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quarta-feira, junho 19, 2013

A "massa crítica" docente - para uma Educação com letra maiúscula






"Mas o que sabemos nós do «bem educar»? O que desejamos nós para os outros? Sem dúvida, o objetivo último que nos une a todos numa sociedade democrática é o de desenvolver a humanidade em cada ser humano."

Portoit e Desmet, "A educação pós-moderna"

É tempo de dar a voz aos professores. Evitaremos os discursos classistas: os professores de todos os níveis, do básico ao superior, não são nem uma "classe" nem têm qualquer razão para aderir a discursos sectários ou corporativistas. 

Os professores não têm nenhuma razão para delegar em líderes sindicais um poder que é só seu, e que ninguém melhor do que eles próprios é capaz de utilizar e exercer, não só em nome da sua missão, mas em nome da educação nacional. Permitam-me utilizar o nome de "missão" e não de "profissão". Permitam-me falar em "serviço", e não em "trabalho" ou "emprego". Permitam-me falar em "educação nacional", e não em "escola pública". 

Porque a massa crítica a que é preciso dar voz não se dedica exclusivamente ao hoje, à semana seguinte ou ao ano que vem. A massa crítica dos professores não se limita a pensar no seu pequeno umbigo, na sua escola, na sua corporação, no seu "feudo" disciplinar. A massa crítica dos professores não tem qualquer interesse em proteger-se a si e aos seus, mas em pensar e transformar a Educação no seu todo. É isso que se espera da massa crítica dos professores, sejam do público ou do privado, do básico ou do secundário, do terceiro ciclo ou do superior. E é precisamente nisso que os professores podem dar o um grande e extraordinário exemplo de continuidade, consistência, responsabilidade e inteligência perante a instabilidade dos governos que passam, tão efémeros quanto as suas políticas, que ou não chegam a ganhar raízes, ou fazem mais mal do que bem. É pena, porque o solo é fértil e o clima favorável...

Há que ser otimista, e por momentos acreditar que o "dever-ser" é, ou pode vir a ser. 

O professor é o embaixador do mundo perante as crianças e os jovens, e isso torna-o responsável por esse mesmo mundo (dizia Hannah Arendt). O professor - se for um mestre, e não um simples e zeloso funcionário - dá testemunho, pela sua simples existência, da possibilidade de um sentido, de uma razão para ser, pelos seus valores, pelas suas convicções, pelo seu amor (dizia Gusdorf algo de semelhante a isto). O professor, digam o que disserem, escrevam o que escreverem, não é um mero burocrata que se dedica a seguir e cumprir escrupulosamente as orientações e diretivas de um poder central sem rosto, ou de "máscara" variável. 

Será mesmo assim? Se não é, devia ser. Há bons, excelentes professores, verdadeiros "missionários", mais do que simples profissionais; que estão "ao serviço", e não "empregados"; que pensam na Educação como um todo, e não apenas no seu reduto laboral de "funcionário público". Mas também os há muitos maus, medíocres e acomodados. 

Precisamos que os professores no seu todo se unam e reclamem para si próprios o poder e a autonomia para gerir de forma responsável, consistente e duradoura os destinos da Educação. A massa crítica de 300 mil professores, a maioria altamente escolarizada e com acesso privilegiado às fontes do conhecimento e do saber, não pode continuar dependente do "centralismo democrático" de tutelas ministeriais, sindicatos ou partidos. Que escola queremos? Que modelos pedagógicos? Que finalidades para a educação? Que homens queremos formar? Que sistema nacional de educação queremos ter? Em que moldes? Como aproximar as escolas das universidades, dos centros de investigação, das comunidades, dos pais, dos laboratórios, das bibliotecas, dos museus, da ciência? Como implementar tudo isto, a longo prazo? Como desenhar um plano nacional de educação e comprometer os centros de decisão política a implementá-lo consistentemente ao longo de 10, 15 anos? Não há nada que reflita melhor a imaturidade da nossa democracia do que a falta de continuidade nas transições entre governos, e na implementação consistente e sistemática de reformas políticas. E só é assim porque a sociedade não é suficientemente exigente com a política e os políticos. 

E que tal começar a responder a sério a estas questões e a muitas outras? E que tal tentar pensar os problemas da Educação e oferecer sugestões de resposta adequadas, fazendo valer a riqueza não apenas do estudo mas da experiência "profissional " acumulada? 

Este é um debate tudo menos corporativista ou classista. É de todos: professores, estudantes e pais. É da sociedade. Trata-se de um dos poucos desígnios nacionais que depois de tanta resignação pautada aqui e ali por momentos de "estrebuchar" incipiente, alimentada por troikas e governos, pode galvanizar as melhores energias de uma sociedade.

Deixem a vossa proposta para mudar a Educação na caixa de comentários. 

2 comentários:

Ana Carina Vilares disse...

Olá Ruben! Obrigada pela tua reflexão de que gostei muito.
Nestes últimos tempos, tal como tu, também tenho refletido nesta questão do que é ser-se um bom professor e acabo quase sempre por bater na mesma trave: a de que o professor ou a professora que somos depende extremamente ou demasiadamente do ser humano que se é. Para o bem e para o mal. Por detrás da atividade docente deve estar – o dever ser, como tu bem falas – o exercício da integridade ou da «inteireza» humana e eu penso que todos os professores, deviam partir desse exercício de mais humanidade para depois conseguirem estruturar a sua profissionalidade, tornando-se paulatinamente verdadeiros profissionais. E assim humanidade e profissionalidade encontrar-se-iam na defesa de que o dever-ser é um possível que poucas vezes reconhecemos como possibilidade. Essa trave ou limite de que te falava depende pois de toda uma estrutura que não nos pode ser alheia. Depende do nosso compromisso com a sociedade, com a escola, com as famílias, com a nossa família, com as crianças e jovens, e sobretudo, parece-me, depende do compromisso que temos connosco próprios. Há muitas pessoas que defendem que não é necessário ser-se boa pessoa para se ser um bom professor, mas eu defendo afincadamente o contrário. A atividade do professor por ser uma atividade pública que influencia e transforma o mundo ou o horizonte de outras pessoas não pode ser desligada do bem individual e comum. O professor tem esse poder de desviar ou de arrepiar caminho para a busca de uma humanidade melhor. De um mundo melhor. Se para tal não é necessário ser-se uma boa pessoa, então é necessário ser-se o quê? Como bem lembras H. Arendt «O professor é o embaixador do mundo perante as crianças e os jovens, e isso torna-o responsável por esse mesmo mundo (dizia Hannah Arendt).» E ela também dizia nesse texto sobre a crise na educação que «quem se recusa a assumir a responsabilidade do mundo não deveria ter filhos nem lhe deveria ser permitido participar na sua educação.» Uma frase forte, é verdade. Mas é a partir dela que a educação se torna também um tema filosófico que nos dá (a alguns) que pensar, e muito. Desse modo, é preciso seguir pensando, comportando-nos de acordo com o que pensamos e sempre na esperança de que, um dia, numa pequena sala de aula ou até mesmo na rua, podemos vir a angariar e a despertar mais consciências filosóficas para esta e para outras questões.

Ruben David Azevedo disse...

Obrigado Carina por teres tido o cuidado e a disponibilidade para responder ao desafio lançado por este artigo: pensar a educação de um modo abrangente e radical.