o cérebro
e um determinado campo de força ou quântico, análogo ao de Higgs mas mais
subtil, ou então com uma espécie de “partículas-transporte da consciência”,
análogas aos fotões ou gravitões, existentes a um nível quântico muito subtil
do tecido cósmico</i>. Esta consciência não estaria toda dada já no tecido
cósmico, a priori constituída, sendo apenas uma potência aberta, uma
possibilidade, tal como o campo de Higgs não é a própria massa já constituída,
mas a condição de possibilidade para que a massa exista nos corpos materiais. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Seria - não é demais repetir - como se o tecido mais fundamental do
cosmos contivesse um potencial de consciência, que só seria atualizado em
condições muito particulares, isto é, a níveis muito elevados de complexidade,
ao nível dos que permitem a vida e a emergência de mecanismos biológicos
altamente complexos, como o cérebro. Assim, certas possibilidades inscritas a
níveis quânticos fundamentais do tecido cósmico iriam sendo atualizadas à medida
que o próprio cosmos se fosse complexificando, e encontrando, na sua própria
matriz, os germens de novas emergências, no decorrer do processo de evolução e
expansão. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Isto conferiria, não o negamos, um caráter teleológico à evolução do
universo, como se este evoluísse em direção à concretização de certos
objetivos, inscritos a priori, enquanto potências, na trama fundamental do
cosmos, numa espécie de evolução por desdobramento de certas potências básicas
(entre as quais, a consciência). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Eis, em síntese, a ideia fundamental deste artigo: <i>a consciência enquanto experiência subjetiva é um produto emergente da
relação entre o cérebro e o nível quântico das partículas ou campos quânticos
(os “conscientões”)</i>. Este nível quântico seria mais subtil, i.e., situar-se-ia
a um nível mais fundamental que o nível das quatro forças físicas conhecidas,
ou seja, gravidade, forças nucleares forte e fraca, e electromagnetismo. Um
nível tão fundamental que só um dispositivo biológico suficientemente complexo
poderia com ele interagir de modo a produzir uma nova espécie de força – a
consciência (tal como, à guisa de analogia, os efeitos da gravidade, a mais
fraca de todas as forças conhecidas, só se manifesta significativamente em
corpos de grandes dimensões)<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn14" name="_ftnref14" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[14]</span></span><!--[endif]--></span></a>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Vejamos: não pretendemos que a consciência ou vida mental subjetiva
exista como que de modo independente, <i>fora
do sujeito ou dispensando um</i>, a priori já totalmente constituída na sua
estrutura fundamental, a esse nível quântico, como uma espécie de “homúnculo”
cósmico, do mesmo modo que a massa ou gravidade não estão constituídas a priori,
como forças, nas suas partículas ou campos respetivos. Todo o campo de força se
manifesta pelo modo como interage com a matéria: a massa emerge da relação
entre certas partículas atómicas de maior dimensão, como protões e neutrões,
com o campo de Higgs; a gravidade – supõe-se - emerge do intercâmbio de
gravitãos entre os átomos da matéria (quanto mais massa ou quantidade de
matéria tem um corpo, mais forte é a sua força de atracão gravítica); de modo
análogo, também a consciência, isto é, a condição de possibilidade da
experiência subjetiva emergiria, supomos, da relação entre a matéria neuronal
(p. ex. a nível atómico ou subatómico), de apenas um módulo ou <i>cluster</i> neuronal localizado, ou da
totalidade do sistema neuronal, e as tais partículas ou campos quânticos que
designamos por “conscientões”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A questão que se coloca é a seguinte: será implausível que um campo de
força ainda desconhecido seja parcialmente responsável pela emergência da
consciência enquanto experiência subjetiva? Propomos, precisamente, que a
resposta é sim, e que portanto o cérebro será de algum modo afetado por essa
força fundamental, tal como qualquer corpo, de modo análogo, é afetado pela
gravidade, ou um simples íman é afetado pela força electromagnética, ou o
núcleo atómico se mantém unido através da força nuclear forte. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A visão fisicalista convencional defende que a consciência é um produto
exclusivo do cérebro, uma emergência que resulta de processos neuro-biológicos
misteriosos que, apesar de toda a nossa sofisticação tecnocientífica, continuam
a escapar-nos. Daí o filósofo Chalmers se ter referido ao problema da
consciência como um “hard problem”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Não obstante todas as dificuldades, este paradigma da consciência que
tudo reduz ao fisiológico mantém-se vigente como uma ortodoxia materialista
entre a comunidade de investigadores. O impasse atual na resolução do “hard
problem” da consciência talvez exija uma mudança de paradigma que abra a porta
a outras possibilidades, por mais estranhas que possam parecer. Não dizemos que
um planeta produz a sua própria gravidade, mas antes que a matéria de que é
constituído é afetada pelo campo gravitacional, sendo que a face visível dessa
influência é, por ex., a queda de um corpo, as órbitas dos planetas, ou a
deflexão da luz de uma estrela distante; não dizemos que um corpo produz a sua
própria massa, mas antes que as partículas atómicas e subatómicas que o
constituem são afetadas por outra força mais fundamental – o campo de Higgs;
analogamente<i>, será assim tão implausível
que a matéria do cérebro seja afetada por uma força que lhe é exterior,
inscrita de algum modo a nível quântico, sendo a face visível dessa influência
precisamente a consciência enquanto experiência subjetiva? <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Mas como? Poderíamos supor que os
átomos do cérebro intercambiassem entre si estas partículas-transporte, através
de um campo de força que abrangesse toda a estrutura neuronal do cérebro, uma
espécie de “rede quântica”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn15" name="_ftnref15" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[15]</span></span><!--[endif]--></span></a> de
tal forma complexa e ao mesmo tempo subtil, abrangente e forte ao ponto de ser
capaz de superar a dispersão fragmentária dos fenómenos neurológicos, unindo-os
num todo quase indestrutível, uma “unidade de consciência” que poderíamos
designar de “proto-sujeito”, por se tratar do substrato quântico de toda a
experiência subjetiva, e consequentemente a base da própria subjetividade. Esta
“rede quântica”, que designamos por<i>
núcleo quântico da consciência</i>, seria o ponto de origem do <i>continuum</i> do “si”, ou seja, o eixo
irredutível, uno que concretiza aquela cisão entre consciência e mundo<i> </i>que caracteriza o “despertar” subjetivo
do sujeito, condição fundamental de todo o pensar e todo o conhecer. Seria,
para usar uma metáfora cinematográfica, como a tela onde toda a ideia, todo o
padrão informacional produzido pelo cérebro se projetaria, e seria<i> </i>efetivamente<i> percecionado subjetivamente como mental.</i> A tal tela que permite o
estar-desperto (<i>being-aware</i>) que
caracteriza a consciência, desperto ao mundo e também para si próprio, sendo
capaz de auto-referência, de <i>consciência
de si</i>. Sem esta espécie de “embasamento” consciente, toda a perceção se
dissiparia num nada, pois não existiria uma “unidade de consciência” que unisse
os vários fragmentos de imagens, perceções, representações mentais, numa única
perceção dotada de uma “unidade de representação” que a consciência
reconheceria como <i>sua</i> por com ela se
identificar completamente. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O filósofo alemão I. Kant, na <i>Crítica
da Razão Pura</i>, escreveu, muito a propósito, que “…as diversas
representações, que nos são dadas em determinada intuição, não seriam todas
representações <i>minhas</i> se não
pertencessem na sua totalidade a uma autoconsciência”, isto é, “O pensamento de
que estas representações dadas na intuição <i>me</i>
pertencem todas equivale a dizer que eu as uno em uma autoconsciência ou pelo
menos posso fazê-lo”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn16" name="_ftnref16" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[16]</span></span><!--[endif]--></span></a>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Ou seja, não poderíamos, por exemplo, ter perceção visual subjetiva de
uma árvore à nossa frente, se a imagem mental produzida pelo nosso cérebro não
encontrasse pela frente uma consciência que, precisamente por ser unificada (um
“eu penso” para falar como Kant), confere “unidade de consciência” aos
diferentes fragmentos de perceção que constituem a imagem mental da árvore: “Se
qualquer representação particular fosse completamente alheia às demais, se
estivesse como que isolada e separada das outras, nunca se produziria alguma
coisa como o conhecimento, que é um todo de representações comparadas e
ligadas.”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn17" name="_ftnref17" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[17]</span></span><!--[endif]--></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Com efeito, esta “unidade de consciência” ocorre <i>espontaneamente </i>(isto é, imediatamente, inconscientemente), através
daquilo que Kant designa por “unidade originariamente sintética da aperceção”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn18" name="_ftnref18" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[18]</span></span><!--[endif]--></span></a>, de
tal modo que o resultado desta síntese está depois em condições de ser <i>apresentado </i>à consciência como algo
unificado: uma imagem mental, uma ideia, um conceito. Dito de outro modo, só há
perceção subjetiva, conhecimento, quando aos processos cognitivos que produzem
perceções, imagens mentais, padrões, se associa um “espetador”, essa
consciência unificada, esse “eu penso” disposto a receber esses produtos, a <i>tomar consciência</i> deles na sua unicidade
(que é, basicamente, reflexo da própria unicidade da consciência do “espetador”).
Tal como diz Kant, “…a <i>recetividade</i>,
só unindo-se à <i>espontaneidade</i>, pode
tornar possíveis conhecimentos.”<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn19" name="_ftnref19" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[19]</span></span><!--[endif]--></span></a></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Só é possível a perceção subjetiva (e, por consequência, o conhecimento),
se todos os padrões, ideias, imagens mentais produzidas pelo cérebro se
submeterem à consciência unificada, de tal modo que ela própria, isto é, o “eu
penso” se possa identificar com essa perceção, encontrar-se nela, não só no seu
todo mas em cada uma das suas partes, de tal forma que o sujeito lhe possa
chamar de <i>sua</i> (“A minha dor”, “O meu
sentimento”; “A minha memória”). <i>O
reconhecimento imediato, espontâneo, da unidade de uma perceção por parte do sujeito
espetador, é simultaneamente o reconhecimento da unidade do próprio espetador,
refletida na unidade da perceção</i>. Uma dor percecionada de forma
fragmentada, parcialmente, não é uma dor <i>minha</i>.
Tem de haver uma sobreposição total, imediata, entre a consciência unificada do
“espetador” e os estados mentais, ou não pode haver experiência subjetiva. Sobreposição
que implica <i>contacto</i>, cuja natureza
constitui o grande mistério da experiência subjetiva: contacto <i>entre o quê</i>, ou entre <i>o quê e quem, </i>e <i>como</i>? Duas substâncias <i>à la</i>
Descartes? Apenas uma? Qual a natureza da consciência unificada, do “espetador”
privilegiado?</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Com efeito, cremos que existe um facto que concorre a favor do caráter
quântico desta “consciência unificada” (o reduto do “espetador”), condição da
própria unidade de qualquer espécie de experiência subjetiva (a tal “rede
quântica” que propomos). Pois vejamos: a produção cerebral de qualquer padrão
ou imagem mental (sensação, perceção visual, etc.) implica a ativação de várias
áreas ou “clusters” neuronais separados, em simultâneo, cada um responsável por
diferentes funções cognitivas. Isto é, apesar de áreas diferentes, distantes
entre si, serem responsáveis pela produção de uma mesma imagem mental, a
experiência subjetiva dessa mesma imagem é sempre una, pelo que seria de
esperar que fosse possível localizar no cérebro uma espécie de “centro da
experiência subjetiva”, onde todos os processos concorrentes na produção de um
conteúdo mental convergissem, num ponto bem determinado, para dar origem à
experiência subjetiva de uma perceção unificada. Ora, tanto quanto se sabe,
esse centro não existe. Como é então possível que uma imagem mental seja
percecionada subjetivamente como uma unidade irredutível, se os processos que
lhe dão origem ocorrem em pontos separados do cérebro, e não existe um <i>local</i> onde estes possam convergir? É
como se, na verdade, não existisse um centro bem localizado para a experiência
subjetiva, ou como se este “centro” estivesse em toda a parte e em parte
nenhuma do cérebro, isto é, como se fosse <i>não-local.
</i>Isto é, se o nosso cérebro for colocado sob um scan, precisamente enquanto
ouvimos a 9ª sinfonia de Bethoven, veremos diversos “flashes” em pontos
separados do cérebro, uns responsáveis pela audição, outros pelo reconhecimento
de padrões, etc., enquanto, ao mesmo tempo, sem qualquer interregno ou lapso
temporal significativo, experienciamos subjetivamente, unificadamente, a
própria melodia. Ou seja, a imagem mental é como que unificada permanentemente,
mas de uma forma não-local, sem centro definido. Como bem se sabe, a
não-localidade é um aspeto da realidade quântica que tem sido corroborado uma e
outra vez por diversas experiências e observações, que apesar de extremamente
contra-intuitivo, parece fazer parte do trama mais fundamental do cosmos,
contrariando os fundamentos da visão clássica da física. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Há algo que para nós é uma evidência: a intensidade e vivacidade da
experiência subjetiva, seja qual for o seu conteúdo cognitivo, é justificação
mais do que suficiente para a crença na realidade deste fenómeno. Poderíamos
inclusive falar, neste caso, numa crença fundacional, auto-evidente, talvez a
única que exista. De todos os fenómenos do universo, este é talvez aquele do
qual temos mais certezas e garantias empíricas, precisamente porque somos dele
testemunhas imediatas e privilegiadas. Mais até do que a chuva, o fogo, ou a
explosão de supernovas, porque para cada um destes fenómenos há sempre a
possibilidade da alucinação, do sonho, do erro de perceção, do erro de cálculo.<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftn20" name="_ftnref20" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 12pt;">[20]</span></span><!--[endif]--></span></a> Não
devemos, por isso, negar o carácter cosmológico do fenómeno da consciência,
remetendo-o para um mero subproduto biológico, sem mais, procurando ignorar que
este também deve caber numa “teoria de tudo”, por ser precisamente o mais
vívido dos fenómenos que podemos experienciar, e inclusive a nossa condição de
possibilidade para experienciar seja o que for. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
A perceção subjetiva imediata, mesmo do fogo ou da chuva sonhada, é uma
realidade inegável, porque a sua negação implicaria a negação de toda e
qualquer experiência subjetiva, mesmo da experiência do próprio pensamento
sobre a possibilidade da negação. Repare-se: mesmo que negássemos um “eu
penso”, uma identidade como algo de auto-evidente, não poderíamos negar a
experiência subjetiva enquanto tal, porque se, como Kant admite, podemos de
algum modo “deduzir” a unidade do “eu penso” da unidade de uma dada perceção
(que é, no fundo, uma racionalização a posteriori a partir do imediato de uma
perceção subjetiva), a partir de um esforço racional para compreender a origem
e razão de ser dessa unidade, não podemos fazer o inverso, isto é, deduzir da
unidade abstrata do “eu penso” a própria perceção subjetiva. <i>Uma experiência não pode ser inferida a
partir de um conteúdo cognitivo, de premissas num raciocínio</i>, <i>porque experiência subjetiva e conteúdo
cognitivo têm naturezas (qualidades) distintas</i>. Uma experiência
simplesmente é, ou seja, vale qualitativamente pelo que é. A razão é que,
quanto à experiência subjetiva, estamos a falar, não de um objeto, não de um
conteúdo cognitivo, mas de uma experiência <i>qualitativa
</i>básica que vale por si própria, pela experiência que suscita, isto é, não
pode de modo algum ser inferida a partir de um raciocínio, de um conteúdo
cognitivo: <i>ou se experiencia ou não se
experiencia</i>. Calculo mentalmente 20 x 20, e concluo que é igual a 400.
Embora a evidência deste resultado seja um produto lógico, a experiência
subjetiva que dele tenho, enquanto imagem mental, não o é, mas constitui ainda
assim a condição básica da própria experiência da evidência lógica, o seu
substrato. A sua qualidade, enquanto experiência subjetiva, situa-se a um nível
diferente que o da quantidade, isto é, do que o próprio conteúdo cognitivo do
pensamento, tal como o número de passos que dou enquanto ando, a intenção ou a
rapidez com que o faço, é qualitativamente diferente do chão que serve de base
ao meu andar, independentemente de como o faço, ou com que objetivo. Todavia,
sem o chão não haveria andar. O mesmo, diríamos nós, se passa com o
“embasamento” (o tal “espetador”) que torna possível a qualidade de uma
experiência subjetiva, independentemente do seu conteúdo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Descartes, depois de colocar tudo em dúvida (sentidos, razão, mundo)
concluiu que só uma coisa era indubitável – o facto de pensar, e de o fazer
enquanto sujeito que pensa (“Cogito ergo sum”). De facto, negar que se pensa é
negar a própria possibilidade de se pensar a negação do pensamento, porque ao
se pensar a negação já se está a pensar. Mas, mesmo que fossemos mais fundo e
admitíssemos que, na verdade, não pensamos de todo (porque, suponhamos, há a
possibilidade de um “génio maligno” nos fazer acreditar que pensamos por nós
próprios quando estamos simplesmente a ser manipulados), é absolutamente
inegável que, em qualquer momento do pensamento, possuímos experiência
subjetiva de qualquer coisa, de um modo imediato, pessoal e intransmissível. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Isto é: podemos ser em tudo enganados, manipulados, como no exemplo do
génio maligno; pode haver algo ou alguém que se substitua a nós em todos os
nossos processos de pensamento, perceção, etc. Mas ninguém nos pode substituir
na experiência subjetiva. Essa é só nossa. Ninguém pode, neste sentido,
substituir o <i>espetador</i> que se
encontra no reduto fundamental da nossa consciência. Dito de outra forma, as
funções neurológicas podem ser simuladas (p. ex., num computador), <i>mas a experiência subjetiva, enquanto tal,
não pode jamais ser simulada</i>. Ou existe ou não existe porque, enquanto tal,
só pode existir para o sujeito que a experimenta. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Esta irredutibilidade é que nos deve levar de facto a pensar se a
consciência não deve ser tratada, cada vez mais, como expressão de uma
realidade mais básica e fundamental, situada ao nível quântico, ao invés de uma
mera emergência de segundo ou terceiro grau de processos bio-fisiológicos, na
prática reproduzível artificialmente a longo prazo, desde que se possua a
“maquinaria” certa. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Sem este “embasamento consciente” que emerge do núcleo quântico da
consciência, também a capacidade de deliberar e decidir, ou seja, o exercício
efetivo de uma <i>vontade</i>, fica comprometido,
porque toda a deliberação implica abstração, reflexão, exercício livre de um
pensamento que livremente analisa, isto é, fragmenta, escrutina, e também
sintetiza, tudo fenómenos conscientes que só podem ocorrer se, algures no
reduto mais fundamental da mente, existir um <i>observador</i>. Ora, este observador é antes de mais, como já vimos, um
<i>espetador, </i>porque na realidade a sua
função não é nem pensar, nem deliberar, nem decidir. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Como já dissemos, a partícula-campo do “conscientão”, esse tal reduto
quântico fundamental do cosmos (o “bosão da consciência”) <i>não pensa, não delibera, não decide, não tem vontade</i>, em suma, <i>não é ativo </i>(pelo menos em si próprio).
Não é um sujeito a priori inscrito na trama mais básica do universo, mas apenas
uma força, uma espécie de energia muito subtil que, por alguma razão, é capaz
de se relacionar com o cérebro vivo de modo a fazer emergir a consciência. A
sua função, repetimos, é a de fazer emergir o <i>espetador</i>, tornando, ao mesmo tempo, viável e útil o próprio
cérebro enquanto máquina de processamento de informação, reconhecimento de
padrões, pensamento, emoção, vontade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Esta força quântica, se assim lhe quisermos chamar, ao fazer emergir a
experiência subjetiva, confere, de facto, <i>autonomia
</i>ao cérebro, porque se não existisse ninguém a “observar” o que acontece no
espaço mental imaterial, se não existisse esta fugidia figura do <i>espetador</i> privilegiado, origem e
fundamento do <i>qualia</i>, as múltiplas
possibilidades e funções de que dispõe a complexa máquina cerebral não poderiam
cumprir-se em toda a sua extensão. Tal como acontece num supercomputador, por
mais sofisticado que seja. Enquanto a inteligência artificial não for capaz de
simular este “embasamento”, e de o integrar num <i>hardware</i>, jamais um computador será um <i>sujeito</i>. Dito de outro modo, enquanto a inteligência artificial não
for capaz de criar um <i>hardware </i>suficientemente
complexo para interagir com este campo quântico fundamental, caracterizado por
partículas ou “quantuns” de energia, mais subtil que a própria gravidade,
dificilmente será possível produzir robôs com vida mental.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Mesmo que tenhamos dúvidas quanto à sua natureza, <i>não podemos ter dúvidas de que é absolutamente necessário que exista um
espetador, </i>porque sem ele nenhuma perceção é possível, e sem perceção nada
daquilo que é típico de um sujeito é possível: nem conhecimento, nem
pensamento, nem vontade. Sem um espetador, isto é, sem um “consumidor final” <i>recetivo </i>aos produtos do cérebro
(imagens mentais, representações, padrões, sensações, emoções, etc.), a
hipercomplexidade do sistema neurológico não faz qualquer sentido. Porque esta
hipercomplexidade não é um fim em si própria, mas está ao serviço de uma
subjetividade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Processamento de informação sem espetador seria como um computador pessoal
a funcionar numa sala vazia, sem ninguém por perto para interpretar a informação
projetada no ecrã. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Podemos, naturalmente, de acordo com a visão fisicalista tradicional,
supor que este espetador é também ele um produto do cérebro, mais uma função que
se desenvolve paralelamente a todas as outras funções neurológicas. A
questão-chave está em saber se efetivamente o cérebro, não obstante toda a sua
complexidade, suporta sozinho a produção, simultaneamente, da função do
espetador – i.e., da subjetividade que permite a experiência subjetiva – e de
todas as outras funções mentais, cognitivas, emocionais, etc., através das
quais ele traduz o mundo em conhecimento. Uma outra questão-chave está em saber
- caso isso não seja assim mas antes do modo como propomos - o que torna o
cérebro particularmente sensível ao tal nível quântico fundamental onde se
situa o hipotético “bosão da consciência”, essa espécie de partícula-campo
situada a um nível quântico bastante profundo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Voltamos a insistir neste ponto: este “espetador” não é um ego, não se
confunde com o meu eu, a minha identidade, a minha “alma”. Ele é a condição de
possibilidade, aberta pela relação entre o cérebro e o campo quântico muito
subtil das partículas ou “quantuns” da consciência (os “conscientões”), de todo
o funcionamento autónomo normal do cérebro, o ingrediente sem o qual este não
cumpre a sua real função, função esta que é a razão de ser de toda a sua maquinaria
biológica, que é a de fazer emergir uma nova dimensão de realidade que não
encontra paralelo em nenhuma outra parte do mundo físico – a vida mental ou
experiência subjetiva. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
À luz desta proposta, podemos especular que o cérebro, com toda a sua
maquinaria, todo o seu <i>hardware</i>
biológico, com todas as suas funções cognitivas, percetivas, de processamento e
armazenamento de informação, tem como principal função a de “traduzir” o mundo,
isto é, transformar aquilo que lhe chega, os <i>sense data, </i>os <i>inputs, </i>em
informação passível de ser interpretada e utilizada por uma subjetividade, que
não terá necessariamente a mesma origem bio-fisiológica que as restantes
funções cerebrais. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Talvez a emergência da consciência enquanto experiência subjetiva seja a
expressão de um modo de o universo se conhecer a si próprio, ou melhor, de
“regular” a sua própria evolução no sentido de uma maior complexidade, como se
procurasse ver-se “desde de dentro”, experimentar-se a partir de diversos pontos
de vida constituídos a partir de diversas singularidades subjetivas. Se
pensarmos que a consciência é um fenómeno real, incontornável, e que cada um
dos seres vivos sencientes e conscientes é, também, universo ou parte dele,
então talvez esta ideia não pareça assim tão descabida ou despropositada. Acaso
será provável que um universo tão complexo, do qual conhecemos pouco mais de
4%, não tenha sido capaz de criar as condições para se conhecer ou “regular” a
si próprio através de múltiplas formas de vida e consciência? Não implicaria
isto já, de algum modo, um potencial de consciência inscrito na trama mais
básica do cosmos, à espera de se atualizar a partir de um determinado nível de
complexidade da matéria, sendo a biológica, sem sombra de dúvida, de todas a
forma de matéria mais complexa que se conhece? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b>Bibliografia<o:p></o:p></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
KANT, Immanuel
(1997), <i>Crítica da Razão Pura</i>, trad.
de Manuela Santos e Alexandre Morujão, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b>Webgrafia</b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span lang="EN-GB">LEWIS, Tania (2014, 5 de junho), “Ambitious
Brain-Mapping Project's Science Goals Revealed”, <i>Live Science. </i></span>Acessado a 8 de junho de 2014, em <a href="http://www.livescience.com/46143-brain-initiative-unveils%20roadmap.html?cmpid=514627_20140607_25507726">http://www.livescience.com/46143-brain-initiative-unveils
roadmap.html?cmpid=514627_20140607_25507726</a>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span lang="EN-GB">Lewis, Tânia (2013, 31 de maio), “Will
We Ever Understand Consciousness? Scientists & Philosophers Debate”, <i>Live Science</i>. </span>Acessado a 8 de
junho de 2014, em <a href="http://www.livescience.com/37056-scientists-and-philosophers-debate-consciousness.html">http://www.livescience.com/37056-scientists-and-philosophers-debate-consciousness.html</a>.
