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sexta-feira, julho 02, 2010

...sem ideias, não vamos a parte nenhuma"



"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma."
José Saramago em Entrevista ao Expresso, 2008


Pois é. Agora que Saramago se exilou para sempre num qualquer Lanzarote celestial, deixou de ser aquele que incomoda com o seu pensar, único e senhor de si, para se tornar património de todos. Do país e da Humanidade, há quem diga. Chegará talvez o dia em que a UNESCO declarará pessoas ou obras individuais como património da Humanidade. É o chamado património imaterial do qual faz parte a literatura, a filosofia, a ciência pura.

Sempre que morre um homem, sobretudo se é grande, logo nasce o mito que o fará ainda maior. Cada um encontra agora na sua obra um qualquer pedaço de si mesmo. Eu, ainda que tenha estado muitas vezes em completo desacordo com o indivíduo, não posso deixar de sublinhar que, no fim de contas, há um aspecto de atitude que não pode ser posto de lado e que tem todo o valor. Esse aspecto está reflectido na citação em epígrafe.

Pensar. Reflectir. Perante as investidas dogmáticas de muitos sectores da nossa sociedade, sejam religiosos, políticos, económicos ou outros; perante o persistente desencorajar ao acto de perguntar, de contradizer, de pôr em causa, posto em prática pelas ordens, hierarquias, autoridades; perante as ideias que se vendem todos os dias, já empacotadas e com livros de instruções, de fácil mastigação e digestão, ideias que cada indivíduo toma como suas sem lhe ter colocado no caminho grandes resistências, cedendo facilmente às “autoridades”, aos “bem-falantes”, aos muitos vendedores de sonhos que por aí pululam cada vez mais; perante tudo isto, perante um geral adormecimento – não é inocente a imagem da cegueira geral posta em evidência sua obra Ensaio sobre a Cegueira – é urgente reabilitar as pessoas com essa extraordinária faculdade de pensar, individual e colectivamente. Não é inocente esta ideia de que a cegueira endémica de uma sociedade inteira conduz ao desastre, ao desmoronamento em bloco de uma civilização assente em pés-de-barro. Uma sociedade que baseia a sua existência numa concepção do indivíduo como consumidor, produto e produtor, que investe grande parte das suas energias no aperfeiçoamento da propaganda, da publicidade, na sugestão de necessidades supérfluas e perfeitamente acessórias, no engano, não está esta sociedade a “cegar” o homem um pouco todos os dias?

Agora que penso no assunto, talvez Saramago pretendesse sugerir o contrário. A cegueira não corresponde ao adormecimento, mas, pelo contrário, ao verdadeiro acordar. Pois, é no momento em que os homens cegam que a sociedade se desmorona. Por não serem capazes de ver, os indivíduos estão afastados da influência agressiva da propaganda visual, da sugestão, da publicidade. Estando a civilização assente nos alicerces deste poder sugestivo, não pode subsistir quando os indivíduos lhe são completamente indiferentes. Isto é só a minha interpretação...

Pensar é correr o risco de ser subversivo. É instalar a divisão onde antes existia coesão. Ao longo da história, muitos nacionalismos foram fundados no sacrifício da autonomia individual. Por vezes, no desespero de manter a coesão, sacrificaram-se aqueles que pensavam diferente, queimavam-se os seus livros, quando não se queimavam os próprios que os escreveram. O tempo revelou a fragilidade desta coesão falsa e com pés-de-barro. Pensar é correr o risco de dividir, mas nunca com o intuito de reinar. Dividir para fundar novos tipos de coesão, mais verdadeiros, assentes na autonomia de pensamento, na liberdade que é também razão. Talvez seja esta a proposta de muitos filósofos que, desde Kant, falam em comunidades de razão, ou em comunidades de comunicação (Karl Otto Apel).

Sim, esses espaços de reflexão de que fala Saramago são olhados de través por quem preza acima de tudo a estabilidade. Porque pensar, quando é sério e feito com boa-vontade, quando é fundado em argumentos límpidos, quando é estruturado numa rede lógica coerente, abre novos caminhos e possibilidades. O perigo vem da cristalização das ideias em ideologias, porque frequentemente as ideias são postas em prática, não por quem as imaginou em primeira instância, não por quem compreendeu o seu verdadeiro alcance – como quem diz limites -, mas por quem as tomou para si como dogmas fechados imunes à crítica, subvertendo toda a atitude que está na base do pensamento sério, límpido e baseado na boa-vontade.

Porque, pensar é também agir. Agostinho da Silva dizia ser indissociável o pensar e o agir, as duas faces do Pensamento. Um homem coerente age de acordo com aquilo que pensa. Se o mundo vai mal, é porque há muito quem pense sem agir, e muito quem aja sem pensar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Avante Camarada!!!
"Sobre a democracia
Por que, para que e, a mais importante, para quem, são as três perguntas fundamentais que deveríamos fazer ao primeiro-ministro, ao professor, ao pai, ao filho, quase a propósito de tudo o que ocorre. O problema é que isso dá um pouco de trabalho."
"Se começássemos a dizer claramente que a democracia é uma piada, um engano, uma fachada, uma falácia e uma mentira talvez pudéssemos nos entender melhor."
Avante!Acrata!