Anúncios google

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Para uma vida mais autêntica - Viva 2010



Estou em crer que todo o ser humano tem as suas dúvidas, os seus dilemas, os seus bloqueios à felicidade, na maioria das vezes recalcados e subjugados pelos imperativos da modernidade. Não posso estar de acordo com o que se afirma recorrentemente acerca da ignorância como sinónimo de felicidade. É mentira. A ignorância, sobretudo se auto-imposta, apenas aumenta a dúvida ao ponto de a tornar insuportável. A fuga ao esclarecimento torna-se embriaguez e auto-adormecimento. Isso não é felicidade.

A dúvida existe em cada homem. Não se trata, na maioria das vezes, de uma dúvida concreta, uma questão formal e distinta da qual o indivíduo tenha consciência profunda. Noventa e nove por cento da Humanidade vê-se incapaz de formalizar ou concretizar as suas próprias insatisfações interiores. Assim, se não é capaz de as formular, muito menos é capaz de as esclarecer.

Tomo consciência diária das minhas próprias dúvidas. Conheço-as bem, pois convivo com elas lado a lado. Fazem parte do meu quotidiano porque delas não procuro fugir. Integro-as e vou tentando dar-lhes resposta. Por vezes, entrevejo-lhes as soluções, os meios para lhes dar resposta através de escolhas que alterem o meu modo de vida. Tenho-as no meu horizonte como referências, como polares ou cruzeiros do sul.

Nas vidas dos outros, nas suas gargalhadas e alegrias aparentes, vejo véus de felicidade. Penso diversas vezes, “Como são eles felizes! A vida é para eles tão fácil, tão limpa e escorreita. Não se questionam, vivem, apaixonam-se!”. Mas talvez seja eu a ver nos outros o que eu gostaria para mim próprio. Melhor dizendo, serei eu projectando nos outros uma hipotética felicidade que não existe. Uma ilusão pura e simples. Que felicidade existe para esses que “não têm ambições”, que “aproveitam cada dia como se fosse o último”, ou que “pedem apenas saúde”? Como podem ser mais felizes do que eu, que tenho dúvidas, que penso, que dou mais valor ao que dura do que aquilo que é efémero, que tenho ambições de proporções míticas, de gloriosas e nobres conquistas? Afinal, de que felicidade falam eles que a mim não me satisfaz?

Não será mais provável que cada uma dessas pessoas – cada um de nós – seja pródigo em manobras de auto-diversão para se auto-iludir? Não serão cada uma dessas “filosofias de bolso”, essas mesmas de trazer por casa, ditas populares, meros panos quentes, paliativos para a dúvida que jamais desaparece?

Quero crer que ninguém se pode iludir eternamente. Cada um de nós tem sonhos de grandeza, objectivos ambiciosos, dúvidas e dilemas que nunca deixam de existir. Existem diversas doenças crónicas com as quais os homens aprendem a viver, sejam diabetes, dores de cabeça, fibromialgias diversas. A doença crónica da modernidade, essa para a qual usamos paliativos diariamente, é a doença da não-realização. Aprendemos a superar a dor da dúvida e a adiar os sonhos como se aprende a injectar insulina à hora marcada.

Aproveitemos o novo ano para dar voz a essa voz que diariamente tem de se calar. Aproveitemos os silêncios, os pequenos interregnos que a sociedade nos concede, para entrarmos dentro de nós de espírito aberto, preparados para dar azo às dúvidas e aos sonhos. Seremos mais e melhores se formos completos. Seremos de uma vez por todas Homens e Mulheres com letra maiúscula.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Ruben,

Boa tarde,


“Bem falado” e ainda melhor escrito…

Que 2010, seja um ano em que todos os seus desejos se concretizem!

Antonio Fonseca

Vera Ferreira disse...

Estimado Rúben,
Encontro nas tuas idéias,luzes e pensamentos uma audácia admirável. Alias isso a um dos teus grandes poderes que é a escrita e levas assim até multiolhos e multimentes as tuas interrogações, afirmações, o teu "eu" transparente. Viajei nessa escrita, identifiquei-me nessa cruzada e retiro alento para me reerguer e não baixar os braços, não calar a voz à busca de maiúculas. É nesse aspirar que a vida faz sentido, ainda que selva maldita...