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span lang="EN-GB">THAN, Ker (2005, 8 de agosto), “Why
Great Minds Can't Grasp Consciousness”, <i>Live
Science</i>. </span>Acessado a 8 de junho de 2014, em <a href="http://www.livescience.com/366-great-minds-grasp-consciousness.html">http://www.livescience.com/366-great-minds-grasp-consciousness.html</a>.
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver Than, Ker (2005, 8 de agosto).</div>
</div>
<div id="ftn2">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[2]</span></span><!--[endif]--></span></a> <span lang="EN-GB">Sigla para <i>Brain
Research through Advancing Innovative Neurotechnologies</i>. Ver Lewis, Tania
(2014, 5 de junho). <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn3">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[3]</span></span><!--[endif]--></span></a> O filósofo
britânico Colin McGinn é um exemplo dos que defende a insolubilidade do
problema da consciência, por uma questão de incapacidade da consciência em
compreender-se a si própria. Neurocientistas como Christof Koch, por outro
lado, defendem que o problema é solúvel no quadro do experimentalismo
neurocientífico, pelo que a sua visão se mantém num registo fisicalista
convencional (Ver artigo da Live Science sobre o debate acerca da natureza da
consciência que decorreu durante o “World Science Festival” em 2013, que reuniu
os painelistas Colin McGinn, Christof Koch, Nicholas Shiff e outros [Lewis,
Tânia, 2013, 31 de maio]). </div>
</div>
<div id="ftn4">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[4]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver Than, Ker (2005, 8 de agosto).</div>
</div>
<div id="ftn5">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[5]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver Ibidem. </div>
</div>
<div id="ftn6">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[6]</span></span><!--[endif]--></span></a> A propósito das forças e
correspondentes partículas-transporte, ver Greene (2004: 254-256) e CERN, “The
Standard Model” (2014).</div>
</div>
<div id="ftn7">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[7]</span></span><!--[endif]--></span></a> O
princípio de incerteza tem que ver com o carácter indeterminado e
probabilístico da mecânica quântica. Cada partícula-onda pode ser descrita
segundo uma “função de onda”, que mais não é senão um campo de probabilidades
acerca da sua posição num dado momento. Não é possível saber com absoluta
exatidão a posição em que certa partícula vai estar num dado momento partindo
de certas variáveis como a sua posição anterior, o momento angular ou a
velocidade, porque uma vez medida uma dessas variáveis, as outras tornam-se
impossíveis de medir. Não é possível saber exatamente para onde uma partícula
se dirige, nem que caminho seguiu para passar de A a B (ver Gribbin, 1986:198).
Ademais, “(…) Podem medir com precisão a quantidade de movimento de um
electrão, mas então a sua posição é indeterminada. O simples acto de atribuir
uma localização específica a um electrão introduz uma perturbação incontrolável
e indeterminada no seu movimento, e vice-versa. Além disso, esta restrição
incontornável ao nosso conhecimento do movimento e localização do electrão nãoé
simplesmente o resultado de uma deficiência experimental: é inerente à própria
natureza.” (Davies e Brown, 1991:18). </div>
</div>
<div id="ftn8">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref8" name="_ftn8" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[8]</span></span><!--[endif]--></span></a> Este conceito foi
inventado por Faraday para designar um aspeto da constituição dos campos
magnéticos e electromagnéticos, mas foi posteriormente alargado a todos os
tipos de campo (ver Gribbin, 1986: 210-211). </div>
</div>
<div id="ftn9">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref9" name="_ftn9" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[9]</span></span><!--[endif]--></span></a> Introduzir aqui explicação
acerca função de onda</div>
</div>
<div id="ftn10">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref10" name="_ftn10" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[10]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver Greene, 2004:256-257 </div>
</div>
<div id="ftn11">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref11" name="_ftn11" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[11]</span></span><!--[endif]--></span></a> <span lang="EN-GB">“If a particle moves smoothly trough the Higgs ocean
with little or no interaction, there will be little or no drag and the particle
will have little or no mass. The photon is a good example (…). If, to the
contrary, a particle interacts significantly with the Higgs ocean, it will have
a higher mass.” </span>(Id.:263). </div>
</div>
<div id="ftn12">
<div class="MsoFootnoteText">
<br /></div>
</div>
<div id="ftn13">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref13" name="_ftn13" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[13]</span></span><!--[endif]--></span></a> Para ilustrar este ponto,
Greene sugere o seguinte ao leitor: “Take your arm and swing it back and forth.
<span lang="EN-GB">You can feel your muscles at
work driving the mass of your arm left and right and back again. If you take
hold of a bowling ball, your muscles will have to work harder, since the
greater the mass to be moved the greater the force they must exert.” (<st1:place w:st="on"><st1:state w:st="on">Id.</st1:state></st1:place>:260-261) <o:p></o:p></span></div>
</div>
<div id="ftn14">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref14" name="_ftn14" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[14]</span></span><!--[endif]--></span></a> Usar ex. do papel
electrificado livro Física Quântica e cosmologia</div>
</div>
<div id="ftn15">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref15" name="_ftn15" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[15]</span></span><!--[endif]--></span></a> A
imagem que melhor pode ilustrar esta rede quântica será a de um campo de força,
análogo ao campo electromagnético que possibilita a propagação da luz, ou ao
campo gravitacional que envolve a Terra, ou de um campo magnético que une dois
ímans. Neste caso, não sendo o cérebro o produtor deste “campo de consciência”
– do mesmo modo que não é a Terra a produtora do seu campo gravitacional
(embora produza um campo electromagnético) -, podemos especular que o cérebro,
pela sua configuração e estrutura bio-fisiológica singular, seria capaz de
interagir com este campo de força a um nível quântico básico. Propunhamos,
muito audaciosamente, que o tecido fundamental do espaço-tempo onde nos movemos
é, ele próprio, a téla onde permanentemente o cérebro projeta todas as suas
imagens mentais, de tal modo que quem vê não somos de facto <i>nós, </i>mas o próprio universo na sua forma
singular de se ver a si próprio desde dentro. </div>
</div>
<div id="ftn16">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref16" name="_ftn16" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[16]</span></span><!--[endif]--></span></a> KANT, B133-B134, 1997,
pp. 132-133</div>
</div>
<div id="ftn17">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref17" name="_ftn17" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[17]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ibidem, p. 133</div>
</div>
<div id="ftn18">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref18" name="_ftn18" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[18]</span></span><!--[endif]--></span></a> Ver Idem, §16-17, pp.
131-138 </div>
</div>
<div id="ftn19">
<div class="MsoFootnoteText">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref19" name="_ftn19" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[19]</span></span><!--[endif]--></span></a> Idem, B134, p. 133</div>
</div>
<div id="ftn20">
<div class="MsoFootnoteText" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Vitor%20Fernandes/Os%20meus%20documentos/Pasta%20Rubeniana/Dispersos/O%20bos%C3%A3o%20da%20consci%C3%AAncia.doc#_ftnref20" name="_ftn20" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 10pt;">[20]</span></span><!--[endif]--></span></a> Em
boa verdade, nem relativamente à experiência subjetiva de outrem podemos estar
absolutamente certos, não tanto como em relação à nossa própria. Esta
constatação está na base do famoso problema cético das outras mentes, que
naturalmente não pretendemos tratar aqui. Admitamos, como hipótese de trabalho,
que a experiência subjetiva é um fenómeno que existe para além da minha própria
mente, para não cairmos no solipsimo. Seja como for, ainda que qualquer um de
nós, eu próprio ou o leitor, fossemos os únicos a possuir vida mental, ainda
assim seria pertinente tentar explicar a sua origem, dada a radicalidade e
incontornabilidade deste fenómeno. </div>
</div>
</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-24028877634420202692015-05-21T22:56:00.001+01:002015-05-21T22:56:52.315+01:00A "mónada" humana - em cada homem a humanidade<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Cada homem contém em si toda a humanidade. De facto, se pensarmos que cada homem/mulher é expressão particular de um código genético comum a todo o género humano (genoma); que cada homem/mulher contém em si traços comuns a toda a espécie, que refletem precisamente a história evolutiva da espécie em geral (5 dedos das mãos, um neocórtex cerebral, bipedismo, etc.), torna-se evidente que o geral está imbuído no particular, o Todo na Parte. É aquela ideia ontológica-metafísica da mónada, de que o Todo é, ao mesmo tempo, totalidade em extensão e compreensão; isto é, o Todo não apenas está por toda a parte absolutamente, como está, absolutamente, em cada uma das suas partes. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Veja-se o simples átomo: ele não é uma expressão parcial das leis do universo. Ele não depende, para ser átomo, de outros átomos. Ele é, por natureza, absoluto, no sentido em que todas as leis do universo estão nele contidas e nele se exprimem absolutamente: força electromagnética, força nuclear forte, força nuclear fraca. Todas estas forças, no seu conjunto, não vêm de fora do átomo, mas emergem da sua própria constituição, brotam misteriosamente da relação entre as partículas que o constituem (electrões, protões, neutrões, etc.), como se já estivessem contidas, como possibilidades, na "medula" ontológica dessas partículas. O Universo que podemos ver - e o que não podemos ver - está por toda a parte, mas tudo aquilo que ele que é "extensivamente" brota, "compreensivamente", dos seus constituintes mais básicos e fundamentais. Se há alguma permanência nas leis do universo, isto é, se aquilo que é verdade aqui, em termos físicos, é verdade na galáxia vizinha, ou nos confins do universo conhecido, é porque o que é verdade para um átomo da minha pele é verdade, fundamentalmente, para qualquer átomo, aqui ou a biliões de biliões de quilómetros daqui. Do mesmo modo, a uma escala menor, o que é verdade para uma rosa que brota na minha roseira, é verdade para uma rosa que brota numa roseira na China, ou na Papua Nova Guiné. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Esta constância que pervade o universo como um Todo só é possível porque cada uma das suas partes, cada uma das suas partículas ou complexos de partículas, cada um dos "tijolos da criação", contribui para ela com a mesma "solidez" física, com a mesma "absoluteidade" ontológica, sendo cada um uma expressão absoluta, total - embora particular - das leis do universo, ou pelo menos contendo em si, radicalmente, o potencial a partir do qual todas essas leis - a bem dizer, um novo universo - podem a qualquer momento emergir. Um átomo, só para tomar o exemplo mais óbvio de um "complexo de partículas", contém em si, a bem dizer, o potencial para um novo universo, sendo ele próprio, pelo modo como os seus constituintes se relacionam entre si para fazer emergir as leis físicas, um universo por direito próprio, bem radicado na fonte de onde brotam todas as leis e toda a criação - a insondável e sempre fugidia realidade última; a natureza fundamental, fundacional, absoluta do real. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
No fundo, cada átomo, cada partícula, sendo expressão particular de um absoluto, é idêntico à semente, ao grão de pólen, à célula animal ou vegetal, que embora constituindo uma parte muito ínfima, quase negligenciável, da planta, da flor ou do animal, contêm em si o potencial para a emergência de um novo indivíduo completo, total, absoluto à sua maneira, igual, no fundamental, a qualquer outro indivíduo da sua espécie, predecessor ou contemporâneo. E é assim que o Universo progride e avança, de acordo com o poema de Alberto Caeiro: sendo todo em cada coisa, pondo quanto é no mínimo que faz. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E é assim que cada homem se faz realmente Homem. Sendo expressão digna de si, da sua dignidade ontológica, que assenta no facto de que ele é, não apenas um indivíduo, um cidadão, uma identidade particular; não apenas uma mera função social/profissional, uma simples peça de engrenagem, mas a expressão viva, encarnada, total e absoluta à sua maneira, da Humanidade, mas também, e de forma mais geral e fundamental, da Vida, do Universo, do Real. </div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-10466312330652557352015-04-13T12:13:00.006+01:002015-04-13T12:13:41.727+01:00Demasiado sofrimento<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há demasiado
sofrimento no mundo. A maior parte dele está completamente longe da nossa
vista, quando mais do nosso coração. De vez em quando passamos por um velho
mendigo na rua, ou uma mulher, ou uma criança triste, e ao vê-los prostrados e
reduzidos, ao nível do chão, sujos e maltrapilhos, somos tocados pela sua
miséria. Quando tal acontece pergunto-me em silêncio "O que comeu este
homem hoje?", "Que espécie de enxerga o espera à noite?",
"Que abrigo da noite fria?", "Que abrigo da solidão"?,
"Que espécie de desespero?"... E faço-o do alto da minha condição,
erecto e sadio, estômago cheio e já à espera da próxima refeição, dinheiro no
bolso, uma casa, um quarto e uma cama para voltar depois das agruras do dia,
uma palavra amiga e familiar e uma refeição quente...e uma espécie de esperança
que me ilumina o hoje e o amanhã.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há demasiada
dor, demasiado desespero. Agora mesmo, há demasiada gente doente à espera de
morrer numa cama de hospital, para quem a noite, a solidão e o silêncio têm o
sabor da desesperança e o odor da morte que espreita. Nenhum futuro, nenhuma
esperança de salvação. Homens, velhos, crianças. Há demasiada gente sem voz por
essas periferias escusas do mundo das quais ninguém quer saber. Gente sem lei,
homem ou instituição que a proteja, que a represente. Gente exilada, refugiada
sine die por causa de guerras e conflitos que não provocou, que não pediu (falo
eu, o exilado/refugiado por capricho e opção...). Gente que trabalha em antigas
e novas formas de escravatura, de sol a sol, tratados como mercadoria,
maltratados, espoliados, explorados, meras máquinas sem rosto, números que não
merecem sequer um olhar de humanidade - e tudo isto para ganharem uma côdea de
pão que não lhes chega para matar a fome, nem a sua nem a dos seus filhos, cujo
choro esfaimado são impotentes para calar, de dia e de noite.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há demasiada
gente presa, alguns por coisa nenhuma, outros apenas por pensar em voz alta,
outros porque ousaram dizer o que outros preferem calar, por medo ou comodismo.
Há quem adormeça e acorde todos os dias num eterno crepúsculo, que viva cada
hora - sempre demasiado longa - imerso no frio da solidão e de um medo que é
terror e não desata. Há demasiada gente que não tem para onde ir à noite,
depois das agruras do dia; que não tem onde descansar, lugar a que chamar lar,
onde pousar a cabeça, onde aquecer o corpo e alma e encontrar uma presença
amiga, que às vezes nem precisa de falar mas só estar. E mesmo entre aqueles
que têm para onde ir e que não estão sós, há quem tenha casa sem ter lar.
Desses, há quem só queira ter paz, viver com quem não lhe bata, quem não o atormente,
quem não o prenda, quem não o use, quem não o subjugue, quem não o mate. Já não
se pede que o ame, mas apenas que o liberte, que o respeite. Há quem só queira
que o pouco lar que tem não se transforme num inferno - já lhe basta, tantas
vezes, o inferno que encontra na rua, no trabalho, na vida.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há demasiada
gente, mesmo entre os que "têm tudo", que sofre como se não tivesse
nada. Presos por ilusões, dependências e más escolhas que fizeram, porque
pensavam que era nelas, nas dependências que criaram e más decisões que
tomaram, que se encontrava a sua frágil felicidade. Lançaram-se a si próprios
numa teia da qual já não conseguem libertar-se, num labirinto do qual já não
sabem sair.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Penso também em
todos aqueles que todos os dias, várias horas por dia, consentem em deixar à
porta dos seus trabalhos e ocupações (muitas vezes detestáveis, inumanas) a sua
soberania pessoal, como se deixa o casaco ou o guarda-chuva, para se tornarem
parte de uma engrenagem que prontamente os esmaga à mínima hesitação ou sinal
de inadaptação, ou se por acaso decidem ser diferentes e afirmar o seu próprio
e humano ritmo. Na maior parte do tempo não somos senhores de nós próprios,
abdicamos da nossa vontade e liberdade para mendigarmos umas horas de gozo,
umas quantas horas para podermos sentir o pulso do nosso "eu", para
vivermos um pouco no espaço da nossa intimidade e dos nossos sonhos, umas
poucas "folgas" da pressão da roda dentada para que sintamos a
agradável sensação de sermos senhores de nós próprios e do nosso destino. Pena
que na maior parte das vezes essa sensação seja apenas como um sonho de
Cinderela, sem consequências práticas para a nossa vida, sem que sejamos
capazes ou sequer queiramos, nessas horas de soberania, fazer mais do que
sonhar a nossa própria liberdade, lançar reais sementes de projeto, construir
um futuro mais de acordo com o que realmente somos e queremos realmente ser.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há, pois, que
tecer o futuro, um que esteja de acordo com o sentimento de autenticidade e
soberania pessoal que todos encontramos nas poucas horas de liberdade que a
máquina nos consente, essa máquina/sistema que joga tão bem com as nossas
necessidades e dependências - e que nós permitimos, porque embora muitas das
necessidades sejam reais, outras são completamente inventadas, e nós consentimos
e absorvemos, como bons e obedientes consumidores que não estão realmente
dispostos a perder em coisas, posses e bens materiais para ganhar em liberdade,
espírito, soberania pessoal, cultura.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Mas há
sofrimentos e dores muito mais profundos, e é bom que os tenhamos sempre em
mente, em nome da consciência e da verdade. Neste exato momento, há quem tenha
perdido um filho(a), um irmão(ã), um pai, uma mãe, um amigo(a), seja num
acidente de carro, de aviação, seja levado por uma doença, seja num atentado
terrorista, seja na sequência de um obus disparado numa qualquer zona de guerra
por este mundo fora - apenas mais um "dano colateral" de um conflito
onde se jogam mais altos interesses, que raramente são os do povo, que é
sempre, mesmo na vitória, aquele que mais perde. Falo por mim: leio a notícia
do jornal, a pequena breve ou primeira página que seja, e passo à frente. Não
me interessa; não me diz respeito. Nem cai o céu nem o mundo pára por causa
disso. Se fosse comigo... haviam certamente de cair os sete céus, o carmo e a
trindade; e a indiferença do mundo iria doer-me como mil punhais.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Se por um
momento calarmos o nosso ego e nos dispusermos a ouvir, é certo que ouviremos
os gritos dessa mãe, desse irmão, desse pai, desse amigo; de todos aqueles que,
agora mesmo, num instante imprevisto, perderam aquilo que tinham de mais
precioso e clamam por justiça divina. E ouviremos esses gritos multiplicados
por mil, ou por milhões, e o sol de primavera que agora mesmo nos ilumina com a
cor da alegria (o mesmo sol que ilumina todos esses que sofrem para além de
qualquer palavra) já não nos parecerá tão jovial e alegre.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A verdade é que
há demasiada dor no mundo, e nós indiferentes, anestesiados, até que nos calhe
a nós. Há quem diga, para não ter de se incomodar, que não há nada que possamos
fazer quanto a isso, ou que o que quer que façamos é pura e simplesmente
irrelevante (o que para mim é mais grave). A miséria material e moral, a
doença, a dor, são tudo fatalidades.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Quanto à miséria
moral e material, basta dizer que é urgente abandonarmos uma série de
preconceitos bem mais enraizados do que possamos imaginar, segundo os quais 1)
a miséria é uma punição sobre aqueles que não se "souberam governar"
ou adaptar às exigências da sociedade, do mercado e do mérito; 2) que a miséria
é uma "condição de nascimento", isto é, de que quem nasce miserável,
ou é originário de um meio ou classe de indigentes, há de ser miserável toda a
vida, ou tem como que o gosto pela miséria, ou "predisposição" para
tal; 3) que a miséria faz parte do modo como o sistema económico funciona e se
comporta, e portanto é condição necessária ao progresso económico das
sociedades. Ora, estou de acordo que a desigualdade seja uma condição
necessária à verdadeira justiça social, se a entendermos como justiça
distributiva baseada no trabalho e no mérito. Naturalmente, quem trabalha mais
e melhor merece receber mais e melhor; quem tem mais qualificações merece ser
mais bem pago do que quem tem menos qualificações, etc. Todos podemos, em
princípio, concordar com isto. Mas isto está muito longe de legitimar o
darwinismo social, isto é, o pressuposto de que a vida em sociedade se deve
basear na "lei do mais apto", ao ponto de se considerar justa a
exclusão de milhões de "inadaptados", fracos e frágeis, sejam velhos
e doentes que não podem trabalhar, sejam indivíduos que, por qualquer
circunstância, não tiveram acesso a uma educação ou formação adequada, seja
quem, por causa de um negócio falhado ou por não conseguir encontrar trabalho
regular, se vê de repente atirado para as malhas da pobreza e da indigência.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Por fim, há que
abandonar a ideia perigosa - embora muito cómoda - de que o que quer que
façamos, a nível individual, é irrelevante. O velho doente e prostrado que
encontro na rua e a quem ofereço o almoço, ou simplesmente um sentido "Bom
dia!" de olhos nos olhos, de certo não sentirá a minha pequena ação como
irrelevante. Pode ser irrelevante para mim, nunca para ele. É verdade que não
posso mudar a sociedade de um dia para o outro, mas quem falou em mudar a
sociedade? A minha pequena-grande ação, somada a um milhão de ações semelhantes
todos os dias, em toda a parte, há com certeza de ser relevante um milhão de
vezes, para um milhão de pessoas; e o que é relevante para um milhão de pessoas
pode ser, pelo seu impacto imediato ou apenas pelo exemplo, relevante para
milhões de famílias ou comunidades. Por fim, devagar, talvez se consiga fazer o
que se julgava impossível: mudar a sociedade.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Até lá, é
preciso que nos mudemos a nós próprios, começando por mudar de mentalidade. Há
demasiado sofrimento no mundo - e não é ontem nem a semana passada, mas já,
agora mesmo! Ter isso em mente é o princípio de um acordar, o princípio de uma
expansão de consciência que nos pode levar a agir se esse sofrimento não for
sentido como algo alheio, mas como algo que nos toca como se fosse nosso, que
nos incomoda e nos perturba.</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-43908712835342633082015-04-08T23:52:00.001+01:002015-04-09T16:05:23.181+01:00Acredito em Deus<div>
<br /></div>
<div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Acredito em
Deus, não apenas como princípio fundamental do real, como realidade última
subjacente a tudo o que existe, mas também – e sobretudo – enquanto <i>Pessoa</i> (acaso poderia ser de outro
modo?). Não é uma fé perfeita. Muitas vezes tenho dúvidas; posso até dizer que
a dúvida é coexistente com a minha crença – quando um está presente, o outro
também. Nenhuma dúvida, porém, vai suficientemente fundo para ser capaz de
subverter ou suprimir a minha crença na pessoa de Deus. Todas as minhas dúvidas
têm origem na lógica: como posso eu sustentar racionalmente uma crença num ser
que nunca conheci, que nunca vi com os meus olhos, baseado apenas num “sentido
de Deus” que julgo possuir, e na minha capacidade para pensar conceitos tão
elevados como os de Absoluto, Infinito, Ser, que pela sua extensão e abstração
parecem tudo conter e necessariamente existir, ainda que a sua natureza me
escape? Aí está a questão: nada parece justificar o meu salto lógico da ideia
que sou capaz de pensar, para a realidade que eu creio existir; isto é, não sou
capaz de justificar racionalmente o salto lógico que vai da minha crença no
Absoluto, que apenas conheço como ideia, para a minha crença no Absoluto cuja
natureza consiste em ser pessoa, isto é, a pessoa máxima – Deus. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
E no entanto,
acredito. Acredito numa razão universal da qual a minha própria existência e
racionalidade são expressões particulares, e que portanto coexiste a todos os
meus actos de pensamento e de consciência (o <i>Logos</i>); acredito também que a minha consciência particular é a
expressão possível, no quadro das possibilidades que o mundo material oferece,
de uma consciência muito maior, diria mesmo ilimitada. A consciência, enquanto
tal, é o fundamento da minha personalidade (do latim <i>persona</i> = pessoa), e portanto acredito - melhor seria dizer, sinto
ou intuo – que à minha personalidade particular coexiste uma personalidade
ilimitada. Ela também sou eu, também está em mim, embora me ultrapasse
infinitamente, o que faz de mim uma existência permanentemente “em aberto”, isto
é, uma pessoa ou personalidade cujas fronteiras da sua própria concretização se
situam fora de si; ou seja, é no transcendente que se situa a última fronteira
da minha realização pessoal, o limite da minha perfeição, a minha finalidade (<i>télos</i>). Já lá voltarei.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Mesmo que,
sustentado na lógica, eu me forçasse continuamente a negar o que sinto, a minha
crença em Deus não deixaria de se impor e de prevalecer por fim, sobrepondo-se
a qualquer ceticismo baseado na lógica imediata. Na verdade, o meu ceticismo
não me abandonou – apenas se habituou a coexistir com a minha fé metafísica,
cada um no seu nível, um mais profundo outro mais superficial, um mais
lógico-racional, outro mais intuitivo-existencial, respeitando-se mutuamente. Há
muito aprendi que não existem apenas factos ou verdades lógicas, mas também
verdades existenciais sem as quais a vida ou existência pessoal se torna
impossível – é o caso, por exemplo, da crença na liberdade ou livre-arbitrio.
