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segunda-feira, setembro 28, 2009

Esmiuçando o Sufrágio Pretérito...



Não há muito a dizer sobre a noite de ontem que já não tenha sido dito. O PS venceu com maioria relativa, e os nove por cento que ficaram a faltar para a maioria absoluta correspondem aos 500 mil entretanto descontentes com as políticas ditas reformistas do actual governo. Desses 500 mil aventuro-me a especular que pelo menos 300 mil são professores e seus familiares mais próximos. Os restantes 200 mil são talvez de outros sectores: militares, polícias, juízes, etc. De resto, o PSD não trouxe grandes surpresas. Parece-me nada mais nada menos do que a manutenção do eleitorado tradicional. Não capitalizou descontentamentos nem o voto útil, papel que estava destinado a outros dois partidos tão diferentes quanto semelhantes em termos de vontade política - CDS e BE.

Se é verdade que o BE duplicou o número de deputados, é também verdade que o mesmo sucedeu com o CDS, com a diferença substancial de que este último superou todas as expectativas, até as mais optimistas - se é que alguma vez as sondagens foram optimistas para com o partido de Paulo Portas -. A força política que ficou para trás reflecte o sinal dos tempos. A CDU tem vindo, ao longo dos anos, a perder força e credibilidade ideológica para o BE que se apresenta como uma esquerda mais moderna, ainda que igualmente radical. Sinal dos tempos e da história? Daqui a dez anos é bem provável que a CDU perca representatividade parlamentar e se torne em mais uma nota de rodapé da política portuguesa, à semelhança de um MRPP ou de um Pous. Felizmente, o mundo progride e pede outras respostas mais abrangentes, bem como outras leituras dos grandes sacerdotes do marxismo, inclusive do próprio Marx.

O crescimento do CDS reflecte a oposição séria e eficaz que este agora "partido do autocarro" teve ao longo de quatro anos e meio. Tem-se mostrado um partido praticamente expurgado de ideologia e mais dado ao bom senso pragmático do que a devaneios demagógicos. Em boa verdade, se o grande problema do país é a já patológica dificuldade em crescer económica e socialmente, parece-me que só uma abordagem menos ideológica, mais fria a moderada, mais atenta aos problemas concretos do tecido empresarial, às dificuldades dos empreendedores, à falta de produtividade de um país que é pago para não produzir, pode lograr algo de positivo no caminho para o desenvolvimento. É verdade que se impõe mais justiça na economia, como prevê a esquerda, mas justiça não é vingança, e esse igualitarismo cego dado a uma espécie de ressentimento contra «os poderosos», ou a classe média, nunca teve bons resultados e só traz sub-desenvolvimento. É verdade que se impõe transparência, sobretudo no que toca à corrupção económica e política, no que toca a negociatas pouco claras entre grandes grupos e governos complacentes. Contudo, tais situações pedem denúncia e esclarecimento, justiça e não vingança ideológica, e sobretudo cuidado com as generalizações e as classificações que são sempre erradas e perigosas.

Já não vivemos num mundo de classes que lutam entre si pelo poder, ou que combatem dialeticamente entre si pelo fim da história. Hoje não há apenas operários, mas um número infinito de trabalhadores, de grupos profissionais, de profissões liberais ou por conta de outrem, de organizações. Já não há patrões, há grandes e pequenos empresários, há os que lucram bastante e há os que se esforçam por sobreviver perante a falta de crédito ou a crescente carga fiscal. A dita "classe média" tem hoje muitos estratos e é constituída não só por funcionários públicos mas por pequenos empresários ou proprietários, bem como por assalariados dos mais diversos sectores.

É por tudo isto que se impõe bom-senso na política. Qualquer solução que pareça muito fácil e abrangente, está errada. Não há panaceias. Há casos e casos, a sociedade é heterogénea e múltipla, constitui-se de dependências e de co-responsabilidades. Fala-se muito na sociedade civil, mas também aqui há perigo. É absolutamente verdadeira a ideia de que a sociedade civil não pode ser "asfixiada" pelo Estado, que este não pode sobrecarrega-la com impostos, com obrigações, com planificações. A sociedade civil tem em si mesma uma força criadora e empreendedora que nenhum socialismo pode querer constranger sob o peso do tentacularismo de um Estado que quer ser omnipresente, quer interferir em tudo de todas as maneiras. Porém, essa aparente independência ou auto-governabilidade da sociedade civil não pode ser desculpa para um governo "deixar andar" ou se descartar das suas responsabilidades.

Se todos os partidos assumirem as suas responsabilidades, e se acima de tudo tiverem bom-senso, tenho a certeza que este quadro parlamentar terá pernas para andar e pode fazer muito bem ao país. Há um equilíbrio quase perfeito entre os quase sessenta por cento da Esquerda e os quase cinquenta da Direita, pelo que o PS terá de fazer compromissos para poder governar. Por um lado, só com o acordo parlamentar do BE não é possível conduzir reformas ou fazer aprovar orçamentos, o que imporia ao PS o consentimento também da CDU. Contudo, recuso-me a acreditar que o Sócrates seja tão flexível em termos ideológicos que seja capaz de governar tão à esquerda... Por isso, sobra o CDS e o PSD. Um CDS com 21 deputados é uma tentação para um governo do PS que pretende levar a cabo reformas à direita, mas teremos provavelmente um Portas cauteloso nos compromissos, não se vá deixar contaminar por uma governação tida como falhada e deitar por terra todo o capital político obtido até agora, comprometendo qualquer hipótese de crescimento futuro.

O PSD só tem uma solução: mudar de liderança o mais rapidamente possível, tornando-se um partido de propostas e de carisma, expurgando das suas fileiras o oportunismo e o conservadorismo poeirento da actual direcção.

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