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quarta-feira, julho 09, 2008

Causas de uma decadência anunciada - marketização e felicidade instantânea



A sociedade em que vivemos baseia-se no mercado, no económico, no consumo, no lucro. É uma sociedade que se assemelha a um enorme shopping, uma feira interminável. Seja em casa, na rua, no emprego, a publicidade e o apelo à compra estão sempre presentes para onde quer que se olhe. Há uma marketização do humano. E neste furor não é só a tecnologia que avança – uma das vantagens da economia de mercado – mas também os métodos de marketing. O marketing aprendeu a jogar com o psicológico. A verdade substituiu-se em quase todas as dimensões pela mentira bem vestida. As relações humanas são a maior parte das vezes no âmbito do prestador/cliente. Servir bem o cliente é ser-se profissional, que significa vestir bem para bem se apresentar aos olhos do consumidor. Pelo que se vê, todos os domínios do humano acabaram por viver sob o jugo da troca e lucro. A própria publicidade melhorou os seus métodos de venda de produtos, descobrindo que a melhor forma de os vender é também vendendo modelos de felicidade. O marketing logrou provar às pessoas que sem determinados produtos jamais serão felizes. Dito de outra forma, a felicidade é inatingível sem últimos modelos e topos de gama. Isto está presente em quase tudo, desde os telemóveis aos automóveis, passando pelo turismo aos livros de auto-ajuda. O que se passa neste modelo de marketização é que tudo está ao alcance mais imediato, desde que se tenha dinheiro. Ser-se feliz, reconhecido e com algum estatuto está ao alcance do livro de cheques. Porque sem consumo esta sociedade não sobrevive, morre e perde razão de existir. Vemos uma progressiva aceleração do modo de vida nos últimos anos, porque necessidades atraem necessidades, e ter coisas implica ter outras coisas, o que por sua vez implica ter dinheiro para delas usufruir, o que implica emprego, velocidade, correria, chatices várias, menos tempo para os filhos, os amigos, a vida no seu estado mais puro. Para perseguir os modelos de felicidade que nos vão sendo subliminarmente impostos, aceitamos ceder parte da nossa liberdade e felicidade para, em troca, recebermos os meios de os atingir. Só somos felizes se tivermos carro, telemóvel, mp3, dvd, mp4, ipod, e um pc portátil. Mas para ter tudo isto temos de ter um emprego que o permita. Se nesse emprego ganharmos pouco, faremos tudo para ter um melhor. Tudo tanto pode significar procurarmos uma melhor formação, como utilizarmos métodos menos próprios abdicando da nossa dignidade e escrúpulos. Nada importa, se no fim tivermos todos aqueles equipamentos de que falei anteriormente. E porque a felicidade que nos vendem é uma ilusão, isso portanto nunca nos vai chegar. Queremos mais, queremos ir de férias nos roteiros comerciais que nos impingem nas televisões e nos cartazes de rua. A moda define o que num determinado período significa ser feliz. Queremos melhores marcas, mais vistosas e opulentas. E porque queremos mais e mais permitimo-nos trabalhar mais e mais, abdicar de mais e mais tempo para os filhos, amigos, namorados, familiares. Permitimo-nos estraçalhar um pouco mais a nossa dignidade e a dos outros. E com isto não quero dizer que não há quem não tenha mérito, porque o há sem dúvida. Há quem de facto cresça e melhore o seu estatuto profissional graças ao seu trabalho incansável e inteligência superior. E ainda bem. Com isto segue-se a crise do «inútil». Porque a felicidade só se atinge pelo material, útil e funcional, tudo o que não o seja está condenado à extinção. Se para o mercado melhorar a sua oferta são precisos mais técnicos e melhores, mais especialistas e melhores, então o que interessa é seguir um emprego com saída para se ter logo acesso ao mercado do emprego, ou tornar-se mais «bem vestido» para o mercado do emprego. Ai está de novo o marketing, porque se não estivermos «bem vestidos» para o mercado do emprego podemos não conseguir cumprir o nosso último objectivo, o de ter tudo aquilo que nos fará em ultima instância felizes: carro, telemóvel, mp3, dvd, mp4, ipod, e um pc portátil, boas férias nos circuitos da moda, estatuto perante os outros. Portanto, para que servem as religiões? Para que serve a filosofia, a metafísica e as humanidades em geral? Se não for para dar lucro, se não for para terem utilidade de mercado, nada!