Mesmo que a ciência fosse capaz de demonstrar que somos completamente
determinados por leis físicas desconhecidas, e que portanto não somos livres,
ainda assim o nosso caráter fundamentalmente existencial exigiria a liberdade
enquanto condição fundamental. Seria impossível viver sem acreditar na
possibilidade da escolha, e impossível construir uma ética humana sem o
fundamento da responsabilidade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Como eu dizia, o
impulso para acreditar em Deus é mais forte que a simples lógica, e vem como
que acoplado ao meu mais alto pensamento, o pensamento do universal – Absoluto,
Infinito, Totalidade -; e não só ao meu mais alto pensamento, como ao meu mais
alto sentimento (na verdade ambos se completam, o segundo oferecendo algum
conteúdo experiencial ao primeiro, que é todo forma, esquema, abstração
concetual). A este último posso chamar de sentimento do Sublime ou do Belo. Se
é verdade, como acredito, que a realização do que somos deve muito não apenas
ao que somos capazes de pensar, mas também ao que somos capazes de sentir, não
posso por conseguinte negar Deus sem me negar a mim próprio. Por este ponto de
vista, prefiro viver em contradição lógica – que é apenas paradoxo e reside apenas
na mente – do que em contradição existencial – que me implica todo. Antes em
contradição lógica do que em contradição comigo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Embora, tal como
antes disse, não possa justificar logicamente a minha conclusão de que Deus
existe a partir da premissa de que o Absoluto é pensável como ideia, posso pelo
menos justificar racionalmente o modo como chego a esta ideia, e a outras
similares como Totalidade, Ser, Unidade ou Existência Primeira. Posso afirmar,
por via de um exercício válido de abstração ou de regressão até ao infinito,
que se existem seres particulares tem de existir um Ser Geral, se existe a
multiplicidade tem de existir a Unidade, se existe uma cadeia de causas e
efeitos têm de existir uma Causa Primeira, por natureza não causada, ou causada
exclusivamente por si própria. Como disse, pensar isto é perfeitamente
aceitável como esquema, ainda que não possamos conceber a natureza metafísica
de tais realidades, se de facto existem. Posso, deste modo, afirmar que o
multiverso das existências particulares (nas quais estou incluído) se reduz a
um Universo, ou seja, uma Unidade que é uma Existência Universal, que não
apenas engloba todas as existências particulares, como as causa e subjaz. Este
é o maior – ou pelo menos o mais abrangente – conceito de existência que posso
conceber, embora não possa experimentar a sua natureza, se é que a tem – pelo
menos não com os meus sentidos normais. Só há uma existência que posso
experimentar, não apenas como vago conceito, mas como vida; não apenas como
objeto de pensamento, mas como subjetividade (de <i>subjetum</i> = sujeito) – a minha própria existência. Posso aceder ao
meu próprio absoluto, e não apenas pensá-lo, exprimindo-se na minha vida como
totalidade existencial cujos focos irredutíveis são o “meu eu” e a “minha
circunstância”, em torno dos quais orbitam todo o meu mundo e existência
pessoais. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
O que quero
dizer é que, antes de mais, e acima de tudo, cada um de nós é uma existência
que busca cumprir-se no máximo das suas potencialidades, atingir o seu fim. Na
base tudo aquilo que podemos humanamente pensar ou sentir, de toda a nossa
cultura, de toda a nossa moral, de todos os nossos projetos pessoais, de todos
os nossos desejos e aspirações mais banais, está um a priori que é uma pulsão
inexorável para ser. Não para ser animal ou objeto, mas para <i>ser pessoa</i>. Tanto quanto sabemos, não há
forma de ser mais alta (e sublinho o “tanto quanto sabemos”). E embora ser
pessoa seja a nossa aspiração mais elevada, a nossa verdadeira e mais profunda
vocação, não lhe conhecemos nem a forma nem o conteúdo exatos. Para que uma
pedra ou um gato se “realizem” não é preciso muito. Os limites da sua
realização estão bem definidos e determinados à partida. Por outro lado, os
limites da pessoa são desconhecidos. O ser humano, enquanto existência que
busca cumprir-se, nunca sabe realmente quando a sua luta chegou ao fim, quando
atingiu a plenitude do seu ser. Tanto quanto sabemos, podíamos viver mil anos e
não ultrapassarmos a condição de existências insatisfeitas, pessoas por
cumprir. A questão é esta: será que as coisas poderiam passar-se de outra forma
para um ser cujo mais alto pensamento/ideal é o de Deus, o mesmo é dizer, o de
Infinito, o de Perfeição existencial? É como se os limites da nossa realização
pessoal não estivessem contidos em nós, na nossa condição biológica ou
cultural, mas fora de nós. Dito de outro modo, como se só nos pudéssemos
realizar completamente fora de nós, isto é, no transcendente – em Deus. Para
usar uma imagem, é como se a nossa existência particular fosse um rio que
corresse para Deus, desaguando em Deus. Neste sentido, a demanda da personalidade
para se cumprir implica necessariamente uma abertura da personalidade
particular para, em obediência ao seu mais alto pensamento e à sua mais alta
intuição, ir ao encontro dos seus limites, que se coincidem com os limites da
Personalidade Ilimitada que lhe coexiste, sendo que esta última contém aquela
completamente. É como se na condição humana existisse uma contradição interna
que só no Infinito pode ser superada, do mesmo modo que só no Infinito duas
rectas paralelas podem esperar encontrar-se alguma vez. E a contradição é
possivelmente esta: só no ilimitado (em Deus) a existência da pessoa pode
encontrar os seus limites (i.e. cumprir-se plenamente como Pessoa), sendo que o
ilimitado, por definição, não tem limites.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Para uma
existência cuja essência (i.e., ponto de partida e destino) é ser pessoa, conceber
a ideia de Existência Perfeita, de Infinito, de Absoluto (tudo variações do
mesmo pensamento), não apenas tem enorme apelo, como ela não pode ser senão
concebida como o ideal ético de perfeição ao qual toda existência humana deve
aspirar. É evidente que para a maioria a realização deste ideal não cabe na
exiguidade temporal de uma vida humana. A origem da ideia da “vida do além”
talvez esteja precisamente aqui, na frustração acumulada de gerações e gerações
de existências pessoais que falharam em cumprir a promessa de infinito tragicamente
anunciada na sua consciência. A promessa de Deus que se renova a cada nova
existência que emerge, uma nova aliança a cada novo homem. Seja algures num
paraíso celeste, ou no culminar de um ciclo de muitas existências, a existência
que busca há-de encontrar os limites da sua perfeição pessoal, de acordo com a
promessa do seu mais alto pensamento e sentimento. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Pois, não é
demais repetir, e todos temos essa experiência – os limites da pessoa são
desconhecidos, situando-se muito para além da mera perfeição animal ou
biológica, que com efeito rapidamente se atinge sem grande esforço. Mas, no
homem, é esse “acréscimo”, esse “mais-qualquer-coisa” a que chamamos de
“espírito” ou “personalidade” que faz toda a diferença, e que o empenha uma
vida inteira numa busca por uma outra espécie de realização que está muito para
além dos limites da sua biologia. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Heidegger
pretendia definir-nos como “seres para a morte”; eu creio que é mais apropriado
definir-nos como “seres para Deus”. O que nos “mata” na morte é a hipótese
demasiado assustadora de que não haja tempo suficiente para cumprirmos a
promessa de Infinito contida na nossa consciência, e que seja aniquilada em
nós, demasiado cedo, uma força de vida que, por ter os seus limites em Deus,
jamais deve morrer, ou pelo menos não antes de cumprir aquilo que nasceu para
ser – uma perfeição chamada Pessoa, a divindade em nós, que é ao mesmo tempo o
melhor que a nossa humanidade pode dar, em obediência ao que de mais alto pode
pensar e sentir. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Em conclusão,
não sei se é ou não lógico acreditar em Deus. O que sei é que enquanto pessoa
que sou, obediente ao apelo da minha vocação mais profunda para me concretizar
no máximo da minha personalidade, não posso deixar de estar aberto e disponível
para ir ao encontro do que me transcende, espaço ilimitado onde se situa a
chave da minha realização, onde repousam as fronteiras do meu ser, impelido
apenas pelas possibilidades que posso apenas vagamente entrever através do que
posso pensar e sentir de mais elevado – o Absoluto que infinitamente me
ultrapassa, e o Belo/Sublime que infinitamente me comove. </div>
</div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-92157712218899797302015-01-22T14:08:00.003+00:002015-01-22T15:04:34.445+00:00Considerações em torno da natureza última da realidade<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5Al0KlS5gd_nUBAbMKPNWbXnZ40txGQGgcfWHoJKTSVaTS5FdTtgTOeAMz92WiwsVO3rZ3XnwzWeKEsUczUHuXvg2TDSOKmy-UQ6JcgmpK9uBE8kJkYsEIdo53CP0vnaycN2Lug/s1600/1264838704114_f.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj5Al0KlS5gd_nUBAbMKPNWbXnZ40txGQGgcfWHoJKTSVaTS5FdTtgTOeAMz92WiwsVO3rZ3XnwzWeKEsUczUHuXvg2TDSOKmy-UQ6JcgmpK9uBE8kJkYsEIdo53CP0vnaycN2Lug/s1600/1264838704114_f.jpg" height="240" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Palavras/Expressões-chave: Ser, "Coisa em si", Perceção, Realidade última, Consciência, Absoluto, Presença. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;">
I</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Qual a natureza última da realidade?
É inevitável que procuremos responder a esta questão a partir das nossas
próprias ideias e referências concetuais. Mas, como pensar algo que, por
natureza, se situa para além de tudo o que conhecemos, e até daquilo que
podemos conhecer? O que quer que seja essa realidade fundamental, basilar, que
se encontra no núcleo cósmico da matéria e do ser, que os físicos designam por
“energia” – sem que saibam efetivamente do que se trata, de onde vem e para
onde vai –, é possível que se situe para sempre fora do alcance do nosso
conhecimento, pois só conhecemos o que podemos compreender, e só compreendemos aquilo
que podemos integrar e relacionar no contexto de uma teoria, de um todo
sistemático e coerente. Só podemos racionalmente compreender aquilo que podemos
definir, isto é, atribuir qualidades e predicados, inserir em categorias.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">Ora, essa realidade última que
procuramos não pode ser definida relativamente a nada; nenhum conceito ou
categoria mais abrangente poderá contê-la, pois ela própria, pela sua natureza
fundamental, é a mais abrangente das categorias: tudo é energia; mas o que é a
energia? Tudo é ser; mas o que é o ser?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
O Ser, enquanto conceito mais
abrangente, não é definível senão pelo próprio Ser. Não há conceito ou
predicado mais abrangente que possa <i>dizer</i>
o Ser, senão o do próprio Ser – o Ser <i>é</i>,
e é tudo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">Para pensar a realidade última somos
tentados a “sair para o exterior” dos nossos conceitos, a subirmos de nível
reflexivo para nos libertarmos dos nossos preconceitos habituais, tendo em
vista uma “purificação” da razão que nos torne mais abertos à compreensão de um
realidade completamente nova, sem que os nossos (pré)conceitos, conjeturas e
categorias habituais nos ceguem a essa visão. Em nome de uma maior
objetividade, é preciso que sejamos capazes de distanciação, que nos coloquemos
num ponto de vista exterior àquilo que procuramos conhecer. Mas será que a
realidade última, que é “última”, admite uma plano exterior a si própria, isto
é, admite ser recolocada num contexto mais abrangente que ela própria?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">Ora, se nós próprios, de corpo,
mente e consciência estamos irremediavelmente mergulhados na realidade última
que procuramos compreender, a que título julgamos poder colocar-nos num plano
exterior, separado dela? Em que medida a abstração racional permitirá o
conhecimento de qualquer coisa do qual não podemos realmente abstrair-nos, pois
está presente em tudo o que somos, inclusive na matéria da nossa consciência?
Tal conhecimento, se fosse possível, seria sempre incompleto, baço.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Kant defende que certas realidades
últimas, como sejam aquelas das quais intuímos uma unidade fundamental, mas que
estão para sempre além da nossa experiência possível (Deus, Mundo, Alma),
jamais podem ser conhecidas fenoménicamente, embora possam, no máximo, <i>ser pensadas</i>. Esta capacidade de pensar
a unidade e a totalidade denota uma profunda necessidade da razão em buscar
permanentemente a síntese, a unidade do conhecimento, no sentido de conferir
progressivamente maior sentido e coerência ao real. Este - o real - está sempre
sob interrogação, como um Todo. A questão da realidade última será, assim, a
questão de todas as questões, pois não é apenas uma dada realidade particular
que está em questão, mas antes a realidade cuja natureza confere sentido à
totalidade do real. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
II</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">A razão e a experiência têm limites,
e quanto mais descemos aos abismos da matéria, mergulhando nos fenómenos
quânticos e suas estranhas leis, mais contraintuitivo e menos lógico nos parece
o comportamento da matéria a um nível fundamental, como se tratasse de uma
dimensão completamente díspar. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Dada a configuração da nossa razão, a sua dependência de
princípios/regras lógicas e categorias como espaço, tempo e localidade, é
possível que o conhecimento científico, isto é, teórico e estritamente racional
da realidade última, enquanto realidade metafísica, nos esteja para sempre
vedado. É mesmo possível que qualquer tipo de conhecimento fenomenológico baseado
numa dicotomia tradicional sujeito-objeto, em que cada um se situa de forma
clara e bem delimitada fora de esfera um do outro, e o sujeito num posição de
aparente neutralidade epistemológica, também não seja aplicável aqui. Se for
verdade que a realidade é monista, isto é, é constituída exclusivamente por uma
e uma só substância, e se nós, em corpo, mente e consciência, somos feitos
dessa mesma substância fundamental, então essa substância fundamental, enquanto
“objeto” do nosso conhecimento, não pode estar absolutamente separada do
“sujeito” do conhecimento, que somos nós.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Em resumo, o conhecimento da realidade última a partir do exterior, com
base num sujeito que conhece e num objeto que é conhecido, em que o sujeito é
ativo e capaz de com-preender o objeto (isto é, possui-lo, contê-lo num
conceito, numa ideia ou categoria), é inviável. Pois, no caso da realidade
última, não só o sujeito não está separado do objeto, como é o próprio objeto
que “contém” o sujeito, e não o inverso. Não é possível possuir, cognitivamente
falando (i.e. apreender numa ideia, perceção ou conceito bem definido) algo
que, antes de mais, nos possui, porque é anterior e constitutivo de tudo,
inclusive do próprio ato de conhecer.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
III</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Um conhecimento baseado em ideias e
conceitos é sempre relativo, mediado por representações. Isto significa que se
o conhecimento da realidade última for mediado por representações (conceitos,
fórmulas, etc.), então não poderemos de facto conhecê-la senão através de uma
muito fraca, baça e parcelar aproximação, porquanto nenhuma dessas
representações poderá realmente ser fiel, porque relativa, a uma realidade que
é absoluta. Dito de outro modo, não podemos obter um conhecimento total da
realidade se nos mantivermos irredutivelmente imersos no nosso ponto de vista
relativo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">É claro que falamos sempre a partir
do pressuposto aparentemente inquestionado de que existe um “exterior” às
nossas perceções, e, no limite, uma realidade exterior última, “metafísica”,
que abrange e pervade todos os fenómenos. Não a conhecemos nem temos acesso
imediato a ela através da experiência, mas “intuimo-la”, isto é, algo nos
sugere que o universo fragmentário dos fenómenos sensoriais a que chamamos
“mundo”, não se sustenta por si mesmo, mas remete, em última análise, e necessariamente,
para um fundamento, que é também uno e absoluto. Intuímos que, de certo modo, tudo
se encontra relacionado a um nível fundamental, mesmo os fenómenos mais
dispersos e diversos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Mesmo em nós, seres biológicos e conscientes, intuímos que existe uma
unidade fundamental que nos torna superiores à soma das nossas partes; uma
unidade metafísica radicada na base do “eu”, o fundamento da sua
irredutibilidade e continuidade, da sua persistência existencial; o centro em
torno do qual se constrói a nossa identidade mas que, tal como a “unidade do
mundo”, igualmente nos escapa na sua natureza mais profunda, se a tem.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;">Não sabemos se essa unidade
metafísica subjacente aos fenómenos é real. Pode ser que não passe de algo que
a nossa razão, por natureza e necessidade, impõe aos fenómenos no sentido de
lhes conferir unidade, coerência e inteligibilidade. Quem sabe se não se trata
de uma projeção da unidade do “eu” sobre o mundo, como se fossemos naturalmente
levados a antropomorfizar ou “pessoalizar” um universo fundamentalmente
impessoal e fragmentário. Daí que sejamos frequentemente levados a “reduzir” o
fragmentário ao unitário, por exemplo através de leis físicas ou fórmulas
matemáticas simples. Daí que sejamos levados a formular princípios metafísicos
unitários como Deus, Brahman, Logos ou Energia, reduzindo o real a um só
princípio que não só o sustenta como lhe confere inteligibilidade, ordem,
continuidade e consistência ontológica. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;">Talvez seja tudo uma ilusão, ou
talvez não. Imaginemos o seguinte caso hipotético: nem eu nem o leitor alguma
vez vimos um cérebro. Ouvimos falar dele, mas desconhecemos por completo a sua
configuração, e também a sua função. Um dia entramos num laboratório e vemos um
pela primeira vez, mergulhado num frasco em formol. Para nós, aquela “coisa”
que vemos em nada é diferente de uma mesa, uma cadeira e até de um simples
computador. Não passa disso mesmo: uma coisa, sem interioridade, apenas
exterioridade. Um objeto como qualquer outro. Concordamos, porém, que
estaríamos a cometer a maior injustiça se negássemos por completo que aquela
“coisa” que se chama “cérebro” um dia albergou, de um modo misterioso, uma
consciência pessoal, uma interioridade subjetiva, um “qualia”. Alguma vez
suspeitaríamos se tal não nos fosse dito? Claro que não; não lhe atribuiríamos
mais “metafísica” do que a uma pedra.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Não estaremos a cometer uma
injustiça semelhante ao negar à própria natureza do real a sua “metafísica”,
isto é, a sua realidade última, uma espécie de interioridade, atribuindo-lhe apenas
exterioridade, funcionalidade, mecânica? A realidade da consciência, da
interioridade subjetiva, coloca-nos perante um facto inegável: o universo <i>admite</i> o metafísico; isto é, admite que
a matéria na sua face exterior, objetal, seja perpassada medularmente por uma
subjetividade, isto é, uma consciência capaz de “ser para si” de forma
irredutível e intransmissível. A não ser que sejamos paladinos de um ceticismo
extremo relativamente à existência das outras mentes, temos de admitir que cada
um de nós é uma prova viva – em particular cada um de nós, para si próprio, na
experiência irredutível da sua interioridade subjetiva – da realidade
metafísica da consciência, cuja existência e unidade está muito para além do
funcionamento orgânico fragmentário do nosso cérebro, essa “coisa” no meio de
tantas outras “coisas” no mundo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Ao analisar o mundo exclusivamente
do ponto de vista do seu funcionamento e mecânica, corremos precisamente o
risco de ficar aquém da sua essência, roçando apenas a sua face exterior, a
face que se entrega à mensurabilidade e à explicação científica. Analogamente,
se nunca tivéssemos visto um cérebro e o analisássemos, mesmo que
cientificamente, poderíamos talvez concluir que se trata de uma extraordinária
máquina biológica de processamento de informação, mas alguma vez chegaríamos a
compreender que “ali” algures emergiu uma consciência viva, uma identidade
pessoal, uma interioridade mental, intelectual, emocional, moral? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
IV</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A experiência subjetiva da “minha”
identidade, do meu “Eu”, sugere-me a existência radicada em mim de um
fundamento, uma realidade última que sustenta a continuidade, consistência e
permanência desse “Eu”. É a experiência constante, <i>existencial</i>, deste “Eu” que me leva a supor a existência de um
alicerce metafísico para a “mesmidade” do meu ser. Se podemos conhecê-lo? Hume
e Kant diriam que não, pois não podemos objetivamente conhecer o que ultrapassa
os limites da nossa experiência. Podemos experimentar a continuidade, a
“mesmidade”, mas não podemos experimentar a “alma”, o “ser”, metafisicamente
falando (ainda que em Kant possamos pelo menos pensá-lo). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Do mesmo modo, no mundo ao alcance
dos fenómenos encontramos mil e uma razões para supor uma continuidade e
permanência semelhantes: não é comum o chão fugir-nos debaixo dos nossos pés, a
não ser em circunstâncias muito excecionais e relativamente previsíveis; se vou
trabalhar de manhã <i>tenho a expetativa </i>(como
diria Popper) de que à noite, quando chegar do trabalho, a minha casa ainda se
encontrará no mesmo sítio, bem como os móveis da minha sala; se coloco a água
ao lume, tenho a expetativa de que, dentro de alguns minutos, a água irá
ferver. <span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">No mundo “real”, criamos expetativas com base na imagem ordenada e
racional que temos dele; quando alguma dessas expetativas sai gorada, surge um </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">problema</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">, o que de certo não acontece,
por exemplo, no mundo onírico.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Esta continuidade e regularidade tantas vezes experimentada, em mim e no
mundo, é reforçada pelo modo como a natureza – pelo menos a nível macro – obedece
a determinadas leis, tornando-se previsível até certo ponto, mas não
totalmente. As leis físicas, biológicas, químicas, etc. são a mais manifesta
expressão dessa regularidade. Mas, de onde vêm estas leis? Qual o seu </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">fundamento</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">? Serão cegas ou terão uma
finalidade, isto é, serão teleológicas? Porquê estas e não outras? Todas estas
questões são diferentes faces da questão principal – a da natureza última da
realidade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Valerá também a pena dizer o seguinte: as leis físicas </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">não são a realidade última</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">; apenas a
manifestam. Leis “macro” como a da gravidade e decorrentes dela, só existem na
medida em que a matéria se organizou e complexificou previamente até a força
gravitacional pudesse manifestar-se e influenciar corpos físicos de massa
suficiente. Se nos colocarmos ao nível dos átomos deixa de fazer sentido falar
em leis da gravitação, e temos de começar a falar em leis derivadas da relação
entre “força nuclear forte” e “força nuclear fraca”, que mantêm as partículas
subatómicas unidas. Se nos colocarmos ao nível dos constituintes atómicos, como
protões e electrões, e começarmos a tentar analisar isoladamente as suas
naturezas e comportamentos, deparamo-nos com o domínio da incerteza e da
probabilidade, e ao invés de leis e regularidades encontramos anomalias e
aspetos inusitados, como sejam a possibilidade de um electrão se poder comportar
simultaneamente como onda e partícula, dependendo de estar ou não a ser “observado”;
ou, se projetado (como na famosa experiência do duplo orifício) poder, em
teoria, percorrer ao mesmo tempo vários percursos possíveis (várias
“histórias”), ou até a possibilidade de dois electrões projetados em direções
opostas se influenciarem de forma recíproca e instantânea, mesmo à distância de
milhões de quilómetros no espaço (</span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">quantum
entanglement</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Significa, portanto, que a nível “micro” as leis divergem, tornam-se mais
fundamentais, como que se “libertam” do determinismo macro (já para não dizer
que estão na sua base). A emergência de novas leis naturais decorre da
emergência de novas realidades, decorrentes da complexificação da matéria; por
outro lado, a própria organização e complexificação da matéria é ela própria
regida por leis. Uma molécula de água emerge da associação entre átomos de
oxigénio e hidrogénio, segundo as leis físico-químicas que regem essa
associação; mas ao emergir enquanto molécula de água tornou-se mais do que a
simples soma das suas partes, e já pode por sua vez relacionar-se com outras
moléculas de água de modo a formar um composto – a própria água, no estado
sólido, líquido ou gasoso – capaz de, por exemplo, ser afetado e afetar campos
gravitacionais, conduzir electricidade, absorver e despender calor (e deste
modo entrar no jogo das leis da termodinâmica, leis “macro” por excelência),
etc.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">A nível “macro”, por conseguinte, o universo torna-se mais previsível,
mas essa previsibilidade assenta, fundamentalmente, na imprevisibilidade e no
caos aparente. Escapam-nos as leis “micro”, quanto mais nos aventuramos nos
abismos do ser. As leis </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">determinam</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">,
isto é, são causa eficiente e formal dos fenómenos; conduzem-nos numa dada
direção, com vista a uma dada finalidade (veja-se, por ex., o modo como as leis
da genética permitem que uma semente se torne numa flor, e uma flor num fruto).
A lei causa o fenómeno, mas o fenómeno, ao que parece, também causa a lei, ou
pelo menos cria as condições para que a lei emirja.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">No limite, se nos dedicarmos a um exercício tipicamente filosófico de
regressão infinita, chegaremos ao âmbito da realidade última onde não existe
anterioridade formal ou legal; isto é, onde toda a lei tem o seu princípio, bem
como todo o fenómeno; pois, neste domínio, Lei e Fenómeno são uma e a mesma
coisa. A Lei é a Realidade, a Realidade é a Lei. E como a realidade última não
é determinada por nada, senão por ela própria, então ela não é apenas o lugar
onde a toda a lei começa, mas também a própria lei; não só é livre de criar e de
se criar, como constitui a própria liberdade em estado puro. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;">Muito naturalmente, e quem sabe
senão por um vício da razão, desembocamos na ideia aristotélica de </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;">causa sui, </i><span style="line-height: 150%; text-indent: 47.2000007629395px;">a “causa primeira” porque “não
causada”, substância ou motor imóvel que causa tudo o resto, mas que não é
causada por nada, senão por si própria. Não falo, porém, numa causa em sentido
temporal-sequencial, do tipo da primeira peça do dominó que, uma vez tombada,
faz tombar sequencialmente as peças seguintes, com uma origem e uma finalidade
bem delimitados no tempo e no espaço.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Dito de outra forma, não me refiro a uma causa que tem lugar de uma vez
para sempre, como num momento criacional, que depois se retira para dar lugar a
uma sequência causal determinada, teleológica. Refiro-me antes a uma “causa
primeira” bem enraizada no aqui-e-agora e em cada ente, que pervade tanto
essências como aparências (o mesmo é dizer, pervade as coisas na sua
objetividade, bem como o pensamento que as pensa por representações, e a
consciência que permite a compreensão pela subjetividade). Isto é, permeia tudo
aquilo que, de algum modo, </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">é</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> ou </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">possui ser</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> (uma aparência, que é uma
ideia, também possui um ser, uma “qualidade” que permite a sua experiência
subjetiva enquanto tal).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Refiro-me a um fundamento que não se limita a “sustentar”, como um
alicerce estático, uma camada superficial de realidade substantivamente
diferente, mas que, ao criar continuamente a própria realidade, a cada momento
a torna existente e presente, num fluxo de contínua criação.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">De notar que atualmente são os próprios físicos a admitir que é incorreto
falar de um “nada” ou “vazio absoluto”, pois a todo o momento há partículas
fundamentais, como quarks, a “aparecer” e “desaparecer” da realidade, vindas do
nada para logo retornarem ao nada, como se a matéria-prima do real estivesse a
todo o momento a ser produzida e destruída, num fervilhar ininterrupto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<o:p> </o:p><span style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;"> </span></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
V</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Mas todas estas considerações em
torno da causa primeira não são senão formalismos, derivações lógicas,
exterioridades que não nos levam a um conhecimento concreto da natureza última
da realidade. Por um lado, o facto de podermos deduzir, por regressão infinita,
a existência de um fundamento, seja ele qual for, não significa que esse
fundamento seja real. O mesmo se aplica à conclusão da existência de uma “causa
não causada”, ou de uma realidade absoluta, não relativa. A nossa razão
encaminha-nos facilmente para tais conclusões, por natureza e vocação, mas tais
conclusões não podem ser senão meramente reguladoras e esquemáticas, e talvez
digam mais acerca do nosso modo de pensar do que da realidade em si mesma. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Na verdade, o conhecimento que
buscamos acerca da realidade última não pretende ser meramente exterior,
esquemático e conceptual. A unidade interessa-nos; a ideia de absoluto
inquieta-nos. Pressentimos que talvez haja alguma verdade nestes grandes conceitos
e esquemas às quais nos conduz a razão, mas há um limite que se nos impõe e impede-nos
de aceder aos “conteúdos” desses esquemas, de modo a que pudéssemos
verificá-los ou prová-los experimental ou observacionalmente. Reconhecemos a
incompletude desse conhecimento, e talvez por isso é que estejamos sempre, uma
e outra vez, ao longo da história do pensamento, a retornar ao problema do ser,
mesmo depois de declarada a morte de Deus e da metafísica; mesmo depois do
positivismo, do neo-positivismo, do cientismo, e outros ismos que reduzem a
realidade à matéria observável.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">O que realmente pretendemos com a
questão acerca da natureza ou essência do real, não é apenas de caráter
epistemológico, mas também ético-existencial. Não queremos compreender a
realidade última apenas para “possuir” um determinado conhecimento explicativo que
depois possamos usar a nosso proveito, mas também não o fazemos apenas por
diletantismo. Suspeitamos que se pudéssemos desvendar a natureza íntima do real
conquistaríamos a chave para o Sentido, não apenas do universo como um todo,
mas também de nós próprios, seres do universo. Mais do que formalismos e
esquemas intelectuais, queremos conteúdos existenciais. E atenção que esta
busca não é exclusivo apanágio dos muitas vezes pejorativamente apelidados de
“místicos”, mas de todos aqueles que se dedicam ao pensamento e à ciência:
veja-se, por exemplo, como os físicos atuais se debatem por uma “teoria de
tudo”, uma simples fórmula capaz de explicar toda a realidade, uma chave
matemática para todos os fenómenos do real, capaz não só de explicar como de
prever…</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%;">O esforço de redução/simplificação é
sempre um esforço esquemático da razão, seja produzindo uma conceção metafísica
de Ser ou uma fórmula matemática. É sempre a razão procurando apropriar-se da
natureza dos fenómenos, sem todavia ser capaz de a ela aceder senão de forma
muito superficial e redutora. A razão, por natureza, busca a Forma, mas não se
pode confundi-la com conteúdo substantivo. A razão não tem qualquer privilégio
epistemológico de acesso às “essências”, como várias gerações de racionalistas
defendiam, seja através de ideias inatas ou dos princípios lógico-matemáticos.
Não se chega à verdade por via exclusivamente intelectual, senão por
aproximação teórica através da conjetura, da tentativa e do erro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
VI</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
E se, ao invés de conceitos, abstração
e dedução racional existirem outras formas mais “intuitivas” de aceder à
essência e unidade metafísica do real, à verdade em sentido absoluto? Dito de
outro modo: poderá a realidade última, mais do que ser pensada como teoria, ser
realmente <i>existida, </i>isto é,
experienciada subjetivamente na sua absoluta objetividade através de uma
experiência subjetiva, pessoal? Poderá a consciência chegar onde a razão não
chega, proporcionando-nos uma experiência de conhecimento significativa,
pessoal e atual, possivelmente inefável e intransmissível (como qualquer
experiência subjetiva “qualitativa”) da realidade última ou, chamemos-lhe,
“coisa em si”? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Porque não, se a realidade que
procuramos é essencial e constitutiva do nosso próprio ser – corpo, mente e
consciência? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Será possível, por assim dizer, um
autoconhecimento absoluto, no qual a consciência fosse capaz de se conhecer a
si própria absolutamente, no seu ser mais profundo? Um conhecimento
monadológico, que pressupõe uma identificação plena entre sujeito que conhece e
objeto conhecido? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Haverá outra forma de conhecer plenamente
uma realidade que se supõe absoluta, <i>em
si, </i>senão a partir de dentro dessa mesma realidade, existindo-a como
existimos a nossa própria vida e interioridade? Podemos fazer da realidade
metafísica fundamental, <i>mundo</i>? </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Não se trata da “dissolução do Eu”
na unidade cósmica - porque conhecimento
ou tomada de consciência pressupõe sempre e necessariamente um sujeito - mas de
alargamento da consciência do “Eu” até que, de algum modo, este se confunda e
reconheça no seu verdadeiro eu, aquele que constitui o absoluto da realidade
última que tudo pervade. Por este “Eu” metafísico, radicado na realidade,
significo, antes de mais, uma Existência, e não um ser pessoal superlativo, um
homem ou um deus no sentido tradicional. Essa Existência, por ser <i>em si</i>, e por não estar sustentada em
mais nada senão em si própria, confere a si própria o seu ser, cria-se
continuamente, e por isso É para si própria – precisamente como uma mónada. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Cada um de nós é também uma
existência, absoluta nos seus próprios termos, porque irredutível a outrem,
porque intransmissível, porque capaz de se mover a si própria dentro do seu
próprio mundo, livremente, deslocando o seu centro sem nunca se perder dele,
seja através do espaço e do tempo, seja através do intelecto. Cada um de nós é
também “ser para si”, pelo modo como está assente em si próprio, na sua
“mesmidade”, sem precisar de recorrer a algo exterior a si. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
De certo modo, podemos pensar que
entre a Existência (enquanto fundamento do real) e a existência (fundamento do
nosso “Eu” particular) não existe uma
rutura, um abismo intransponível, mas antes uma diferença de grau. Conhecer a
realidade última de um modo existencial significaria superar essa diferença, de
modo que a pequena existência, absoluta do seu modo, fosse capaz de alargar o
seu âmbito através de um alargamento da consciência, ao ponto de ser capaz de
aceder à fonte da sua própria existência absoluta – a realidade última. Um
alargamento e aprofundamento da consciência significa que ela se torna capaz de
proporcionar experiências subjetivas de realidades cada vez mais profundas,
tornando-se sensível, no limite, à sua própria natureza. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Este alargamento e aprofundamento da nossa consciência não pode deixar o
“Eu” subjetivo intocado e imóvel – a consciência que se expande é acompanhada
por uma expansão do “Eu”, isto é, da própria subjetividade, até que esta, no
limite, se identifique plenamente com o “Eu” da Existência absoluta que constitui
o absoluto por excelência, bem enraizado na medula de todo o real. Neste
movimento jamais existe dissolução mística do “Eu” – apenas aprofundamento e
expansão. Um absoluto, como o próprio nome indica, não se pode dissolver.
Apenas pode aprofundar e expandir-se em direção aos seus verdadeiros limites.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Talvez esteja na altura da filosofia ocidental se voltar seriamente para
a antiga sabedoria milenar de certas religiões e místicas orientais, que há
muito praticam modos não intelectuais de aceder à unidade metafísica do real,
em vez de simplesmente as renegar como pseudo-ciências ou superstições sem
sentido. Há muito que o poder da ascese, seja através de formas de oração,
yoga, e outras, parece estar intimamente ligada à capacidade de expandir a
consciência, de tal modo que essa expansão parece estar diretamente relacionada
com um profundo e inefável sentimento de unidade cósmica. Esta parece ser a via
para uma forma de conhecimento existencial, mais do que meramente intelectual
ou conceptual. Um conhecimento que é sabedoria, isto é, que não é visado
exclusivamente como posse, poder, informação, mas cuja busca diz respeito à
realização do homem integral numa perspetiva holística, ou se quisermos,
cósmica.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
VII</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">Coloquemos a questão com honestidade:
o que sobra daquela estante de livros à minha frente quando não está a ser
observada? (Falo da estante apenas a título de exemplo). A estante que ali
está, com as suas formas, os seus ângulos retos, cores e nuances de luz,
confronta-me objetivamente. Não creio, como os realistas mais radicais, que a
estante exista tal como é, isto é, tal como a vejo, quando ninguém está a
observá-la, como totalidade objetal com qualidades. A perspetiva que dela tenho
é resultado da minha perceção visual, mas também do modo como a minha mente
completa as lacunas do que não posso ver, inserindo essa imagem parcial num
contexto espaciotemporal, com dimensões e extensão, e também com um propósito e
até uma história, um valor e um significado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Também não sou idealista puro: não
acredito que, o que quer que ali exista e que eu vejo como "estante”, deixe pura
e simplesmente de existir, logo que deixo de o percecionar. O seu ser ou
natureza não existem apenas quando as perceciono (o <i>Esse est percipi</i>), mas existem – suponho - por si, embora possam
ser diametralmente diferentes do objeto que perceciono. O que sem dúvida
sustento com o meu olhar e consciência não é o “ser” da estante, mas
exclusivamente o seu <i>ser para mim</i>, o
móvel enquanto ideia e fenómeno.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Acredito, sem dúvida, que algo
resiste do ser da estante quando ninguém está a observá-la, o que faz de mim
até certo ponto um realista. Ora, quando retirarmos de cena o <i>ser para nós, </i>o que sobrará<i>?</i> Só uma coisa pode sobrar: o <i>ser para si</i>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Em que consiste este <i>ser para si</i> que resiste? Seja o que for,
é algo que lhe confere consistência ontológica, ser, permitindo a sua
continuidade e permanência, pelo que posso voltar a ver a estante logo que abro
os olhos, e esperar que tal sempre aconteça. Não é a sua forma geométrica, não
é a sua massa, não é nenhuma suposta qualidade primária ou secundária que
subsiste. Todas as qualidades que vejo e analiso não são senão diferentes
formas de <i>ser para mim. </i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Suponho, pelo contrário, que o que quer que resista tem de ser o mais
simples possível, pois qualquer objeto que se dê à minha perspetiva é sempre
composto de partes diferenciadas que posso distinguir, e o próprio objeto,
enquanto tal, é ele próprio aquilo que é (i.e., enquanto </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">ser para mim</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">) na medida em que se distingue por individuação. Logo
que deixo de percecioná-lo, é como se se abatessem todas as divisões e
distinções, e o ser repousasse de novo sobre si próprio na simplicidade
absoluta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Mas essa simplicidade absoluta não é
o reino do não-ser. É antes o ser no seu estado mais puro, elementar e
absoluto. É o ser no seu estado permanente, sustentado em si próprio, porque
capaz de <i>ser para si</i>, de tal modo
que, para ser, não precisa de ser sustentado por nenhuma existência, visão ou
perceção exterior. O ser-para-si sustenta-se pela sua própria existência e
presença para si próprio. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Imagino, portanto, que quando
deixamos de percecionar um qualquer objeto, é apenas a imagem dele que
desaparece e o seu ser real que subsiste, a sua essência, que é a essência do
real no seu todo – a realidade última. Esta essência não é já o objeto-estante
nem nada tem que ver com ele, mas antes – imagino – um oceano de partículas
infinitamente simples, tipo mónadas absolutas, que são para si próprias, na
plena presença de si próprias, sustentando o seu próprio ser pela sua presença,
quiçá através de uma autoconsciência ou autovisão plenas. Será, sem dúvida, o mais
próximo que temos de Deus, ou de deuses (“Tudo está cheio de deuses”, escreveu
Tales; estaria realmente certo?). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
VIII</div>
<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">Falar em “ser para si” ou “coisa em si”, é pressupor a existência de uma
realidade que se situa para além da experiência das nossas perceções. É um
pressuposto arriscado, sobretudo se pensarmos como os empiristas céticos ou idealistas,
segundo os quais todo o conhecimento que possamos ter do mundo é conhecimento
de perceções e ideias, o que nos impede de “sair para exterior” para provarmos
a nossa crença num “mundo em si”, exterior às nossas perceções.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Se pensarmos assim, colocamos um limite ao nosso conhecimento, sob o
pressuposto de que existe uma realidade essencialmente incognoscível, o que,
por conseguinte, e paradoxalmente, nos obrigaria por sua vez a provar a
incognoscibilidade dessa mesma realidade, o que só poderia acontecer se
pudéssemos conhecê-la. Mas se não podemos conhecê-la, então não podemos provar
que é incognoscível, e por aqui entramos no famoso problema da
autorefutabilidade do ceticismo radical.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">De facto, </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">saber</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> que há limites
inultrapassáveis implica que se conheçam esses limites, e o que está para além
deles. Conhecer apenas um lado de uma fronteira não nos diz positivamente o
porquê de ela não se poder atravessar. Podemos estar proibidos, mas isso não é
o mesmo que saber.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Pode ser ainda que tais limites não sejam, em si, inultrapassáveis, mas
antes que os limites residam nos nossos instrumentos cognitivos. Mesmo nesse
caso, porém, só podemos estar certos de tais limites se estivermos também
certos de que existem dimensões do real que os ultrapassam. Temos fortes razões
para acreditar que existem átomos, e também espectros de luz e som que não
podemos ver nem ouvir, e portanto admitimos, com base nessas crenças, que o
alcance dos nossos sentidos é limitado.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">De qualquer modo, admitimos que por vias indiretas podemos ter acesso a
essas realidades e, por consequência, podemos superar parcialmente as nossas
limitações naturais.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">E com a ajuda dos instrumentos lógicos da nossa razão, conseguimos
construir teorias e ideias explicativas coerentes de dimensões do real,
normalmente inacessíveis ao senso comum.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">É possível que nunca venhamos a ter a prova definitiva, positiva, das
nossas hipóteses e teorias mais elaboradas, pelo menos através da via
estritamente científica (isto é, racional, observacional e experimental). Os
instrumentos, princípios e regras lógicas do nosso pensamento são apenas isso
mesmo - instrumentos, meros “andaimes” do pensamento; não descrevem a realidade
em si, e muitos menos </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">são</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> essa
realidade. São reguladores estruturantes do pensamento, necessários à
construção de qualquer edifício teórico, não “reflexo puro” de “substâncias” ou
“princípios metafísicos”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">A “coisa em si” consiste, portanto, naquilo cuja existência e natureza
não podem ser conhecidas nem provadas. É esse “sempre mais além” cuja
existência intuímos, e que enveredamos todos os nossos esforços cognitivos para
desocultar, embora o fim nunca seja o fim, e a verdade total sempre nos escape.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Na verdade, não temos senão experiência imediata da qualidade subjetiva
das nossas perceções, sensações e ideias, no seio da nossa irredutível
interioridade. Cada uma destas qualidades – sejam sensações, pensamentos ou
sentimentos – é um “em si” que eu posso conhecer, objetiva e absolutamente. Não
falo dos objetos exteriores, mas da qualidade subjetiva das representações e
imagens da minha mente – a qualidade intensa, viva, incontornável de uma
perceção, cujo único ser consiste, na verdade, em ser para mim (ao contrário de
qualquer objeto exterior).</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">A qualidade de uma perceção visual ou táctil (p.ex. a rugosidade ou
lisura da mesa onde escrevo), tem um ser próprio que é para mim diretamente
acessível e é, na verdade, o seu único ser (o </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Esse est percipi</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> aplica-se às ideias e perceções, mas não aos
objetos exteriores, como anteriormente já vimos). Diria, com rigor, que só no
seio de uma subjetividade é possível a absoluta subjetividade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">O mundo dos fenómenos situa-se, por assim dizer, </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">entre duas metafísicas</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">: uma à qual temos acesso direto através da
consciência, no reduto da nossa interioridade subjetiva; e a outra, que é
aquela que se situa no exterior da nossa interioridade, para além e na base de
todo o fenómeno. A primeira é a dos objetos/essências mentais, situadas no
domínio da nossa interioridade subjetiva; a segunda a das essências
metafísicas, situadas para além da esfera da nossa consciência.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Talvez não exista, como já vimos, uma divisão absoluta entre ambas as
metafísicas. O mundo não chega a ser uma barreira: é apenas um espaço que se
abre à nossa existência, enquanto seres biológicos muito peculiares, desde que
começamos a existir, para que possamos efetivamente existir. Não nos limitamos
a existir </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">no</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> mundo, porque o mundo,
existencialmente falando, não é um lugar. </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Existimo-lo,
</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">porque a nossa natureza é existir, e através das nossas virtualidades biológicas
e da nossa liberdade; o que quer que lá fora haja de certa forma se entrega, e
por vezes se molda, não apenas ao que já somos, mas ao que voluntariamente
desejamos ser. O mundo não está pronto, à espera do ser para existir. Mundo e
existência são uma só realidade – não é apenas o homem que é ser-no-mundo, mas
o mundo que é ser-no-homem.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Dizia eu: talvez não exista uma divisão absoluta entre as metafísicas.
Desde que a consciência, e com ela a interioridade, se possam alargar e
expandir, quem sabe se no limite não é possível ter experiência subjetiva,
imediata, das essências do mundo, da “coisa em si”? Pudéssemos nós apreender a
“coisa em si” como se fosse uma ideia, uma qualidade mental, e qualquer
representação/mediação seria dispensável.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Peguemos em qualquer ideia, como a de “cavalo”, por exemplo. A perceção
que temos da imagem mental “cavalo” é imediata. Possuímos uma experiência
subjetiva, que é o mesmo que dizer, direta da ideia “cavalo”. Esta ideia é para
nós um objeto mental, uma totalidade absolutamente presente à nossa
consciência, pois a sua natureza consiste, integralmente, em ser-para-mim na
experiência de uma qualidade subjetiva. A sua natureza de evento fisiológico ou
neuronal não me interessa, não me diz respeito; pode ser </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">causa</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> da minha perceção, mas definitivamente não </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">é</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> a perceção, porque essa só existe ao
ser percecionada. Só aí, no espaço de uma consciência, é que ela emerge como
ideia, e só essa imagem me diz respeito, como qualidade que eu posso apreender.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Ora, supondo, como o fiz no início, que a realidade última, a “essência
de tudo” que é Existência, reside em tudo o que tem ser, e sustenta todo o ser,
então também a minha ideia de “cavalo” é constituída, na essência da sua
qualidade de perceção, pela realidade última.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">E supondo também que um conhecimento da realidade última tem de ser
existencial, isto é, só se efetiva </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">a
partir de dentro</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> do absoluto da existência primeira ou Existência, por via
de uma expansão da consciência/subjetividade pessoal até aos limites da consciência/subjetividade
absoluta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Segue-se, portanto, que a imediaticidade do conhecimento da realidade
última em muito se assemelha ao conhecimento imediato de uma ideia ou perceção.