Como já disse anteriormente, se a felicidade que se vende é ilusória então ela nunca chega, nunca preenche. A sociedade de mercado gera, para sua própria sobrevivência, pobres. Gera pobres em grande número, mas não se pode dar ao luxo de gerar miseráveis, pois sem consumidores aquela cai como um castelo de cartas. Mas precisa de pobres porque precisa de quem trabalhe. Precisa de quem diga «sim, preciso de trabalhar para ter acesso àquilo que os outros também têm». Porque se ninguém trabalhar, as indústrias não funcionam, a não ser que um dia sejam as máquinas a fazer o trabalho todo. A sociedade liberal encerra em si um interessante paradoxo. É preciso que todos tenham dinheiro, mas só alguns podem ser ricos. Se por acaso todos começam a ter dinheiro este deixa de valer, e portanto os preços aumentam (inflação). Porque se o capital individual aumenta, aumenta também a procura e portanto os preços. Por mais que se diga e as utopias falem mais alto, a sociedade de mercado não pode ser uma sociedade de ricos. O sistema económico liberal precisa de pobres, é desta forma que está equilibrado e quando este equilíbrio está ameaçado ele de imediato o repõe gerando mecanismos para que o poder de compra baixe. Enfim, um problema grave para o futuro. Onde quero chegar é que as pessoas de hoje estão imbuídas de duas ideias: a primeira é a de que o imediato é o caminho para a felicidade; a segunda é a de que a felicidade está à venda. Já percebemos o porquê. Isto explica por exemplo o retrocesso das religiões ditas institucionais (pelo menos no espaço ocidental) e o aumento da procura de ideologias que tudo prometem. Lembro-me do caso da fraude «O Segredo». São os chamados bezerros de ouro. Desiludidas com uma felicidade que demora, que é difícil e implica valores e sacrifício, o mundo deixa-se arrastar por um mundo de promessas de felicidade instantânea. Mais uma vez é o mercado em acção. Se as pessoas querem riqueza e felicidade instantânea, não faltam editoras a viver à custa desta ânsia que editam todos os dias livros com receitas práticas e com «sucesso garantido». Basta ir a uma livraria para o comprovar. Vivemos numa nova idade média, estou certo disso. Uma idade da ignorância e do obscurantismo. As pessoas são permeáveis a promessas sem fundamento, e ideias supostamente «cientificamente provadas». Nem conseguem distinguir entre romances históricos e realidade científica! Basta ver o que aconteceu com o Código Da Vinci… A ignorância é também um trunfo da sociedade de mercado. Poderão dizer que, hoje, a informação está disponível para todos ao alcance de um clique do rato, ou que há melhores técnicos. É verdade sem dúvida, mas jamais informação significou formação, e o mercado precisa de que quem tenha informação técnica, não formação humana. A formação humana é perigosa porque considera-se capaz de consumir menos, por em causa o marketing e a felicidade de super-mercado com livro de instruções.

3 comentários:

Anónimo disse...

Este texto engloba de uma forma sucinta mas precisa e verdadeira, aquilo que realmente acontece com a sociedade de hoje.
Todos pensam que existem soluções em «série» para todos os problemas. Que a felicidade está ao passo de um simples telefonema para o tal astrólogo que supostamente tem respostas para tudo. Mas na minha opinião, as soluções estão dentro de nós. Só nós temos a capacidade de, conforme o problema, o resolver à nossa maneira.
A solução nao está nos outros, nao está nos bens materiais. Nao podemos satisfazer as nossas carências com objectos. Acabamos por nos fartar. Acabamos por perceber que nao passamos de meras ilusões e que ficamos com o dobro dos problemas que outrora tinhamos.
As pessoas tendem em escolher o mais fácil. Falo por mim, por exemplo... Confesso que é muito mais fácil ligar a televisao e ver a primeira coisa que me aparece, do que escolher um livro à sorte, e render-me ao imaginário, à minha propria interpretaçao do mesmo.

Mais uma vez digo que tu, melhor que ninguem, consegue falar de qualquer assunto sem problemas.
Mais uma vez está aqui um belo texto.
Obrigada.

Sara disse...

Olá Ruben,

Já há algum tempo que não visitava o teu blog, e deparei-me com este texto muítissimo bem escrito. Mas mais do que a forma,a aparência que o mercado tanto gosta, duma reflexão profunda e infelizmente caracterizadora da nossa sociedade.

mais uma vez, digo valorizamos a cultura do ter e não do ser, obviamente, que não há fórmulas mágicas ou poções da tão apregoada e almejada felicidade. Pelo menos, não por um consumismo desenfreado que apenas completa uma lista e acresce em pouco, ou mesmo nada, àquilo que nós somos enquanto seres humanos, pensantes e sensíveis.

Há tanta coisa que contribui para a minha felicidade e que não custa dinheiro, apenas é preciso aprendermos a saborear aquilo que nos é oferecido todos os dias.

Obrigada pela tua reflexão e por partilhares com a comunidade que te lê e te vai descobrindo.

Anónimo disse...

Olá Ruben, boa noite:
Em primeiro lugar queria cumprimentar-te e felicitar-te pelo excelente blog que colocas à disposição desta comunidade virtual.
Gostaria de saber se ja estas no curso de oficiais e se afirmativa a resposta desejar-te as maiores felicidades na tua vida pessoal e profissional..
Como está a Ana Rita? Não sei nada dela. Está em Arquitectura no Porto?! Tudo de bom para ela.
Enviei SMS à mama, mas nao obtive resposta.
Um amigo
(judisiso@gmail.com)
Desculpa usar este meio, mas...