Isto é: </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">presença absoluta</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> de uma
totalidade que consiste integralmente em ser-para-nós.</span><br />
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Mas, se uma ideia/perceção é já, em si mesma, presença absoluta, será
possível que ela possua uma natureza ainda mais profunda, como seja a da
realidade última que a constitui? Será possível à consciência conhecer-se </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">sendo, </i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">de outra forma que não seja
através de uma absoluta presença de si para si própria, na forma de uma
experiência qualitativa de uma perceção ou imagem mental?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Respondo que a experiência da presença absoluta de um objeto mental à
consciência, é já sintoma, em pequena escala, da imediaticidade decorrente de
um situação em que uma certa realidade tem acesso imediato à sua natureza
essencial – neste caso, falamos da consciência, que se experimenta a si própria
na qualidade dos seus objetos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"><br /></span>
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Ao ter acesso imediato à sua natureza essencial, denunciada pelo modo
absoluto como as ideias se apresentam perante a consciência, em total
ser-para-nós, a consciência encontra-se, realmente, presente a si própria na
sua natureza. A consciência revela-se, portanto, </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">ser-para-si</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">, condição de qualquer absoluto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.4pt;">Diríamos, por conseguinte que a natureza da realidade última está já
presente nessa qualidade que é experimentada subjetivamente e que consiste em
absoluta presença, constitutiva de qualquer perceção ou ideia. Assim, conhecer
objetivamente a natureza da realidade última, como existência absoluta, não
seria mais do que expandir a consciência até que ela fosse capaz de se tornar
absolutamente presente para si própria, na sua inteireza, explodindo com todas
as formas – perceções, ideias, conceitos -, deixando apenas, intacta, a
qualidade da pura presença.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: center; text-indent: 35.4pt;">
* </div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-87100099856587855602014-06-25T14:37:00.000+01:002014-06-25T14:43:56.811+01:00"Se", de Rudyard Kipling<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">(Tradução minha do original "If"; ver original <a href="http://www.poetryfoundation.org/poem/175772">aqui</a></span></i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><i>) </i></span><br />
<i><span style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><br /></span></i>
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se não perdes a cabeça quando todos à tua volta</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Perderam as suas e te culpam por isso,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se te manténs confiante quando todos duvidam de ti,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Mas reconheces o seu direito a duvidar;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de esperar sem desesperar,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Ou de nunca mentir, mesmo quando mentem sobre ti,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Ou de nunca odiar, mesmo quando és odiado,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E ainda assim não te revelas bom demais, nem presunçoso ao falar:</span><br />
<span style="background-color: white;"><br style="color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;" /></span>
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de sonhar sem te deixares subjugar pelos teus sonhos;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de pensar sem que o pensamento seja o teu único fim;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se, quando confrontado com o Triunfo e a Desgraça,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Tratas estes impostores com igual desprezo;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se suportas ver as verdades que uma vez pronunciaste </span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Distorcidas por gente sem escrúpulos para servirem de armadilha aos tolos,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Ou se te deparas com a ruína de tudo aquilo por que lutaste,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E tens força para reconstruir tudo de novo com ferramentas gastas:</span><br />
<span style="background-color: white;"><br style="color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;" /></span>
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de arriscar todas as tuas conquistas passadas,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Numa única jogada de sorte,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E perder, e começar tudo do início</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E jamais abrir a boca sobre a tua perda;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de dar o máximo do teu coração, nervos e tendões,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Mesmo depois de terem perdido toda a serventia,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E persistir quando já nada mais existe em ti</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Senão essa Vontade que não cessa de lhes dizer: "Persistam!"</span><br />
<span style="background-color: white;"><br style="color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;" /></span>
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se és capaz de te dirigir às multidões sem perderes integridade,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Ou caminhar lado a lado com Reis, sem perderes a simplicidade, </span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se não te deixas magoar, nem por inimigos nem por amigos muito amados;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se todos os homens podem contar contigo, mas nenhum em demasia;</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Se consegues encher cada minuto que passa, implacável,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">Com sessenta segundos que valham uma vida inteira,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">O mundo é teu e tudo o que nele há,</span><br />
<span style="background-color: white; color: #37404e; font-family: Helvetica, Arial, 'lucida grande', tahoma, verdana, arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 20px;">E, acima de tudo, serás um Homem, meu filho!</span><br />
<span style="background-color: white;"><br /></span>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-79401419158964015462014-05-27T15:17:00.002+01:002014-05-27T15:22:47.562+01:00Quais os nossos deveres para com as gerações futuras? - O "decrescimento" como proposta<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<i>Artigo proposto a concurso na edição 2013 do Concurso de Ensaio Filosófico da Sociedade Portuguesa de Filosofia (versão sem cortes e com nome acrescentado a posteriori)</i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<strong><span style="background: white;">Resumo: </span></strong><strong><span style="background: white; font-weight: normal;">Este artigo começa por problematizar o pressuposto de que temos deveres
para com as futuras gerações, antes de enunciar qualquer dever. Qual o
fundamento ético desse dever? Um caminho possível é o do princípio de
responsabilidade de Jonas, que institui como primeiro dever para com as
gerações futuras, o dever de prudência. Este traduz-se “numa nova espécie de
humildade” que reconhece a debilidade do poder de prever e ajuizar face ao poder
de agir. Largos domínios tecnológicos – biotecnologia, da genética, etc. –
estão abrangidos por este princípio pois influem diretamente na matriz da
condição humana. Os riscos são tanto maiores quanto maior é o desconhecimento
das consequências. Há todavia domínios cujas consequências para o ser humano
estão cientificamente bem documentadas e decorrem da ação humana no planeta.
Conhecemos não apenas as consequências, mas temos também o poder de agir.
Falamos do impacto da ação humana no planeta, traduzida em consequências
ecológicas graves que decorrem do sistema económico-político das chamadas
“sociedades do crescimento”. Se nada for feito para diminuir a “pegada
ecológica” da ação humana, o futuro do planeta ficará seriamente comprometido e
com ele as futuras gerações. Neste contexto, é não só prudente como urgente
agir. O crescimento pelo crescimento é pernicioso para as sociedades e para a
biosfera como um todo. Assim, elegemos a proposta do “decrescimento sereno” como
hipótese de trabalho económica e quadro ético-político para a mudança que urge
implementar. A proposta tal como é sistematizada por Latouche (2012) consiste
não apenas numa reestruturação do económico (menos consumo e predação de
recursos, respeito pelos ritmos da natureza), mas sobretudo do político, com
base num quadro ético que privilegia os valores da verdade, do sentido de
justiça e da solidariedade, e atribui maior prioridade aos bens convivenciais,
relacionais e espirituais do que ao bens materiais. <o:p></o:p></span></strong></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<strong><span style="background: white;">Palavras-chave: </span></strong><strong><span style="background: white; font-weight: normal;">prudência, crescimento, decrescimento, economia, capitalismo, ecologia,
política, obsolescência programada, consumo. <o:p></o:p></span></strong></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
<a href="https://www.dropbox.com/s/b2ethudbhyx0i6w/ArtigoSocPortFilosofia_2013_vers%C3%A3oinicial.pdf">Ler artigo integral</a> </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<strong><span style="background: white; font-weight: normal;"><br /></span></strong></div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-26695463126435859282014-01-15T19:13:00.002+00:002014-01-15T21:19:46.177+00:00Ensaio sobre a substância dos valores<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPyxWxLiH95U9SkUwFrad5lC1atNwOKsAL9Nb1WD6d5dDqBkCq6_MVYUKTw4PR_WAJRFcv_xzkQ0CkW92cv4YjnJBYGEtfFwN028mTHXDzFlb4lSSCQNjW_Z2X35eooH5O7RBSSg/s1600/delightc.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPyxWxLiH95U9SkUwFrad5lC1atNwOKsAL9Nb1WD6d5dDqBkCq6_MVYUKTw4PR_WAJRFcv_xzkQ0CkW92cv4YjnJBYGEtfFwN028mTHXDzFlb4lSSCQNjW_Z2X35eooH5O7RBSSg/s320/delightc.jpg" height="320" width="289" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Bosch, "O jardim das delícias"</td></tr>
</tbody></table>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Os valores não
são entidades metafísicas independentes do sujeito valorativo e da esfera
cultural. Não existem em nenhum plano metafísico, num mundo de idealidades ou
formas puras. É no contexto de uma cultura, primeiro como significados, depois
como símbolos, que os valores encontram o seu “ser” e substância. O mundo dos
valores é a esfera onde residem, sincrónica e diacronicamente, todos os aspetos
imateriais, simbólicos e semânticos de uma cultura; é nesta dimensão, coexistente
à dimensão física espacio-temporal, que os sujeitos se movem e constroem as
suas identidades socioculturais, logo morais. É nesta dimensão que os valores
nascem, emergem e adquirem progressivamente densidade ontológica, como se
construídos pela lenta sedimentação de camadas significantes. É nesta dimensão
que os valores se tornam urgentes, incontornáveis, comunicáveis e até
universais, e também a partir dela que aqueles influem na ação dos homens,
logo, na história. A substância de um valor sedimenta-se lentamente, passo a
passo, à medida que uma dada cultura, no seu fluxo auto-reprodutivo, vai
oferecendo fundamento e significado a esse mesmo valor. Temos vários exemplos
como o valor da dignidade humana, da liberdade ou qualquer outro, que têm a sua
história própria e ainda se nos apresentam como inacabados, limitados,
abstratos à sua maneira, carecendo de um trabalho semântico contínuo, de
manutenção, de conceptualização permanente. Porque os valores são substâncias
culturais, simbólicas e semânticas, não significa que se oponham à natureza
humana, ou que lhe sejam completamente alheios, se entendermos que esta se
manifesta, também, na e pela cultura. Tal como dissemos, a esfera axiológica
coexiste a esfera física espacio-temporal, não se lhe opõem porque a segunda
serve de substrato à primeira. No homem, a dimensão fisiológica serve de
substrato à esfera axiológica, e é também legítimo pensar que a natureza ou
condição humana, não sendo meramente fisiológica, se desdobra e exprime
plenamente exclusivamente e necessariamente através da cultura, que mais não é
do que uma atribuição humana de significados, uma reapropriação humana da
natureza e do mundo que diz mais acerca do homem do que acerca desse mesmo
mundo; se entendermos que a cultura não se resume apenas a uma forma de
dominação do “animal humano”, mas ao modo pelo qual o humano plenamente
se realiza, numa dialética sempre inacabada entre biologia e cultura. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Há por isso valores que emergem na
aurora de uma dada cultura, para os quais há necessidade de encontrar todo um
fundamento, um significado, um sentido, precisamente porque tais valores
aparecem como urgentes à emancipação da condição humana (em resposta, por
exemplo, a certos tipos de opressão). A opressão, nas suas várias formas, é
sempre parasitária, tende a contaminar a substância dos valores, a inoculá-los com
as suas ambiguidades, como um vírus, mantendo-lhes todavia a sua aparência
benigna, emancipadora e virtuosa, transformando-os em cavalos de Tróia da
opressão. Basta ver como o valores da verdade, da ordem, da honra, da bondade,
da justiça, e até da liberdade, foram e são ainda frequentemente
instrumentalizados pelos totalitarismos de toda a espécie, com rosto ou sem
rosto, políticos, económicos ou financeiros. Quanto mais abstratos os valores,
mais corrompíveis. Para evitar a corrupção dos valores, para lhes fazer a
manutenção que merecem, não há outra via que não seja a cultura, que é feita de
produção de significados novos, de interpretação de significados antigos, de
criação e tradução, de exemplos bons, de práticas concretas de bem-agir que são
sempre a forma mais eficaz de conferir substância vital aos valores, de os
encarnar, dando-lhes uma face mais concreta, definida e permanente. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Os piores vícios da natureza humana
exprimem-se também por via da cultura, e contribuem desse modo para a corrupção
dos valores, seja produzindo novos, seja parasitando os antigos de face
virtuosa. Há valores que se bastam a si próprios e a maioria das culturas
consagraram como virtuosos, como o altruísmo, a lealdade ou a abnegação. Outros,
como o egoísmo, só podem ser defendidos como virtuosos à luz de um
utilitarismo: são-no na medida em que produzem um bem maior; são-no na medida
em que abrem portas, segundo se diz, à concretização de valores virtuosos.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">Entendemos como viciosos ou
“negativos” todos os valores que favorecem de algum modo a opressão, e como
virtuosos ou “positivos” todos o que favorecem emancipação do homem. É óbvio
que o entendimento do que é “opressão” e “emancipação” humana é em si mesmo
discutível, remetendo-nos para as profundidades da ética e da antropologia. Emancipação
e opressão serão, em si mesmos, valores, igualmente passíveis de corrupção e
carentes de manutenção permanente, através da cultura. Isto, todavia, não deve
fazer-nos cair num relativismo sem solução, porque acreditamos que existem
aspetos da condição humana que são, em princípio, universais, mas cujos
contornos talvez ainda não sejam totalmente claros para nós. Estes talvez se
exprimam e condensem em valores, positivos e negativos, revelando tendências
mais consistentes que atravessam a história das civilizações e culturas
humanas, que não se dissipam facilmente e tendem a emergir e reemergir logo que
se tornam urgentes num dado período histórico. Estes podem surgir, na mesma
cultura em diferentes períodos históricos, ou em culturas distintas, com faces
e histórias diferentes, e certamente com distintos conteúdos experienciais. Os
valores não são estáticos nem estão dados. O que resiste deles é a sua face
virtuosa ou viciosa, que num dado período histórico emerge como urgente,
apontando caminhos e respondendo a determinadas aspirações humanas que vão
sempre no sentido da mudança, da emancipação, da liberdade, e não em sentido
inverso. No início da uma nova era civilizacional - como no renascimento
europeu, no pós-revolução francesa ou no pós-segunda guerra mundial - os
indivíduos viram-se sempre confrontados com a necessidade de dar corpo às
aspirações de emancipação mais profundas dos povos, de definir, assim sendo, a
natureza do bem e o mal, fosse produzindo novos valores, fosse abrindo um
processo de re-significação, limpeza e depuração de valores antigos cujo
significado foi contaminado ou parasitado por forças perversas, mas cuja
urgência para a civilização futura justificava esse esforço de reabilitação.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
De certo modo, o que aqui dizemos é
que os valores mais persistentes, enquanto “substâncias culturais”
(chamemos-lhes assim), revelam importantes tendências da condição humana, boas
ou más, virtuosas ou viciosas. São produto do enfrentamento, confrontamento,
interpenetração da natureza humana – entendida aqui estritamente como produto
da evolução biológica, estruturas genéticas definidoras e definitórias – com as
condicionantes impostas e possibilidades abertas pelo mergulho num dado período
histórico, espaço simultaneamente físico, espacio-temporal, simbólico e
semântico. Espaço material e imaterial no qual a natureza humana se debate, joga
e luta para encontrar um lugar, que na verdade não se “encontra” como se
estivesse dado, mas se constrói; debate, jogo e luta que resulta em criação, em
produção de cultura, em enriquecimento do património simbólico e semântico. Jogo
sempre inacabado, verdadeiramente trágico, que consiste precisamente na nossa
condição – a condição humana. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Em suma, os valores são objetivos
(logo, <i>objetos</i>), mas não são nem
essências nem formas puras no sentido clássico. São significados passíveis de
despoletar experiências significantes (encarnar valores como a bondade,
lealdade, altruísmo traduz-se em ações concretas, mas também em satisfação e
até em prazer estético visto que é visto como “belo” agir bem e heroicamente
por um valor elevado a ideal…), e de serem comunicados através de símbolos, ou
seja, de linguagem. Eles adquirem consistência ontológica à medida que o homem
se esforça por construir o seu “ethos” próprio, a sua morada. Para este efeito,
ele só pode fazê-lo através da cultura, que por sua vez exige memória, anamnese
coletiva, capacidade para ir às raízes, interpretar e reformular criativamente
as heranças da tradição. A cultura e, por inerência, os valores, não podem ser
vistos como objetos estáticos que a crista da tradição conduz na sua onda,
linearmente, do passado para o futuro, sem mais, sem retrocessos nem
necessidade de memória, que as gerações do passado transmitem, intocadas e intocáveis, às
gerações futuras. Quando se entende que as novas gerações não têm nada a
acrescentar à substância dos valores, e que esta se encontra bem definida por
autoridades a isso consagradas, detentoras derradeiras do seu significado e da
sua verdade, é como se se procurasse conter o fluxo incessante e auto-reprodutivo
da cultura, que a cada geração tem necessidade de se renovar, de se enriquecer
de símbolos e experiências. Tal como um fluxo de um grande rio não pode ser
travado, o fluxo da cultura também não. Querer atribuir definitivamente um
significado unívoco, universal, extra-histórico a um dado valor ou conjunto de
valores, é arrancá-los daquilo que lhes confere concretude e vitalidade
histórica. É torná-los progressivamente desconhecidos e estranhos aos olhos e
corações dos homens concretos e suas aspirações. É torná-los progressivamente
instrumentos daquela opressão de que falamos já, que oculta por detrás da face
virtuosa de valores como a liberdade, a justiça, o amor ou a verdade, uma
agenda de dominação que os transforma, por fim, em pálidas sombras das melhores
virtudes e mais altas aspirações humanas.</div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A cultura, tal como o nome indica,
implica o cultivar incessante de significados, e portanto de virtudes e valores
que uma dada civilização elege como estruturantes à sua própria existência e
perenidade. Cada geração tem o direito e o dever de redefinir a sua existência
histórica à luz das heranças que a cultura lhe outorgou, seja através da arte,
da literatura, da ciência, da filosofia, dos saberes teóricos ou
práticos. É talvez este o papel das chamadas <i>humanidades</i>, que na verdade deveriam congregar todos os saberes,
práticas, artes e ciências que são fruto da atividade humana e contribuem para
enriquecer a esfera semântica e simbólica da nossa cultura. Mas não: hoje as
humanidades são sinónimo de “letras”, ou seja, literatura, línguas, e todas
aquelas disciplinas que o cientismo da nossa época decidiu menorizar por falta
de “exatidão” e “culto excessivo da subjetividade”. Hoje, uma vez mais, urge
fazer um trabalho de re-significação que devolva às humanidades o seu crédito,
à luz de um ideal de unidade da cultura. E isso é possível, porque, até ver,
nenhuma autoridade ou cátedra tem o monopólio exclusivo de tais significados,
como não tem de nenhuns. </div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-10158984185793608342013-06-19T12:33:00.002+01:002013-06-19T12:33:51.900+01:00A "massa crítica" docente - para uma Educação com letra maiúscula<br />
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixEL_4OTSGwAcVMbyepM27_3tgG_zQg7bxdiMGr4vjFdr5gzF-CJJqhyyJa5yKuo7vwBXOBtqhxg02bM2jlBvvOQHpAbi9sXFFHpgVmGdZI1Sok4rqqL7WFhZUJZDUzbLPOWw_vg/s1600/salvador-dali.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="274" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixEL_4OTSGwAcVMbyepM27_3tgG_zQg7bxdiMGr4vjFdr5gzF-CJJqhyyJa5yKuo7vwBXOBtqhxg02bM2jlBvvOQHpAbi9sXFFHpgVmGdZI1Sok4rqqL7WFhZUJZDUzbLPOWw_vg/s320/salvador-dali.jpg" width="320" /></a></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
"Mas o que sabemos nós do «bem educar»? O que desejamos nós para os outros? Sem dúvida, o objetivo último que nos une a todos numa sociedade democrática é o de desenvolver a humanidade em cada ser humano."</div>
<div style="text-align: right;">
<br /></div>
<div style="text-align: right;">
Portoit e Desmet, "A educação pós-moderna"</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
É tempo de dar a voz aos professores. Evitaremos os discursos classistas: os professores de todos os níveis, do básico ao superior, não são nem uma "classe" nem têm qualquer razão para aderir a discursos sectários ou corporativistas. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Os professores não têm nenhuma razão para delegar em líderes sindicais um poder que é só seu, e que ninguém melhor do que eles próprios é capaz de utilizar e exercer, não só em nome da sua missão, mas em nome da educação nacional. Permitam-me utilizar o nome de "missão" e não de "profissão". Permitam-me falar em "serviço", e não em "trabalho" ou "emprego". Permitam-me falar em "educação nacional", e não em "escola pública". </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Porque a massa crítica a que é preciso dar voz não se dedica exclusivamente ao hoje, à semana seguinte ou ao ano que vem. A massa crítica dos professores não se limita a pensar no seu pequeno umbigo, na sua escola, na sua corporação, no seu "feudo" disciplinar. A massa crítica dos professores não tem qualquer interesse em proteger-se a si e aos seus, mas em pensar e transformar a Educação no seu todo. É isso que se espera da massa crítica dos professores, sejam do público ou do privado, do básico ou do secundário, do terceiro ciclo ou do superior. E é precisamente nisso que os professores podem dar o um grande e extraordinário exemplo de continuidade, consistência, responsabilidade e inteligência perante a instabilidade dos governos que passam, tão efémeros quanto as suas políticas, que ou não chegam a ganhar raízes, ou fazem mais mal do que bem. É pena, porque o solo é fértil e o clima favorável...</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Há que ser otimista, e por momentos acreditar que o "dever-ser" é, ou pode vir a ser. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
O professor é o embaixador do mundo perante as crianças e os jovens, e isso torna-o responsável por esse mesmo mundo (dizia Hannah Arendt). O professor - se for um mestre, e não um simples e zeloso funcionário - dá testemunho, pela sua simples existência, da possibilidade de um sentido, de uma razão para ser, pelos seus valores, pelas suas convicções, pelo seu amor (dizia Gusdorf algo de semelhante a isto). O professor, digam o que disserem, escrevam o que escreverem, não é um mero burocrata que se dedica a seguir e cumprir escrupulosamente as orientações e diretivas de um poder central sem rosto, ou de "máscara" variável. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Será mesmo assim? Se não é, devia ser. Há bons, excelentes professores, verdadeiros "missionários", mais do que simples profissionais; que estão "ao serviço", e não "empregados"; que pensam na Educação como um todo, e não apenas no seu reduto laboral de "funcionário público". Mas também os há muitos maus, medíocres e acomodados. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Precisamos que os professores no seu todo se unam e reclamem para si próprios o poder e a autonomia para gerir de forma responsável, consistente e duradoura os destinos da Educação. A massa crítica de 300 mil professores, a maioria altamente escolarizada e com acesso privilegiado às fontes do conhecimento e do saber, não pode continuar dependente do "centralismo democrático" de tutelas ministeriais, sindicatos ou partidos. Que escola queremos? Que modelos pedagógicos? Que finalidades para a educação? Que homens queremos formar? Que sistema nacional de educação queremos ter? Em que moldes? Como aproximar as escolas das universidades, dos centros de investigação, das comunidades, dos pais, dos laboratórios, das bibliotecas, dos museus, da ciência? Como implementar tudo isto, a longo prazo? Como desenhar um plano nacional de educação e comprometer os centros de decisão política a implementá-lo consistentemente ao longo de 10, 15 anos? Não há nada que reflita melhor a imaturidade da nossa democracia do que a falta de continuidade nas transições entre governos, e na implementação consistente e sistemática de reformas políticas. E só é assim porque a sociedade não é suficientemente exigente com a política e os políticos. </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
E que tal começar a responder a sério a estas questões e a muitas outras? E que tal tentar pensar os problemas da Educação e oferecer sugestões de resposta adequadas, fazendo valer a riqueza não apenas do estudo mas da experiência "profissional " acumulada? </div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Este é um debate tudo menos corporativista ou classista. É de todos: professores, estudantes e pais. É da sociedade. Trata-se de um dos poucos desígnios nacionais que depois de tanta resignação pautada aqui e ali por momentos de "estrebuchar" incipiente, alimentada por troikas e governos, pode galvanizar as melhores energias de uma sociedade.</div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
Deixem a vossa proposta para mudar a Educação na caixa de comentários. </div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-52092025912287597812012-11-02T22:46:00.002+00:002012-11-02T22:58:57.747+00:00Da humanidade do homem<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLcfowEICJQeFjvTk29PtPbGalZMTPltNjSLXdJLfEQ9EI5LgGZDqNAVc1sNeeKsJLCvD1r3GbirpGs-Si5AGcr_nptX6WDDa4OXnxK8nUYwvVoV0fQs3_AbSVOhFMCvLHR-XaQg/s1600/caminhante.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLcfowEICJQeFjvTk29PtPbGalZMTPltNjSLXdJLfEQ9EI5LgGZDqNAVc1sNeeKsJLCvD1r3GbirpGs-Si5AGcr_nptX6WDDa4OXnxK8nUYwvVoV0fQs3_AbSVOhFMCvLHR-XaQg/s320/caminhante.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
É preciso devolver o homem à sua humanidade. É preciso inventar um novo
significado para o ideal de progresso, tal que não mais seja sinónimo de
alienação e desvinculação do homem em relação a si próprio, mas antes de <i>re-humanização. </i>Este caminho faz-se, em
primeiro lugar, pelo reconhecimento do lugar do homem nas sociedade atuais,
bem como das forças que o ultrapassam e inclusive se autonomizam relativamente
ao seu poder, adquirindo um carácter de inexorabilidade que pouco a pouco
despedaçam, fragmentam, instrumentalizam o homem. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O homem torna-se vítima das forças que ele próprio, pela sua ação,
despoleta. O homem é o coveiro da sua própria humanidade, e mais ninguém. Tal
não seria possível se o homem não fosse capaz de pôr em marcha forças que estão
para além da sua humanidade, que a ultrapassam largamente ao ponto de poderem subvertê-la e
destruí-la. O homem está com um pé dentro e outro fora da sua humanidade. É
quando o homem perde o <i>controlo </i>que a
humanidade está em perigo. É precisamente esta a mensagem do mito antigo de
Pandora: podemos abrir a caixa, está ao alcance do nosso poder e por isso
fazemo-lo. Já não podemos estar certos de que seremos capaz de enfrentar as
forças que libertarmos, de controlar e eliminar o mal que pusermos
irrefletidamente em marcha, e que mais tarde ou mais cedo pode voltar-se contra
nós.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
A verdade é que o homem tem esse <i>poder,
</i>e ao tê-lo revela algo da sua própria humanidade. Pois, não acredito numa <i>humanidade essencial </i>diversa deste poder
humano de se superar. Não é o retorno de um hipotético <i>bom selvagem </i>que pretendo defender<i>, </i>nem sequer fazer uma apologia sempre perigosamente maniqueísta e
até ignorante de um <i>retorno ao paraíso</i>
pré-industrial, ou pré-técnico. Tal seria um outro modo de desvinculação do homem
relativamente à sua humanidade, outra forma de alienação. É constitutiva da
natureza do homem a capacidade de criar, de inovar, de cultivar (no sentido de
cultura), e até, num certo sentido, de manipular a natureza numa perspetiva
utilitária. A agricultura, só para dar um exemplo simples, é já uma forma de
manipulação, de colocar a natureza <i>ao
serviço</i> do homem. Assim, faz também parte da humanidade do homem a
prerrogativa da sua contínua superação, da sua <i>reinvenção</i> permanente por via da cultura nas suas mais diversas
expressões. Portanto, não se trata aqui de conduzir o homem de volta a uma
pretensa <i>natureza objetiva</i>,
determinada <i>a priori, </i>aprisionando-o
numa prisão ideológica (que é uma outra forma de alienação). O desafio é antes
o seguinte: preservar a humanidade do homem, a sua capacidade de (se)criar, de
inventar, de produzir cultura, sem que as forças postas em marcha neste
processo se autonomizem a tal ponto que fujam irremediavelmente do seu controlo
e acabem por espezinhá-lo.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
É preciso aceitar que todo o projeto humano é um projeto de risco. O
próprio homem, enquanto projeto, está sempre em risco de se desumanizar. Um
ideal político, um projeto científico ou tecnológico, um ideal filosófico,
contêm sempre um potencial de subversão, de desumanização. É sempre difícil
prever as consequências últimas de uma nova ideia, mesmo quando as intenções de
quem a propõe são as melhores possíveis. Não se pode, porém, eliminar ou
suprimir este risco. Não há como impedir o homem de ter ideias, de criar, de
inovar. Melhor dito: há como impedir por via da mordaça política, de um
totalitarismo ou de uma qualquer espécie de terror de estado.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Os totalitarismos são precisamente exemplos de regimes vocacionados única
e exclusivamente para manter o homem na infância, para o desumanizar
transformando-o num funcionário ao serviço de um quadro de ideias e de valores
que não são os dele, que lhe são impostos, que o impedem de se constituir como
projeto autónomo. O perigo de qualquer totalitarismo desumanizador é precisamente
o de afirmar um rumo, implementar e pôr em marcha uma ideia, um pensamento
único que não admite contraditório, e que determina muito bem o lugar e a
função do indivíduo no corpo social, isentando-o de pensar ou sequer de se
responsabilizar para além do estritamente necessário ao seu cumprimento. De
facto, numa sociedade deste tipo o risco não existe. Todas as ideias que não
emanem do núcleo duro da classe dirigente são severamente escrutinadas e, até
prova em contrário, heréticas. Ao indivíduo não se lhe reconhece nenhuma
capacidade criadora, inventiva, inovadora para além dos cânones muito restritos
que a ortodoxia determina, e se reconhece, olha-a apenas como um instrumento <i>útil</i> para fins de propaganda. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Suprimir o risco de qualquer empreendimento humano, individual ou
colectivo, suprimindo a própria capacidade de pensar e de ter ideias, é
expropriar o homem daquilo que ele tem e pode fazer de melhor, por receio do
que ele possa fazer de pior. O pessimismo do homem em relação a si próprio é
talvez uma das maiores ameaças à sua humanidade. É preciso acreditar que o
homem pode fazer o bem, pode construir e não apenas destruir, pode ser <i>humano, </i>caso contrário qualquer projeto
de humanização do homem está condenado ao fracasso. Seja por via da educação,
seja por via da ação política, a desconfiança relativamente às possibilidades
humanas não é capaz de construir a autonomia, de abrir espaços de liberdade a
partir dos quais cada homem possa criar, inovar, pensar, agir a partir de um
projeto próprio. É preciso cultivar o otimismo no homem para que ele tenha
espaço suficiente para <i>ser, </i>sem que a
espada de Damócles da heresia e da subversão pairem constantemente na sua
cabeça.</div>
<br />Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-57814109101083814052012-10-05T15:32:00.000+01:002012-10-05T15:34:00.252+01:00O CALVÁRIO DA REPÚBLICA<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://1.bp.blogspot.com/-4jNSrktOJ1A/UG62HbLLH-I/AAAAAAAAD3I/dL-18nnU9ss/s1600/ngAF57FF43-C659-4781-904B-5925E57B47B5.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="240" src="http://1.bp.blogspot.com/-4jNSrktOJ1A/UG62HbLLH-I/AAAAAAAAD3I/dL-18nnU9ss/s320/ngAF57FF43-C659-4781-904B-5925E57B47B5.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Hoje, durante o astear da bandeira nas comemorações do 5 de outubro. <br />
Não é a bandeira que está ao contrário, mas antes Portugal inteiro que está a fazer o pino para fazer o dinheiro chegar ao fim do mês. </td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
<br />
A república está moribunda. Está ferida, doente, anémica, pálida, incapaz de se sustentar, de cumprir as suas promessas. A república está refém dos erros de todos aqueles que absolutizaram a liberdade e relativizaram a responsabilidade em todos os domínios da "coisa pública" - político, económico, moral -. A república é hoje uma mulher mal amada, e sobre cujas vestes - já de si esfarrapadas - foram tiradas sortes. Como noutros tempos, muitos ou quase todos gritam desalmados "crucifiquem-na!", "crucifiquem-na, pois ela não cumpriu as suas promessas de paraíso! O reino não veio como ela prometeu!".<br />
<br />
Porque não sabem o que fazem, vão acabar por crucificá-la: como sempre, a mensageira perece como bode expiatório dos pecados de todos nós. Não foi a república que não cumpriu as suas promessas: fomos nós, todos nós, que a levamos ao calvário por causa dos nossos pecados. A república pressupõe a gestão da coisa pública, ou seja, a administração dos espaços comuns baseada em valores comuns, para o benefício de todos. A democracia, pressupõe que esta gestão se faça pelos cidadãos, diretamente ou por via dos seus representantes eleitos. Ora, se a "res pública" degenerou em "res privada", também a democracia parece ter degenerado em partidocracias e "cracias" várias, pelo que o divórcio é flagrante entre os centros de decisão e os cidadãos.<br />
<br />
Os gestores da coisa pública, na sua maioria, já não representam: apenas se representam. Mas a culpa não é apenas "dos políticos"; é também, e sobretudo, dos cidadãos ao terem permitido este divórcio, por andarem distraídos com a sua "individual, subjetiva e absoluta felicidade". Ninguém se deve esquecer que o seu espaço privado não existe por si só, isolado e insular. É antes peninsular, está ligado inexoravelmente ao <i>continente</i> do espaço público, para o bem e para o mal. A minha família, a minha "felicidade" está inextrincavelmente ligada ao sucesso e à felicidade dos outros.<br />
<br />
A emancipação do individual não se faz à custa da opressão do coletivo, nem a emancipação do coletivo à custa da opressão individual. O liberalismo político - essa grande conquista da modernidade -, trouxe a intenção de uma emancipação do indivíduo, política, civil e económica. Mas toda a revolução - por mais bem intencionada - atrai a sua conta de oportunistas da "pior espécie", como bem defendia Carlyle. Logo, a "emancipação" foi tomada como absoluto, em si mesma. Alguns, a bem da sua emancipação, da sua "felicidade", acharam legitimo e pertinente relativizar a "felicidade" dos outros, como quem diz, colocá-la ao serviço da sua "soberana liberdade".<br />
<br />
A liberdade, que começou por ser vista enquanto "liberdade objetiva do sujeito" - inalienável portanto do respeito pelo outro enquanto "fim em si mesmo" - , degenerou naquilo a que se chama hoje muito prosaicamente de "liberdade individual", que mais não é do que a absolutização da liberdade subjetiva. Aquilo que Valadier diz, neste contexto, faz todo o sentido: relativizamos os valores que os outros defendem, mas absolutizamos os nossos. Relegamos os valores dos outros para o reino da subjetividade - é a "tua" opinião -, mas queremos que os valores que defendemos sejam tomados universalmente, mesmo que digamos "é apenas a minha opinião...". Intimamente pensamos, "eu estou correto, e ele está errado."<br />
<br />
A democracia e a república só sobrevivem se os indivíduos, na sua subjetividade legítima, se voltarem para fora desta mesma subjetividade. Se é verdade que o indivíduo se emancipou da opressão exterior dos absolutos políticos, religiosos ou outros, também é verdade que existe um absoluto do qual este ainda não se emancipou - o absoluto relativismo do "eu próprio".<br />
<br />
Não é que não seja necessária uma cultura do indivíduo. Nenhum de nós está disposto a abdicar - justamente - da sua personalidade jurídica, dos seus direitos consagrados, da sua liberdade e autonomia, do reduto intocável da sua consciência, do primado do fundamento radical da sua liberdade. Justíssimo, desde que sejamos capazes de reconhecer, nos outros, a mesma personalidade, a mesma liberdade e a mesma autonomia - ou pelo menos o seu potencial de autonomia -. Nem sempre estamos prontos a reconhecê-la, pois tal reconhecimento traz consigo um quadro de deveres e obrigações. Os deveres e as obrigações forçam-nos - por vezes preguiçosamente como quem tem preguiça de se levantar da cama - à exteriorização, à saída de nós próprios e do nosso "ego de conforto". Obriga a um empenho relativamente à "coisa pública", a um ou a vários compromissos, não apenas para connosco, com este ou aquele homem, mas para com a humanidade.<br />
<br />
A decadência de qualquer civilização ou sociedade começa precisamente quando o nível de compromisso para com os deveres atinge o seu mínimo. Não digo que o compromisso com os direitos não seja também importante. É-o muitas vezes absolutamente fundamental, sobretudo quando esta decadência civilizacional traz consigo a opressão de alguns sobre muitos. Porém, essa mesma opressão é sinónimo de uma decadência: a do compromisso do agente público, do político, para com as suas obrigações e deveres "públicos".Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-40006141698029587002012-09-29T02:12:00.002+01:002012-09-29T02:13:21.825+01:00EPISTEMOLOGIA E O HOLOGRAMA DA VERDADE<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.coolmath.com/fractals/images/fractal21.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="http://www.coolmath.com/fractals/images/fractal21.gif" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<b><u><br /></u></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<b><u>A EPISTEMOLOGIA E AS LUTAS PELA SUPREMACIA ENTRE CRITÉRIOS DE VERDADE E JUSTIFICAÇÃO<o:p></o:p></u></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Toda a ciência é precedida de uma epistemologia. Qualquer disciplina do
pensamento que coloque como fim a descoberta da verdade e, portanto, se aplique
ao estudo e compreensão de um determinado objeto – logo, tenha pretensão à <i>objetividade</i> – baseia-se já, mesmo que
de forma natural e inconsciente, em pressupostos acerca do que se deve entender
por <i>verdade</i> e <i>objetividade</i>. Baseia-se, portanto, numa epistemologia. Isto porque
qualquer ciência com pretensão à objetividade tem também pretensão à
universalidade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não faria sentido estabelecer critérios de verdade e de evidência para
uma ciência se esta não pretendesse que os seus resultados fossem objetivos,
verdadeiros e universais. Não fosse a própria epistemologia uma ciência da
verdade, que partilha da mesma pretensão de universalidade de todas as outras
ciências. Pois, existe uma epistemologia da epistemologia? Existe uma
epistemologia da epistemologia que por sua vez está na base da epistemologia?
Onde acaba a ciência da verdade? Existe uma ciência última ou primeira da
verdade que subjaz a todas as outras? Estes debates são muito antigos e
opuseram durante séculos defensores de perspetivas fundacionalistas,
coerentistas, subjetivistas, empiristas, racionalistas, entre outros. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
A ciência última, a epistemologia última, dar-nos ia o critério
derradeiro para distinguirmos a verdade da falsidade, a certeza do erro.
Descartes identificou precisamente este critério último de verdade com a
evidência “clara e distinta”. Tudo o que se apresentasse “clara e
distintamente” ao seu espírito deveria ser considerado verdadeiro. No fundo, toda
a certeza que se emergisse claramente, cuja obviedade fosse absolutamente
resistente a qualquer tentativa de refutação, deveria ser considerada
verdadeira, sem mais - como quem diz, sem necessidade de nenhuma justificação
adicional, portanto, auto-evidente -. Se existiam, para Descartes, algumas
verdades deste género, “claras e distintas”, outras porém exigiriam um maior
esforço da razão para conquistar a sua evidência. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O problema de uma epistemologia última (ou primeira) é precisamente o de
ter de se mostrar capaz para produzir critérios de verdade aplicáveis, não só
às outras ciências, mas também a si própria. A epistemologia primeira tem de
ser capaz de se auto-justificar. Tem de produzir critérios de verdade
universais e, ao mesmo tempo, explicar porque é que ela própria é verdadeira
precisamente à luz dos mesmos critérios. Tem não só de estabelecer o que <i>é</i> a verdade, mas também de ser <i>a</i> verdade. Pois, afinal, como será
possível dar crédito a uma ciência com pretensão de verdade se os princípios
nos quais se estabelece não forem verdadeiros? Ora, uma ciência última da
verdade não poderia encontrar a sua justificação noutra ciência mais
fundamental. Não poderia ser verdadeira em função dos critérios estabelecidos
por outra ciência mais radical. Teria de ser verdadeira por si, <i>em si</i>, <i>a priori</i>. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Tal ciência <i>a priori </i>constitui
uma demanda filosófica desde Platão, e talvez mesmo antes com a noção de <i>arké</i> ou de <i>princípio último </i>da realidade visível. Precisamente, procurava-se
desvendar a <i>arké</i> de toda a realidade,
o princípio último que lhe conferia consistência e verdade. Neste sentido, toda
a filosofia e cosmologia começou por ser uma <i>arqueologia</i>, uma ciência do princípio último de tudo o que existe.
Quanto ao mundo físico, ao universo, esse princípio de consistência teria de
material como o próprio mundo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Porém, e como já os pitagóricos séculos antes de Platão haviam defendido,
tal princípio poderia ser também da ordem do imaterial – o número, a forma
geométrica. As qualidades do mundo seriam, na sua essência mais fundamental, no
seu <i>arké, </i>quantidades geometricamente
dispostas, extensas. O universo seria, portanto, um desdobrar de quantidades
extensivas que partiu, na sua origem, do ponto, logo, da unidade não extensa. A
Platão – certamente um admirador dos pitagóricos – interessava menos a questão
cosmológica da origem do Universo do que a questão do mistério de ser possível
aceder, por via do exercício da razão, às formas últimas da realidade. A razão
parecia constituir uma faculdade quase divina, capaz em última análise de
aceder a um meta-mundo, aquilo que hoje chamaríamos de uma outra <i>dimensão </i>da realidade, precisamente a
dimensão que conferia inteligibilidade à dimensão do mundo físico. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O mundo sensível, só por si, não poderia ser compreendido sem o suporte
da inteligibilidade que um outro mundo mais simples – o mundo das formas puras
– lhe conferia e ao qual a razão, por via do de um exercício que hoje
chamaríamos de <i>abstração</i>, <i>simplificação</i> ou <i>redução, </i>era capaz de aceder. A verdade situava-se, precisamente,
neste meta-mundo de inteligibilidades simples do qual o mundo sensível, no seu
vasto espectro de contrastes, contradições e multiplicidades constituía apenas
uma sombra, uma aparência esbatida e demasiado mutável para constituir, em si
próprio, um mundo de certezas. Para parafrasear um dito muito posterior a
Platão, o reino da verdade não era, de facto, deste mundo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Os racionalistas, com as devidas variantes
ao longo da história da Filosofia, sempre defenderam a supremacia da razão
enquanto faculdade privilegiada no acesso à verdade. Fosse por via do acesso a
um meta-mundo de inteligibilidades, fosse por via do acesso a ideias inatas da
razão, fosse por via da razão enquanto suporte e sustentáculo da própria
realidade objetiva sem o qual o mundo simplesmente não <i>seria, </i>fosse por via de uma identificação clara entre a realidade e
a razão, ou a razão e a realidade, ou ambas ao mesmo tempo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Kant e a sua via crítica, ainda que tenha retirado à razão a primazia da
objetividade – a razão não produz objetos nem sequer possui ideias constituídas
acerca do mundo -, continuou a dar-lhe a primazia no processo de constituição
do fenómeno. A razão continua a ser, para Kant, a faculdade que confere
inteligibilidade. É a variável inteligente da equação do conhecimento, sendo
que a sensibilidade, só por si, é “cega” se os seus dados não forem devidamente
<i>organizados</i> pelas categorias <i>a priori</i> do entendimento. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
A objetividade, para Kant, não se atinge pelo conhecimento do objeto <i>em si próprio, </i>simplesmente porque
nenhuma faculdade do sujeito é capaz de aceder à mesmidade ontológica da “coisa
em si”. Não existe identificação ontológica entre a razão e a realidade <i>em si</i> do mundo. A relação não é imediata
e privilegiada. É antes mediada, exige <i>adaptação</i>,
<i>tradução</i>, conferência de
inteligibilidade e de ordem aos dados que chegam, desordenados, aos sentidos.
Neste sentido, há um maior grau de subjetividade nesta abordagem, simplesmente
porque se coloca o sujeito na equação como “legislador”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Em termos gerais, podemos designar
os racionalistas e idealistas enquanto defensores da <i>imediaticidade</i> da verdade, portanto, de uma objetividade
irrestrita. É possível atingir a verdade <i>em
si mesma, </i>na sua essência, não como aparece mas como <i>é </i>enquanto <i>é </i>o que <i>é</i>. A razão não só contém em si própria
algumas destas verdades mas também contém em si os critérios últimos que
permitem decidir acerca do que é verdadeiro e do que é falso. São critérios
sobretudo lógicos, simples e auto-evidentes que, por si mesmos, excluem
qualquer possibilidade de erro. Assim, o mundo exterior, físico, dos sentidos,
tem de se submeter a estes critérios pois o sujeito é precisamente aquele que,
por via da razão, tem acesso ao <i>subjectum
</i>– ao que subjaz, ao que está subjacente, à estrutura do mundo -. O sujeito,
por via da faculdade da razão, transcende o próprio mundo para trazer à
imanência da compreensão a urdidura matemática, lógica, fundamental do mundo.
No idealismo essa transcendência é, ao mesmo tempo, imanência. O mundo ou
certos aspetos dele existem porque eu sou capaz de os produzir, pensar,
idealizar. O mundo existe enquanto eu existir (e mesmo que eu deixe de existir,
Deus há-de garantir que tudo continuará a existir pois ele vê tudo, ao mesmo
tempo, em todos os momentos). As coisas existem enquanto puderem ser alvo da
minha perceção e reflexão (O <i>Esse est
percipi </i>de Berkeley). </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Por outro lado, os empiristas
conferem um outro estatuto à razão. Em diferentes graus, o cepticismo derivado
das perspetivas empiristas do conhecimento retiram à razão o seu estatuto de
juiz último da verdade. A verdade não é cognoscível <i>em si, </i>imediatamente, na sua totalidade e dentro dos seus limites
objetivos. Mesmo os princípios lógicos, matemáticos, não constituem <i>a</i> verdade, a estrutura última e
permanente do mundo acessível ao poder da razão, nem sequer podem ser
entendidos como critérios objetivos para decidir definitivamente acerca da
verdade ou da falsidade seja do que for. Não é possível ter contacto direto e
imediato com as essências e formas puras e universais que subjazem aos objetos
do mundo, mas apenas com os vários tipos de sensações que eles despertam quando
o sujeito os percepciona por intermédio dos sentidos. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
É a partir deste contacto – sempre parcial, sempre incompleto – com os
objetos do mundo que o conhecimento faz o seu caminho. Neste contexto, não se
pode afirmar que existe sequer uma soberania absoluta da experiência. Para os
empiristas como David Hume, a experiência é, sem si própria limitada, parcial e
incompleta. Não podemos ter acesso à totalidade do mundo que é, como quem diz,
à totalidade da experiência ao mesmo tempo. Ora, daqui se conclui necessariamente
que as nossas crenças acerca do mundo só podem ser provisórias, e qualquer
pretensão à universalidade é perigosa e até, na perspetiva humeana,
“irracional”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Não existe nenhuma garantia lógica, racional, absoluta e necessária que
confira verdade universal às conclusões obtidas por via da indução. Portanto,
mesmo as verdades da ciência – as leis newtonianas por exemplo – baseiam-se num
princípio que, bem vistas as coisas, não podem ser justificado racionalmente,
pois não é racional fazer previsões ou generalizações matemáticas ou lógicas a
partir de casos particulares da experiência. A simplificação/redução - que para
os racionalistas constituíam os processos de raciocínio que permitiam aceder à
verdade fundamental do universo -, constituem, para os empiristas/céticos,
processos perigosos de generalização/previsão que não possuem qualquer validade
em si próprios, pois a razão por si só não tem qualquer privilégio no acesso à
verdade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<b><u>VERDADE – SEMPRE A VERDADE! -, OS VALORES E O DIÁLOGO DA COMPLEXIDADE<o:p></o:p></u></b></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Apesar da predominância social e cultural das ciências experimentais,
físicas e matemáticas nos dias de hoje, continua a colocar-se o problema da
verdade e da justificação das nossas crenças. Ainda assim, existe um outro
problema que se vai impondo, hoje mais do que nunca. Não se trata tanto da
dimensão epistemológica ou gnosiológica, mas da questão ética e axiológica. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Pois vejamos: a verdade continua a ser um problema de ordem gnosiológica,
pelo menos para aqueles que se dedicam aprofundadamente à questão – geralmente
os filósofos – e não se satisfazem apenas com a verdade científica,
experimental. A verdade é, hoje, um problema de ordem valorativa, ética, mais
do que nunca. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Aparentemente – e sublinho a aparência – a ciência, pelos seus resultados
extraordinários, pela sua dimensão utilitária e funcional, pelo seu progresso
exponencial - sobretudo no século passado - sem precedentes em toda a História
humana registada, parece ter esvaziado o discurso epistemológico e gnosiológico
acerca da verdade e da objetividade. A ciência funciona, os seus métodos quase
não encontram adversário no espectro das disciplinas do pensamento humano.
Existe de facto um outro critério epistemológico, não já da ordem da evidência,
mas da ordem da utilidade. Esta perspetiva epistemológica acerca da verdade
muito deve ao pragmatismo. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Ao mesmo tempo que a discussão
epistemológica parece ter-se esvaziado, a questão ética e axiológica parece ter
tomado a ribalta. O movimento é curioso por ser o inverso daquele a que a
Europa assistiu na transição da idade média para a modernidade: o esvaziamento
da verdade enquanto dimensão axiológica e moral e a emergência da discussão da
verdade em termos epistemológicos e gnosiológicos. A Igreja e a sua soberania
moral e intelectual – e muitas vezes temporal – estabelecia claramente os
limites da verdade e da falsidade no campo da moralidade. Fazia-o também em
termos de verdade e falsidade cosmológica e filosófica, na medida em que a
crença nos cânones da moralidade dependia de uma fé irrestrita na visão do
mundo oferecida pela igreja e os seus sacerdotes. Tal explica que a perseguição
àqueles que, pela via do conhecimento filosófico, científico e epistemológico
colocaram em causa esta mundivisão, tenha sido tão dura e sem quartel. Se a
igreja e os guardiães da sua doutrina tinham a sua própria epistemologia na
medida em que definiam o critério da fé enquanto critério de verdade, os
filósofos metafísicos e naturais defendiam, por outro lado, o critério da
racionalidade, da observação e experimentação. Assim nasceu o método
científico, precisamente como resposta epistemológica que viria, uns séculos
mais tarde, a submeter a predominância moral da religião sobre os espíritos. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Hoje, essa via da racionalidade
parece ter tomado o seu lugar ao ponto de, em certa medida, se ter tornado
também numa questão de fé com a sua doutrina e a correspondente elite de
guardiães e sacerdotes. A sua predominância é da ordem do intelectual mas,
curiosamente, a maior ameaça a visão do mundo que propõe é da ordem da ética,
da moral e da axiologia. É hoje consensual que é necessário pensar a ciência e
o seu desenvolvimento à luz dos valores da dignidade humana e da democracia,
estabelecendo-lhe limites éticos claros. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Porém, a própria racionalidade científica e tecnológica defende-se
procurando, em muitos momentos, naturalizar, reduzir e simplificar o raciocínio
ético e valorativo atribuindo-lhe uma explicação natural ou naturalista que o
esvazia de conteúdo e de sentido. Neste sentido, a melhor defesa é precisamente
a de impedir a suspensão da reflexão axiológica e ética por via de uma
discussão racional e filosófica permanente que se oponha as tentativas
naturalistas e neopositivistas para terminar, numa penada biologista, com todas
as justificações em detrimento das explicações. Talvez seja mesmo necessária
uma epistemologia da axiologia, ou seja, uma reflexão acerca dos critérios de
verdade e evidência que estão na base de uma filosofia dos valores, do bem e do
mal, do certo e do errado, dos princípios morais e éticos que procuram
responder à questão de <i>Como devemos agir.
<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
A fé na técnica e na racionalidade científica não deve conduzir à
suspensão do pensamento relativamente a outras formas de racionalidade, do
mesmo modo que a fé na doutrina da igreja pressupunha a suspensão da racionalidade
filosófica e naturalista. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Há sempre uma perigosa tendência de tomar a parte pelo todo, de assumir
uma postura totalitária procurando alargar um tipo de metodologia ou
racionalidade que funciona muito bem em certas dimensões muito específicas da
realidade, a todas as dimensões. A racionalidade, como defende Edgar Morin,
pode degenerar em <i>racionalização. </i>A
racionalização é um processo de redução e simplificação que reduz a realidade
complexa, multifacial e multidimensional a uma só dimensão. Há sempre um risco
de um determinado tipo de racionalidade querer assumir uma postura hegemónica
no campo do conhecimento, reduzindo todas as outras abordagens a uma só, como
se esta última estivesse no fundamento de todas as outras e explicasse todos os
fenómenos. Dá-se com as tentativas de reduzir os fenómenos biológicos a
fenómenos físicos, explicáveis numa ou em várias fórmulas físico-matemáticas,
na tentativa de reduzir a discussão ética e moral ao estudo neurocientífico das
estruturas naturais do cérebro, ou no esforço para reduzir o estudo da
consciência e dos processos mentais às ciências da computação ou da
cibernética. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Existe o chamado <i>princípio da complexidade </i>que determina
que a complexidade do real não pode nem deve ser reduzida e simplificada nos
limites fechados de um tipo estrito de racionalidade. O Universo é não só
extremamente complexo como essa complexidade ainda não terminou – e não se sabe
se alguma vez terminará – de se complexificar. Uma só abordagem não pode dar
conta de toda esta simplicidade. Hoje, mais do que nunca, é necessário
estabelecer pontes entre as disciplinas, entre os tipos de racionalidade, entre
os campos do vasto espectro do conhecimento humano. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
É verdade que cada tipo de racionalidade, cada disciplina, tem a sua
própria epistemologia e, consequentemente, os seus critérios de verificação ou
falsificação. Porém, é possível e necessário estabelecer uma epistemologia
mínima que só o diálogo racional, aberto e sem preconceitos entre as
disciplinas e racionalidades pode conseguir. Várias epistemologias não
significam que a subjetividade venceu sob a capa de cordeiro da objetividade. Significa
antes que a própria complexidade do real solicita hoje uma redefinição do
conceito de objetividade e subjetividade. Nenhuma ciência pode conter a
totalidade, mas todas juntas, em diálogo estreito e aberto, podem ir desenhando
uma imagem do Universo - não será antes Multiverso? - que se aproxime pouco a
pouco da realidade objetiva, como se todos os campos do conhecimento humano
concorressem, por fim, para um monumental holograma da Verdade. </div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-66372348595907007282012-09-23T19:08:00.000+01:002012-09-23T19:29:58.878+01:00Neurobiologia e ética - o totalitarismo do "empiricamente objetivável"<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYXXW0Qcbawn4aP61tF7tyg9p9GdvwWNWvPmdrCsiY6FqIhdOo5BL2n0MS8qRcQv0qGjyyOqnYaAuZIHoNODiwTbUKdTi-CStlt4rYfZ_KjlTyLveg9hfN1JeeKfDtoOoP18WKpA/s1600/0,,19739429,00.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhYXXW0Qcbawn4aP61tF7tyg9p9GdvwWNWvPmdrCsiY6FqIhdOo5BL2n0MS8qRcQv0qGjyyOqnYaAuZIHoNODiwTbUKdTi-CStlt4rYfZ_KjlTyLveg9hfN1JeeKfDtoOoP18WKpA/s1600/0,,19739429,00.jpg" /></a></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<br />
<div style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;">
A propósito do artigo intitulado <i>As raízes neurobiológicas da justiça, </i>publicado num blog relacionado com as neurociências (<a href="http://jus.com.br/revista/texto/22670/as-raizes-neurobiologicas-da-justica#ixzz27Ivt75n8">http://jus.com.br/revista/texto/22670/as-raizes-neurobiologicas-da-justica#ixzz27Ivt75n8</a>), achei por bem tecer algumas
considerações que me parecem pertinentes no sentido de introduzir alguma prudência na tentativa "empírica" de justificar a condição ética do ser humano. </div>
<div style="margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm;">
<o:p></o:p></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<i>"Já há indícios
de alguma disposição para estabelecer um debate entre as ciências que se ocupam
do cérebro e da conduta e a tradição dos filósofos e teóricos do direito, no
sentido de admitir que a partir da aceitação dos melhores dados disponíveis
acerca de como são os seres humanos será possível reconstruir, sobre bases
empiricamente mais sólidas e seguras, os fundamentos do direito, da justiça e
da moral."<span style="line-height: 150%;"> </span><span style="line-height: 150%;">Portanto, estes senhores propõem que se assentem as bases do
direito, segundo compreendi, em "bases empiricamente mais sólidas e
seguras" de "como são os seres humanos".</span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Aquilo que eu
pergunto é o seguinte: o que significa neste contexto o "ser", a
"natureza" humana que se pretende empiricamente desvendar? Pois, eu
também defendo que, no limite, a posse do conhecimento acerca da
"natureza" humana nos daria uma base segura para respondermos à
questão de "como devemos viver". Não sou porém tão otimista como
estes senhores ao defender que tal natureza seja objetivável por via da investigação
empírica, científica, biológica. O ser humano - é triste que tenha de lembrar
sobretudo aqueles que defendem uma perspetiva evolucionista - é o animal menos
determinado em termos biológicos. A genética, ainda que tenha um papel
estruturador básico, não determina definitivamente aspetos tão simples como a
língua que falamos, as nossas crenças, o nosso agir perante a contingência do
mundo. Mais: precisamente essa indeterminação permitiu-nos enfrentar e superar
a contingência, ao oferecer-nos instrumentos de resposta adaptativa
perante a imprevisibilidade e a mutabilidade do mundo, sempre prenhe de
desafios à sobrevivência. <u>Assim - e já Piaget o tinha afirmado e muito bem - as
nossas estruturas cognitivas e morais desenvolvem-se numa relação irredutível a
qualquer uma das partes: meio ambiente (mundo), genética e ação do indivíduo no
mundo. </u></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
A que chamam os
neurobiólogos, portanto, de "natureza humana"? Essa mesma que pode e
deve ser "empiricamente objetivável"? À genética "a priori", chamemos
assim, ou às estruturas cerebrais de um adulto formado? Vejamos o que diz o
artigo: </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<i>"Ernst Fehr
e seus colaboradores (2002) estudaram esta questão explorando os cérebros de
sujeitos mediante a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) enquanto estes
decidiam se castigar a uma pessoa que havia abusado previamente de sua
confiança violando uma norma justa. O estudo demonstrou que a parte do cérebro
crucial no circuito da recompensa ou gratificação se ativa enquanto os sujeitos
estão decidindo se castigar ou não. Pesquisadores anteriores demonstraram que
esta mesma área se ativa quando, por exemplo, os sujeitos recebem dinheiro,
vêem caras formosas, consomem cocaína ou no caso de indivíduos enamorados ao
ver imagens de seus amados ou amadas."</i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Partindo da
tomografia de um cérebro adulto - com as estruturas já formadas ou na fase mais
avançada da sua formação - os cientistas concluíram - vejam bem! - que a
resposta cerebral ao ato de condenar ou castigar alguém por ter violado uma
regra comunitária considerada por todos como "justa" é uma resposta
de satisfação ou reforço positivo, semelhante ao que se passa quando consumimos
uma droga, ou quando estamos com a pessoa que amamos ou - acrescento eu -
quando nos congratulam por algo que fizemos corretamente. O que diz isto acerca
da justiça ou dos seus princípios? Em primeiro lugar, trata-se de um adulto já
formado e, portanto, não compreendo porque parecem menosprezar ou esquecer
todo o processo de socialização e de estruturação construtivista que já se deu
ao longo do processo de desenvolvimento. Por outro lado, se o mesmo se passa
quando comemos chocolate ou consumimos uma droga, então tal significa que a
nossa "natureza" já possui em si as estruturas a priori para
apreciarmos "aquele" chocolate em particular ou para nos sentirmos
bem com "aquela" pessoa por quem nos apaixonamos? O reforço positivo
e a satisfação manifestados numa área do cérebro podem explicar, em parte, o
porquê de nos sentirmos bem por termos cumprido uma regra justa. Mas não diz
"que" regra justa, ou sequer quão abrangente e pertinente é essa
"regra" justa que cumprimos tão satisfatoriamente. <u>Ou seja, dito de
outra forma, podemos ficar satisfeitos por termos cumprido uma regra que
consideramos justa do mesmo modo que um cão se sente satisfeito por obedecer à
ordem do dono, ou do mesmo modo que um oficial de Hitler se sentia satisfeito
em enviar judeus para os campos de concentração. </u></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<u>Como bem
sublinha Nagel, no máximo a explicação neurológica pode ensaiar uma explicação
causal para a justiça, mas nunca oferecer razões a favor ou contra uma
determinado regra ou princípio de justiça. As explicações naturalistas não
podem servir de fundamento último, empiricamente indiscutível e axiomático, fim
de toda a reflexão ética. O facto de possuirmos a capacidade
"natural", "a priorística" para seguir o bem e fugir do
mal, nada nos diz acerca do bem que perseguimos e do mal de que fugimos. </u></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
E quanto à
seguinte citação:</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<i>"Isto é
importante porque, da mão do castigo altruísta, o que aparece em realidade é a
evidência de que os seres humanos se inclinam por natureza a castigar a
injustiça, quer dizer, de que a disposição das pessoas para castigar aos
indivíduos que mentem, enganam, roubam ou violam as normas sociais (morais ou
jurídicas), inclusive quando não tenham sofrido nenhum dano ou se beneficiado
pessoalmente, é parte de nossa biologia, um comportamento característico do ser
humano. Se estamos dispostos a sacrificar uma parte de nosso patrimônio com tal
de que a equidade se imponha, isso significa que nossos instintos sociais
contêm essa particular maneira de fazer-nos sentir bem. É este sentido da
justiça o que subjaz a idéia de John Rawls (1978)acerca da capacidade para
lograr compromissos por meio do véu da ignorância, propondo em termos de
justiça universal, e não de interesses particulares, as regras do jogo."</i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Parece-me que
existe aqui alguma confusão. Por um lado, o autor defende que é da nossa
natureza castigar a injustiça. No limite, não distingo isso da vingança das
turbas enfurecidas. Também elas se satisfazem com a "justiça"
praticada. Devemos fazer a seguinte questão: perante esta circunstância da
natureza humana se satisfazer com este "facto biológico" o que deve
um juiz fazer perante um homem que matou outro porque este lhe tinha violado a
filha? Afinal, o homem limitou-se a "castigar altruisticamente" o
homem que prevaricou. Deve, por isso, ser absolvido? Não. O homem deve
"conter", precisamente em nome de uma justiça mais elevada, a sua
potencial satisfação permitindo que não se abra um perigoso precedente e não
voltemos todos ao tempo da justiça pelas próprias mãos. Depois, diz o seguinte:
"Se estamos dispostos a sacrificar uma parte de nosso patrimônio com tal
de que a equidade se imponha, isso significa que nossos instintos sociais
contêm essa particular maneira de fazer-nos sentir bem". Eu pergunto: que
equidade pode existir pelo simples facto de se sentir satisfação na condenação
do outro que prevaricou? Estarei disposto, caso seja eu a prevaricar, a sofrer
o mesmo castigo? Por uma questão de equidade, sim, deveria estar disposto,
ainda que tal não me "satisfaça" muito em termos biológicos. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Gostaria de
saber, portanto, se é possível algum tipo de objetividade ética a axiológica
num contexto irremediavelmente subjetivista. Ainda que defendam a
"objetividade empírica", o que dizer da objetividade dos princípios
da justiça? Ah. Claro. Não existe. A justiça e os seus princípios dependem da
satisfação, da prática variada e subjetiva dos seres humanos cuja única coisa
que têm em comum é um conjunto de estruturas "naturais." Ora, pelo
menos seria de esperar que fossem coerentes estes senhores e que, portanto,
admitissem que não existe qualquer motivação valorativa na sua atitude
científica. Trata-se de "ciência pura" no sentido de pôr os resultado
mais recentes da neurobiologia ao serviço do direito e da justiça. Ora, neste
sentido, como devo entender a seguinte citação?</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<i>"Como disse
W. K. Clifford (1879) há mais de um século, temos o dever pessoal e social de
combater as crenças não respaldadas pela evidência ou que se opõem ativamente a
ela, do mesmo modo que temos a obrigação pessoal e social de tratar de evitar a
propagação de uma enfermidade."</i></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Terei lido bem?
"Temos o dever social e pessoal". Não se trata isto da enunciação de
um princípio ético, valorativo, de justiça, com pretensão de verdade e
universalidade? E não é, de acordo com o autor do artigo, precisamente com base
neste princípio ético que se pretende subjugar a ética e as conceções de
justiça às estruturas subjetivas da natureza humana? A pergunta que eu faço é então
a seguinte: <u>onde vai buscar este princípio a sua universalidade, se o que
interessa a priori são as estruturas "naturais" que são a condição de
possibilidade da sua própria validade? Afinal, é ou não possível e necessário o
raciocínio ético para além da mera abordagem empírica da sua natureza? Porquê
este princípio e não outro qualquer? Talvez porque existam razões para que se
considere este princípio melhor que outro. Razões que certamente ultrapassarão
a mera justificação naturalista. Caso contrário, cairiamos no seguinte absurdo
lógico: é nosso dever de justiça provar que a justiça não tem validade em si
própria mas depende das estruturas cerebrais do homem. É nosso dever provar que
o dever não passa de uma atitude instintiva da "natureza humana". A
questão que posso colocar é simples e decisiva: então, que razões tenho para
cumprir esse dever?</u></div>
Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-12524945493683198232012-08-08T13:24:00.001+01:002012-08-08T13:51:32.237+01:00Empatia ontológica - da embriaguez da evidência à evidência da embriaguez<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH3fvexiADgemXof6Wiu5RdMKJHWKkurS5zJwYPnFKW5IFsxg2inMpp93mPM3aRKQn275ziv-Yn71wRWJT8IECPvzDREFCCcXE3wtRLyj_TQ7jXK0oQ98jH3AHjJmIKGhi6O7a/s320/velazquez.meninas.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjH3fvexiADgemXof6Wiu5RdMKJHWKkurS5zJwYPnFKW5IFsxg2inMpp93mPM3aRKQn275ziv-Yn71wRWJT8IECPvzDREFCCcXE3wtRLyj_TQ7jXK0oQ98jH3AHjJmIKGhi6O7a/s320/velazquez.meninas.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Velazquez, <i>As meninas</i></td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Tudo o que
existe e tem ser é verdadeiro só porque existe e tem ser. A mentira ou a
não-verdade nunca está no que é, mas no que sendo o que é se arroga no direito
de ser mais qualquer coisa que não é. A inverdade nasce com o símbolo. A
palavra inaugura o domínio da não-verdade, da simulação, da representação e do
erro. Tudo o que representa, <i>re-apresenta</i>. Traduz uma realidade por meio de
outra realidade, uma verdade por meio de outra verdade. Uma realidade que só
pode ser compreendida por intermédio de outra realidade, dissipa pelo caminho
um pouco da sua identidade, da sua verdade, em prol de uma compreensão, de uma
exposição à evidência que é sempre uma simplificação, sempre uma traição à
essência. O símbolo trai sempre a sua própria verdade-identidade, bem como a
identidade verdade daquilo que simboliza. Abdica de ser ele próprio para ser
outro, mas não só nunca deixa de ser totalmente ele próprio como nunca é capaz
de ser totalmente outro. Fica a meio caminho entre uma essência e uma
representação. Pode não constituir uma mentira, mas é sempre uma inverdade, uma
aparência. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Cada coisa, cada face do real, se pudesse falar de si própria, só
lograria falar objetivamente de si. Só tendo como referente o si-próprio
poderia ser absolutamente fiel à sua verdade. Sem mediação. Mesmo assim, só
poderia ser absolutamente fiel para si-próprio, ensimesmadamente,
privativamente, pois nenhum intérprete subjetivo pode ser inteiramente
objetivo. Todo o acesso a uma verdade objetiva se faz por tradução, por
representação, por interpretação. Já não se trata de uma realidade que se
substitui a outra na significação daquilo que é – um símbolo -. Isso vem
depois. Trata-se em primeiro lugar de uma realidade que procura compreender uma
realidade outra; uma verdade procurando aceder a outra verdade; uma
objetividade procurando aceder a uma objetividade outra. Seja como for,
trata-se de uma exteriorização, uma superação do ensismemamento. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Um objeto,
porém, não pode compreender diretamente a verdade objetiva de um objeto outro,
simplesmente porque uma objetividade é <i>auto-referente</i>. Tal objeto poderia,
hipoteticamente, apreender-se integralmente, fielmente, a si próprio na sua
objetividade que é, como quem diz, na sua <i>identidade</i>. Assim, um objeto só
poderia apreender integral e objetivamente outro objeto se lhe fosse possível
<i>identificar-se</i> com esse objeto. Dito de outra forma, se as suas identidades
fossem uma só identidade. Uma verdade é para si própria evidente, “clara e
distinta”, porque contida e produzida em si própria. Eis a chave de todos os
racionalismos e idealismos. Um pensamento é também visto como um objeto que se
sabe a si próprio, claramente, imediatamente. O mesmo aconteceria,
necessariamente, com os outros objetos, leis e princípios da razão que, como
extensões do próprio objeto-razão, seriam clara e distintamente apercebidos e
compreendidos na sua objetividade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Contudo, há uma muito maior
variedade de realidades, uma muito maior diversidade de objetos-verdades, e
tanto quanto sabemos só um objeto entre todos os objetos procura compreender,
aceder à objetividade outra que cai fora do estrito campo da sua própria
objetividade - que, curiosamente, se apresenta a si própria, neste caso
particular, também como objetividade outra -. Porque este objeto particular,
este <i>ente</i> que procura conhecer e conhecer-se, é tudo menos evidente para si
próprio. É talvez o menos evidente dos objetos de si para si próprio. A sua
objetividade é para si mesmo opaca à evidência de si. É, ao mesmo tempo e tanto
quanto se sabe, o único objeto que possui instrumentos para compreender, para
conhecer, para representar, para reconhecer a evidência e vencer o
ensimesmamento. É misterioso para si próprio pois ele não é apenas aquele que
durante algum tempo acredita ser – apenas um objeto-razão, um objeto-pensante
-. Fosse apenas isso e o <i>cogito</i> na
sua evidência teria resolvido a questão. Ele não é apenas um objeto, uma
objetividade, mas vários. Ele é toda uma totalidade, uma orgânica, uma
complexidade que, mais uma vez, recusa qualquer simplificação-redução. Uma face
do real, é certo, mas constituída de muitas faces, várias instâncias, várias
verdades e realidades que se relacionam e correlacionam para fazer emergir um
outro tipo mais complexo – superior? – de objeto: um <i>sujeito</i>.</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
O objeto, a face do real, a verdade
particular está ensimesmada, dobrada sobre si própria, embriagada da sua
permanente auto-evidência. O sujeito não. Para o sujeito, a evidência de uma
face de si próprio é apenas um momento, uma instancia temporária da qual urge
libertar-se. O solipsismo é apenas uma antecâmara para uma inexorável abertura
ao que está fora de si, e ao que mesmo estando fora do sujeito não
deixa de fazer parte deste como objeto. Portanto, ao conjunto de objetos-outros
cuja alteridade se opõe à minha identidade - ainda que esta dicotomia seja
ainda muito nebulosa e sem fronteiras claras –. Ao mundo, portanto. O objeto,
embriagado com a evidência auto-referente da sua identidade-verdade-existência,
não tem necessidade de mais compreensão. Toda a sua <i>necessidade</i> está contida em si mesmo. É tautológica num sentido
lógico e existencial. O sujeito, sim, tem necessidade de se voltar para fora,
talvez porque a sua identidade-verdade seja solidária da identidade-verdade dos
objetos outros do mundo. A sua evidência está no mundo, no “ser-aí”
heideggeriano, na <i>dependência da relação</i> e não na <i>independência do
ensimesmamento</i>. O sujeito é um objeto cuja identidade só adquire evidência em
diálogo com a alteridade. O sujeito, ao contrário do objeto, não tem clara
noção das suas fronteiras e limites. O objeto está embriagado com o si-mesmo em
si-mesmo limitado. <b><u>O sujeito é chamado a delimitar-se</u></b>. Não é claro onde termina
o sujeito e começa o mundo, nem onde termina o mundo para dar lugar ao sujeito.
A expressão “ser-no-mundo” adquire, nesta perspetiva, todo o seu sentido. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
O sujeito é uma verdade que se
reconhece como evidente apenas enquanto <i>existente,
</i>para a seguir reconhecer a inutilidade e insuficiência desta evidência.
Esta não implica necessariamente, logicamente, dedutivamente, uma identidade
igualmente evidente. Ao contrário, quanto mais o sujeito medita na evidência,
menos evidente esta se torna. <u><b>A evidência sugere a suspensão do esforço para
conhecer, do <i>pensar</i>. O sujeito não
pode parar de pensar.</b></u> Neste, a embriaguez da evidência de si, de um hipotético <i>cogito, </i>cedo dá lugar à ressaca da
dúvida que persiste. Esta dúvida é-lhe essencial, por isso cedo o sujeito opera
uma revolução copernicana que o descentra da pseudo-evidência de si, e o
recentra na compreensão do mundo. Então, o sujeito volta-se para outras
verdades, outras objetividades, outras faces do real. Neste movimento
descentrador, o sujeito procura reencontrar a evidência primeira, a
objetividade perdida. Ser objetivo constitui, para o sujeito, uma demanda <i>religiosa</i> no sentido de recuperar a
ligação perdida, a conexão, a embriaguez dionisíaca da evidência primeira. É
uma bênção mas também uma maldição. A ânsia pela evidência, pelo seu odor doce,
pela sua luz, move o sujeito para o conhecimento, mas pode também precipitá-lo
no erro, no dogma, na suspensão da razão. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Trata-se, naturalmente, de um
esforço sempre inacabado, inglório e por vezes sisífico. Muitas vezes mais
sisífico que salvífico. Mas necessário. <u><b>O sujeito jamais será capaz de
compreender um objeto a partir do ponto de vista – hipotético – do próprio
objeto</b></u>. <u><b>Podemos encontrar aqui, precisamente, a raiz da objetividade de todo o
conhecimento: a capacidade de constituir hipóteses/conjeturas que se aproximem
progressivamente da verdade do objeto, ou seja, da evidência com a qual o
objeto se percepcionaria a si próprio.</b></u> O sujeito que conhece quer aspirar, nem
que apenas por breves momentos, o doce odor da evidência, mesmo que de um modo
incompleto, simulado e mediado. No entanto, para que o sujeito se possa
aproximar de uma objetividade – que é, como quem diz, de uma alteridade – tem de
encontrar formas de mediação que permitam senão uma plena comunhão com a
identidade do objeto a conhecer, pelo menos uma identificação com alguns
aspetos desta identidade outra. Dois sujeitos-objetos podem <i>comunicar</i> e deste modo encetar um
processo de identificação mútua, de <i>empatia
ontológica. </i>Por outro lado, um sujeito e um objeto não encetam
verdadeiramente um <i>diálogo</i>. O sujeito
pode interrogar, e interroga, e rodeia, e cerca o objeto, mas não é certo que
obtenha respostas imediatas. O sujeito apenas pode <i>conjeturar </i>acerca da objetividade do objeto. Não existe <i>empatia ontológica</i> entre um sujeito e um
objeto, a não ser por uma via: a progressiva subjetivação do objeto. O sujeito
há-de torná-lo identificável, há-de vesti-lo de tantos modos diferentes até que
ele se torne reconhecível. <u><b>A este modo de vestir o objeto até que ele se sinta
suficientemente confortável para <i>falar de
si, </i>chamamos nós de conhecimento e de <i>ciência,
</i>que não passa de um conhecimento progressivamente retificado e
aperfeiçoado. </b></u></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br />
Esta <i>empatia ontológica </i>é a circunstância na qual o sujeito reconhece
certas dimensões de si próprio no objeto que conhece. <u><b>Conhecer é reconhecer-se.
Interpretar é interpretar-se, como bem enunciou Ricoeur. </b></u>Neste sentido é
pertinente também recuperar a noção de intencionalidade husserliana. O esforço
de objetividade permite alargar progressivamente – que não significa
linearmente – a esfera da <i>subjetividade. </i>Conhecer
o mundo e complexidade dos seus objetos e estruturas permite alargar as
possibilidades de compreensão objetiva<i> </i>do
sujeito. Aliás, talvez só assim seja possível ao sujeito conhecer-se a si próprio
com a profundidade devida. <u><b>O caminho da compreensão objetiva do homem é um
caminho indirecto, de círculos e de atalhos. Mas, como se diz, por vezes é
preciso andar em círculos para seguir em frente. Por vezes é preciso ir ao
outro lado do mundo apenas para se reconhecer que aquilo que procurávamos sempre
esteve ao virar da esquina. </b></u></div>Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-15567536116410081772012-05-20T18:49:00.001+01:002012-05-20T19:06:14.230+01:00Um só mundo - competir ou cooperar? Eis a questão<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0UWZ03uyxG4LprrCg8AG68qmnocQnHzQ83jeLB0GlrlZpTlTMAakGVUK8ET_VMzTlVQWzM4laFZXoCjcQoVgDMAAK51B10SyV1Bth5B8OEv278uOQOJe6upQ1Lz9HVhKGOrXC6w/s1600/paleblue_custom.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0UWZ03uyxG4LprrCg8AG68qmnocQnHzQ83jeLB0GlrlZpTlTMAakGVUK8ET_VMzTlVQWzM4laFZXoCjcQoVgDMAAK51B10SyV1Bth5B8OEv278uOQOJe6upQ1Lz9HVhKGOrXC6w/s320/paleblue_custom.jpg" width="236" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto da Terra - pequeno ponto azul - captada pela sonda Voyager em 1990 a 6,4 milhões de Km da Terra</td></tr>
</tbody></table>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O mundo é hoje uma rede complexa de relações, dependências e
interdependências entre estados, entidades supranacionais, empresas,
multinacionais, grupos e associações, movimentos internacionais, correntes
culturais, políticas e sociais. Há crises por todo o lado, de todo o tipo,
desde crises económicas e/ou financeiras, políticas e/ou religiosas, culturais
e/ou civilizacionais. No meio de tudo isto, há ainda uma imensidão de seres
humanos a nascer a todo o momento, mais ainda que o número de seres humanos a
morrer, pelo que a população mundial continuará a aumentar exponencialmente e
as crises também, na mesma medida. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O mundo ferve de tanta ação, tanto frenesim ideológico, tanta correria e
competição. As fronteiras esbatem-se, a informação corre sem qualquer filtro
dando várias voltas ao mundo no espaço de um piscar de olhos. “A mentira”,
dizia Churchill, “dá a volta ao mundo sem que a verdade tenha tempo de se
vestir”. Hoje, diríamos, a verdade dá a volta ao mundo à mesma velocidade que a
mentira, mas no meio de tanta informação, de tantos dados, bites e bytes, já
não há quem guarde ainda a paciência dos garimpeiros de outros tempos, cujo
olhar treinado permitia destrinçar as pepitas de ouro dos grãos de areia dos
rios. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Joga-se, neste frenesim, o próprio destino do mundo. O jogo de forças é
cada vez mais feroz e frenético, e as finalidades de sempre – <i>poder, crescimento, influência, lucro,
estatuto</i> – acentuam a entropia de um sistema que já não tem mais para onde
se dilatar. O mundo é só um, não há mais terras por descobrir nem novos mundos
para explorar. A colonização de outros planetas é uma possibilidade, sim, mas
ainda remota e que, numa primeira fase, será só para alguns, muito poucos. Os
recursos existentes são cada vez em menor quantidade para um cada vez maior
número de pessoas. Todos vamos, por assim dizer, para onde todos os outros vão,
levados pela vaga cega que nem por estarmos em cima dela, na <i>crista</i> da onda, pode iludir-nos de que
somos, efetivamente, levados por ela, por mais forte que seja a nossa vontade.
Surfar a onda não significa que a dominemos. Significa apenas que encontramos
um modo mais <i>gracioso </i>de sermos
conduzidos por ela. Mas essa graciosidade não esconde a nossa incapacidade de
lhe fazermos frente, de negarmos a sua força e inexorabilidade. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Vamos andando, mesmo que por dentro reconheçamos que essa direção, esse
sentido, levar-nos-á ao abismo. Mesmo que denotemos algo de profundamente
incorreto e errado, vamos seguindo com a corrente na esperança de que
“melhores dias virão”, ou algo de súbito, uma revolução, uma espécie de milagre
sebastianico nos resgate deste conformismo e lassidez voluntários, para que
quando isso acontecer digamos, “Eu sabia!”. Sabia, mas pouco ou nada fiz.
Sabia, mas não fui capaz de assumir compromissos no sentido de procurar lançar
sementes de mudança e renovação. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
O mundo é só um, e cada vez mais pequeno. Os interesses de hoje, as
finalidades no sentido de assegurar posições de poder e de influência, são
basicamente os mesmos de há setenta ou oitenta anos. Depois da Segunda Guerra
Mundial, o mundo conheceu uma revolução geopolítica e ideológica inegável que
determinou em grande medida o mundo de hoje. Os equilíbrios mudaram, o
mundo é hoje mais multipolar e não tão bipolar como nos primeiros anos da Guerra
Fria. Sem dúvida é verdade. Porém, muitos interesses instalaram-se e estão para
ficar. Só um exemplo: desejo boa sorte a quem tentar reformar o Conselho
de Segurança das Nações Unidas no sentido de retirar poder à China, à Rússia ou
aos EUA. Boa sorte! Muito boa sorte, aliás!</div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Basta olhar para a História para compreender um facto muito simples:
nunca os interesses estabelecidos e os equilíbrios de forças se alteraram sem
sangue, suor e lágrimas, que é como quem diz, guerras devastadoras e revoluções.
Isto diz muito de nós e do nosso passado coletivo, mas diz muito mais quanto ao
nosso futuro. <i>Poder, crescimento,
influência, lucro, estatuto. </i>Os mesmos interesses e equilíbrios
estabelecidos de hoje, vistos a partir das mesmas finalidades e meios para lá
chegar, simplesmente não têm futuro. A competição desenfreada, a insularidade e
o entrincheiramento ideológico, conduzirão todo o sistema – o mundo – a
terríveis convulsões sociais, políticas e económicas. Temos duas opções: ou
continuamos neste caminho – e nesse caso teremos de aprender à força e da forma
mais cruel a importância da <i>cooperação </i>–
ou tomamos desde já nas nossas mãos a tarefa de repensar o modo como nos
podemos relacionar num mundo e num sistema global cada vez mais pequeno para
tantas <i>idiossincrasias ideológicas</i>, <i>vontades de poder e de estatuto, </i>e no
qual a procura por recursos – alimentos, matérias-primas, etc – é
exponencialmente maior para uma oferta exponencialmente menor. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
Só os grandes desafios, sobretudo aqueles que significam grandes perdas
ou grandes ganhos, podem ensinar o valor primordial da <i>cooperação</i> e da
humildade. </div>Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-71055095420722269992012-04-15T21:44:00.001+01:002012-04-15T21:45:02.366+01:00O "apelo do Sentido" e a essência do homem<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="http://marinaw.com.br/escher.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="300" src="http://marinaw.com.br/escher.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Escher</td></tr>
</tbody></table>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="line-height: 150%; text-indent: 35.45pt;">O sentido remete-nos para um caminho, uma direção. Não há sentido, porém,
sem um propósito a atingir, uma intencionalidade com vista a uma finalidade. O
sentido pode também ser visto como </span><i style="line-height: 150%; text-indent: 35.45pt;">compreensão,
</i><span style="line-height: 150%; text-indent: 35.45pt;">como integração da parte no todo, como contextualização que atribui
inteligibilidade, “razão de ser”, significado. A parte só obtém plena
inteligibilidade e significado no contexto da totalidade onde se insere.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
O sentido é finalidade, mas também é causa. Na prossecução de um
determinado fim o sentido suprime o caos, a aleatoriedade, a desordem, abrindo
caminho à organização, formando e (in)formando. O Sentido “dá-sentido”, e ao
dar-se cumpre-se. Isto é o mesmo que dizer: a essência do Sentido é
precisamente a causa da existência daquilo ao qual o sentido se dá. Assim, ao “dar-se”
naquilo que existe é o próprio sentido que se cumpre na sua essência. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Poderíamos afirmar, neste contexto e nesta perspetiva, que a existência
de tudo o que existe, inclusive do homem, se inscreve no plano essencial do consumar
de uma finalidade, de um sentido. Nem a essência precede a existência, nem a
existência precede a essência. Antes, a <i>existência</i>
é a própria <i>essência</i> a ter lugar, a
acontecer. Neste contexto, sempre que algo <i>existe,
acontece </i>e <i>tem lugar, </i>é o próprio
Sentido que se desdobra na sua própria natureza e finalidade. Diríamos, em
termos heideggerianos, que a existência do homem é indissociável da essência do
ser. Isto é o mesmo que dizer que a existência do homem é a projeção
(ec-sistência) da essência do próprio ser no plano da espacio-temporalidade. A
essência ou natureza do homem será, portanto, a de “ser-no-mundo”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Neste contexto, poderíamos substituir “ser” por “Sentido”. A essência do
homem consistirá na consumação vital de um sentido que desconhece. O Sentido,
entendido desta forma, revela-se continuamente enquanto continuamente existe.
Ao mesmo tempo, porém, permanece oculto a quem não é capaz de o ler. O sentido
– <i>natureza</i> – do homem não consistirá,
porém, meramente em viver ou em <i>deixar-se
viver. </i>Não é por <i>deixar-se viver</i>
ou viver alienado do pensar e desse profundo “apelo do ser” de que Heidegger
fala, que ele contribui para a consumação do sentido, à semelhança de uma
pedra, uma bactéria ou um gato. Pois, a pedra, a bactéria e o gato não se
dedicam a pensar o sentido, pois disso verdadeiramente não sentem nenhuma
necessidade. Apenas são. Também o homem apenas <i>é, </i>mas ser para o homem é mais do que apenas deixar-se ser. O homem
tem necessidade de <i>sentido</i> e de <i>sentidos. </i>O homem tem necessidade de dar
resposta ao absurdo e à estranheza perante a existência e os <i>existentes</i>. As respostas que dá são,
elas próprias, construções de sentido e de significado. O homem será o único
ser vivo, tanto quanto sabemos, que formula para si próprio finalidades, objetivos
e normas de ação com vista à concretização e consumação de propósitos. É desta
forma que o homem responde ao “apelo do ser”, apelo que não reside fora de si,
nem sequer num qualquer plano transcendente ou “coisa-em-si”, mas dentro de si
próprio. O “apelo do ser” é o apelo da essência ou natureza do homem ao próprio
homem para que continuamente se esforce para “dar-sentido”, para que conduza à
ordem o caos e o absurdo que continuamente o interpelam. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Muitas são, para o homem, as formas de “dar-sentido”. Religião,
metafísica, ciência. A perda do <i>sentido</i>
é sempre a perda do <i>contexto</i>. Dizer
isto é dizer que a decadência do sentido é contemporânea da decadência de uma
determinada mundividência ou paradigma globalizante. Porque todos os paradigmas
e mundividências são essencialmente históricos, o homem sempre se vê na
necessidade de reinventar o <i>sentido; </i>porque
as mundividências são sempre temporárias, o homem sempre se vê na necessidade
de justificar de si para si mesmo o seu lugar, a pertinência e a “razão-de-ser”
do seu “estar-no-mundo”. </div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
Sempre de acordo com o seu <i>daimon </i>interior
(o apelo do Sentido) o homem continuará sempre em busca de novos sentidos e
significados que expliquem o seu lugar no mundo e o próprio mundo. Nesta
continua edificação do sentido, talvez um dia o homem venha a ser capaz de
satisfazer plenamente o apelo que sempre o inquietou. Talvez um dia seja capaz
de “ler o Sentido” que continuamente se revela e ao mesmo tempo se esconde em
tudo o que <i>acontece</i> e <i>tem lugar. </i>Contudo, ler o sentido será
sempre dar-lhe significado, que é o mesmo que dizer torná-lo inteligível
“vestindo-o” com as vestes da linguagem e do símbolo. Talvez não tenhamos ainda
a linguagem adequada para o fazer.</div>Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-36462230508301420802012-04-09T23:19:00.000+01:002012-04-09T23:19:39.019+01:00Cidade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-1CtoInScFtCGpEgCkTBkxXxkuErRMykbnNZS8DOTHlVhZO32GSreVDLQ9l5n_i1ZpsWdFXxGgt7y8z18V0sjN7gY9Sjg3bPLOPi3vYOpe-sW2g7eMfFv-D2_G2CNuHXKCubJpA/s1600/HPIM0529.JPG" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-1CtoInScFtCGpEgCkTBkxXxkuErRMykbnNZS8DOTHlVhZO32GSreVDLQ9l5n_i1ZpsWdFXxGgt7y8z18V0sjN7gY9Sjg3bPLOPi3vYOpe-sW2g7eMfFv-D2_G2CNuHXKCubJpA/s320/HPIM0529.JPG" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
Ao levantar da poeira dos pés que passam<br />
<div class="MsoNormal">
Dos pés que correm para parte incerta</div>
<div class="MsoNormal">
Ao barulho ensurdecedor das vozes que gritam</div>
<div class="MsoNormal">
Das vozes que clamam sempre inquietas</div>
<div class="MsoNormal">
Pesa o futuro de um silêncio sem par</div>
<div class="MsoNormal">
Quando todos os pés deixarem de correr</div>
<div class="MsoNormal">
E todas as vozes deixarem de clamar.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Tudo é tão breve</div>
<div class="MsoNormal">
Tudo é tão excruciantemente breve</div>
<div class="MsoNormal">
Dura o tempo em que esta frase se escreve</div>
<div class="MsoNormal">
Dura menos que um floco de neve</div>
<div class="MsoNormal">
Que já o deixou de ser antes de tocar o chão.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Neste plano em que todos somos irmãos</div>
<div class="MsoNormal">
Contemporâneos de uma mesma idade</div>
<div class="MsoNormal">
Foi-nos dado um solo baldio</div>
<div class="MsoNormal">
Pejado de pedras, longe do rio</div>
<div class="MsoNormal">
E nele edificaremos a cidade.</div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
Nele edificaremos a (feli)cidade</div>
<div class="MsoNormal">
Que é o mesmo que dizer</div>
<div class="MsoNormal">
Que nela abriremos espaços</div>
<div class="MsoNormal">
Que é o mesmo que dizer</div>
<div class="MsoNormal">
Que nela empenharemos os braços</div>
<div class="MsoNormal">
Para que nessa cidade</div>
<div class="MsoNormal">
O homem encontre a sua morada.</div>Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-13637648.post-88242749757609487752012-04-01T17:21:00.000+01:002012-04-01T17:24:27.902+01:00Um enigma esfíngico - a natureza do homem<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYZv3Y5n4uoMvwkaSm4wjDRMarIDe3NChtBIIif89BLkY6ye8l1Sk8o-b8_4g2VB1X14vaJ_Dx9RjgARkgHXRVJEBERkcuf2TNU9BfCAQFFgJcZNbpTQHAL_PYXeF6Aps4KhRA/s200/EsfingeVaticano.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYZv3Y5n4uoMvwkaSm4wjDRMarIDe3NChtBIIif89BLkY6ye8l1Sk8o-b8_4g2VB1X14vaJ_Dx9RjgARkgHXRVJEBERkcuf2TNU9BfCAQFFgJcZNbpTQHAL_PYXeF6Aps4KhRA/s200/EsfingeVaticano.jpg" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
</div>
<br />
Indagar a “natureza” ou “essência” do homem tem sido o mister dos filósofos desde a alvorada da Filosofia. Não será, porém, uma inquietação recente em termos da História humana. É, sim, uma inquietação provavelmente tão velha como a própria humanidade, penetrando na bruma dos tempos dos quais pouca ou nenhuma memória histórica existe. Precisamente esta inquietação - indiciadora ela própria de uma condição própria ao humano -, ao ter estado sempre presente no processo de evolução cultural e civilizacional do homem, influenciou e (in)formou esse mesmo processo. Toda a cultura é, em última instância, símbolo. Todo o símbolo será, em última instância, sentido. “A linguagem é a casa do Ser”, escreve Heidegger. Pois, a cultura e o símbolo serão, para o homem, a casa sempre por terminar do sentido. Do seu sentido. Que relação tem tudo isto com a resposta à perene questão acerca da natureza do homem?<br />
<br />
A minha resposta é imediata - tudo. O homem é “homo symbolicus” como propõe Cassirer, e muito bem. Porém, será que isto diz tudo acerca do homem? Será esta a tão fugidia “natureza” do homem? Que o homem é produto e produtor de símbolos e de cultura, parece-nos hoje claro. Que afirmar isto é o mesmo que afirmar que o homem é produtor de sentido e de sentidos, parece-me igualmente claro e legítimo. O que é que isto nos diz acerca natureza humana? Diz-nos que o homem, ao contrário do cão e do gato, da ameba ou do gorila, vem ao mundo sem nunca dele fazer parte completamente. O homem não nasce definido, determinado e em harmonia com a natureza. O homem não traz, inscritas nos seus genes, as finalidades do seu “estar-no-mundo”. Com o corte do cordão umbilical logo após o nascimento corta-se também a ligação com um mundo dado, imediato. Todo o processo de individuação ao longo do crescimento, do desenvolvimento ontogenético dos indivíduos, se faz num progressivo mergulhar num “Eu” que é cada vez mais “Eu” e menos “Mundo”; faz-se, dito por outras palavras, num progressivo mergulhar no símbolo, na estrutura de uma cultura que é, como já vimos, a casa de todos os sentidos.<br />
<br />
É desta fratura homem/mundo que nasce toda a vontade de conhecer. O homem não gosta dos factos brutos, do dado puro e simples. A crueza do mundo sem a intermediação do símbolo é para o homem insuportável. O desconhecido é fonte de temor ou de fascínio, nunca de indiferença. O fogo, quando foi visto pela primeira vez por olhos humanos, não pode ter deixado indiferente os seus observadores. Assim, o primeiro passo para dar uma “face humana” ao desconhecido, para lhe dar um lugar na sua “casa de sentidos”, em suma, para o dominar, será o de lhe dar um nome. Poder dizer o mundo, os seus objetos e fenómenos, é como percorrer os corredores de um casarão no qual nunca se esteve, mergulhado no silêncio e na escuridão, e começar a falar alto como se o som da própria voz pudesse aliviar o temor do desconhecido.<br />
<br />
Neste contexto, o objetivo da palavra enquanto veículo de significados, enquanto símbolo, sempre serviu para humanizar o mundo. Humanizar o mundo é dar-lhe um sentido humano, é aproximá-lo do homem no sentido de restabelecer a conexão perdida, o elo quebrado entre o homem e a natureza; dito de outra forma, entre o homem e o Sentido. Aqui talvez possamos estabelecer o nexo entre mito e cultura, entre religião e sentido. O mito, enquanto expressão de cultura, enquanto humanização do transcendente ou transcendentalização do humano, mais não é do que a expressão de um esforço para “religar”, restabelecer a ligação, ideia que estaria expressa originalmente no étimo latino de religião.<br />
<br />
A noção de queda, de “pecado original”, de “idade de ouro”, está patente na maior parte dos mitos e religiões do mundo. O sentido é curioso e paradigmático: a queda é sempre um derivar negativo do conhecimento para o desconhecimento, da certeza para a incerteza, da plenitude para a incompletude. Antes de comerem o pomo da árvore do conhecimento oferecido pela serpente, nem Eva nem Adão se haviam questionado acerca da sua nudez ou do seu lugar bem estabelecido por Deus no paraíso. O comer da maça teve o condão de lhes abrir os olhos e os ouvidos para a sua condição. Teve o efeito de um renascimento, de um novo acordar, não para a perfeição divina mas para a imperfeição e incompletude humanas. A expulsão do paraíso é o exílio da certeza. Será, em última análise, o degredo onde a incerteza e a dúvida tomam o lugar da certeza e da sabedoria. Sabedoria que não significa a possessão de todo o saber, mas a ignorância da ignorância quanto ao muito que não se sabe.<br />
<br />
Não é possível afirmar com certeza se alguma vez essa pretensa “harmonia” ou “idade dourada” existiu. Talvez nunca tenha existido. Talvez o homem, desde que é homem, tenha estado sempre em desacordo, sempre em desarmonia, e talvez essa desarmonia tenha aberto a porta para todas as conquistas culturais e civilizacionais. Não sabemos. Mas a questão da natureza do homem permanece. Pois, qual então a natureza do homem?<br />
<br />
Hoje, depois de centenas de milhares de anos de evolução e involução, de civilização e barbárie, de história escrita e – talvez não menos importante – de história não-escrita, ainda não existe resposta à questão acerca da natureza do homem. O problema será, talvez, paradoxal. Muitas foram as tentativas de resposta ao longo de toda a História, mas nenhuma foi suficientemente duradoura e consensual para servir de modelo final. Cada cultura, como vimos, é uma casa de sentidos, e portanto cada momento da história, cada época, cada civilização ou sociedade inventou para si um modelo de homem, um propósito e uma finalidade. A “natureza” do homem, quando pretensamente compreendida e conquistada, serviu quase sempre como instrumento para propósitos políticos mais ou menos bem intencionados. Então, qual a natureza do homem?<br />
<br />
O homem, como declara Cassirer na obra Ensaio sobre o Homem, é um ser que está constantemente em busca de si próprio. Eu diria, portanto, que em termos de especificidade do homem enquanto espécie animal, o questionar-se acerca da sua própria natureza é um aspeto fundamental. Contudo, só se questiona acerca de si mesmo quem anda perdido de si mesmo. A mutabilidade das definições de homem, da cultura no seu todo, o relativismo cultural, a falta de referências em termos civilizacionais, éticos e axiológicos, é o caldo de onde brota todo o questionar fundamental do homem acerca de si mesmo. Quando questiona a sua própria natureza do modo mais radical, o homem procura um Sentido para além do sentido. Um “algo” com pretensão de universalidade que não esteja sujeito ao devir e à mutabilidade de um mundo simbólico, cultural e, portanto, artificial. Porém, nenhum homem está para além ou é extemporâneo à sua própria circunstância. Procurar dar uma resposta acerca da natureza humana, ainda que com pretensão de universalidade, é ainda fazê-lo através de uma cultura, de uma estrutura histórica de símbolos e significados. Talvez nunca venhamos a saber se existe uma natureza humana para além do “véu de Maya” da cultura que o homem produz para si mesmo, para além da mobília com que, por necessidade de sentido, o homem vai mobilando a “casa do ser” onde habita.Ruben David Azevedohttp://www.blogger.com/profile/16770692686282968287noreply@blogger.com0