Fico contente que um determinado leitor atento desta minha humilde página pessoal, me tenha sugerido que me debruçasse sobre um assunto que, apesar de fazer parte do dia-a-dia deste país, não se desgasta nem perde actualidade. Pelo contrário, é cada vez mais actual. Talvez esteja na altura de entender o que é isso do desemprego, e a razão pela qual esta «condição» é cada vez mais uma moda, como ser-se solteiro, casado, ou até divorciado ( seria até interessante que figurasse no B.I. o estado de desempregado [DES]).
Façamos uma análise: estar desempregado significa não empregue. Aquilo que designamos por Estado (que não é mais do que a sociedade em si) advoga o direito de classificar um indivíduo consoante o facto de contribuir activamente, ou não contribuir de modo nenhum (pelo menos aparentemente) para a produtividade da comunidade social em que se insere. A filosofia é simples: a sociedade economicista determina que cada um «compre» a sua própria vida. Ou seja, para que o indivíduo possa viver em sociedade, e para que essa mesma sociedade lhe proporcione os meios essenciais à sobrevivência, ele terá que realizar uma espécie de contrato social. Não é exactamente a ideia de Rosseau que aqui está implícita, embora tenha sido ele a inventar esta expressão. Neste contrato, o indivíduo permite-se abdicar de uma total liberdade alheia às modas e às convenções sociais, em prol da satisfação das suas necessidades essenciais, sejam elas de carácter fisiológico, reconhecimento, ou integração. Pondo de parte a possibilidade de ser herdeiro de uma herança fantástica, ou de ser o feliz contemplado de um prémio monetário faraónico, o indivíduo só tem uma solução: encontrar rapidamente uma forma de contribuir produtivamente (entenda-se apenas de uma forma económica) para a sua comunidade social. É aí que vem o pior: o trabalho!
A palavra trabalho vem do latim trepalium, que significa alguma coisa que se é obrigado a fazer, embora não se goste particularmente. Nas primeiras comunidades humanas cada indivíduo tinha uma tarefa específica, essencial para a prosperidade do conjunto. Escusado será dizer que com o nascimento do trabalho, nasceu também o conceito de desemprego. Nas primeiras comunidades humanas, em que todos os dias a sobrevivência estava em causa, cada elemento do grupo tinha uma missão especifica que servia a comunidade. Não se podia falar em trabalho. Tinha apenas uma obrigação quase familiar, em que a missão que desempenhava se reflectia imediatamente no grupo, e consequentemente em si mesmo. O jogo era duro, e impunha-se eficácia. Como tal, o considerado inútil se não era julgado por o seu próprio grupo, era julgado pela natureza, cuja selecção era implacável. Hoje, o inútil é aquele que não contribui para o furor económico, consumista, lucrativo. É inútil o idoso, o artista, o «asceta». O estudante, essa nobre esperança no futuro, só é valorizado realmente se projectar a sua vida segundo padrões estabelecidos, tendo sempre em vista uma boa integração, sem problemas financeiros, na moda. Mas para quê? Pobre Einstein se assim tivesse pensado...
A verdade é que tenho um certo ódio por este tipo de visão social. Uma visão que condena muitos à mediocridade e ao desemprego. A verdade é que a sociedade democrática capitalista e liberal jamais atingirá o ideal do pleno emprego, porque nela sempre subsistirão os gérmens da desigualdade e da injustiça. Nela sempre existirá exploração, e nela sempre haverão vozes oprimidas e desorientadas. Nela sempre vencerão as elites endinheiradas, detentoras dos meios de produção, bem como as suas hipocrisias. Por isso (e o nosso século é exemplo disso) é que cada vez é maior o fosso entre ricos e pobres, o desemprego, e o vazio moral em que estamos mergulhados. Cai a moralidade e com ela a cultura. No fim, é a liberdade que sofre.
Estar desempregado é terrível, mas trabalhar sem humanidade também o é. Talvez no dia em que o trabalho desaparecer desapareça também o desemprego. Ou talvez no dia em que se valorizar verdadeiramente o indivíduo em todas as suas potencialidades, lhe seja permitido ser quem é, e contribuir para a sociedade como sabe, como pode, e com vocação.
O que digo é todo o ser humano tem emprego. Só deixa de ter emprego numa sociedade que se baseia no consumismo, na competitividade pelo lucro, e pela economia. Neste caso o indivíduo tem que se adaptar para que este monstro das estepes não o engula vivo, e não o atire contra a parede para ser o alvo da chacota de todos. A verdade é que a nossa sociedade inventou necessidades a mais. Inventou também uma boa forma de as fazer indispensáveis aos olhos do consumidor (sem deixar de explorar a sua ignorância e vazio espiritual), levando-o a consumir! É isto que faz com que as pessoas se percam com produtos estrangeiros (tantas vezes produzidos em países que exploram crianças e as obrigam a trabalhar dezasseis horas por dia), em detrimento daquilo que é nacional, e tantas vezes de melhor qualidade. É isto que faz com que o consumidor diligente não se contente com o que tem no seu país a nível de turismo, da sua história e tradição, e se perca na moda de viajar para os «locais do momento», mesmo quando só haja praia, sol, e vazio. Sofre o consumo interno, sofre a produção nacional, aumenta o desemprego. Por outro lado aumentam as importações, diminuem as exportações. Não duvido que mais tarde ou mais cedo Portugal se torne um país de consumidores, vazio, à mercê das culturas de facilidade e de ocasião. Nessa altura, enquanto os ricos forem ricos manterão o seu ar de burgueses satisfeitos. Os pobres viverão à cata das migalhas que possam inadvertidamente ser deixadas cair pelos abastados consumidores.
Talvez esteja na altura de deixar de olhar o desemprego apenas como um resultado da crise económica. É sobretudo uma crise de valores, de ideias, de criatividade. Está na altura de deixar de querer seguir sempre apressadamente os exemplos do estrangeiro, só porque é estrangeiro. Portugal é Portugal, não é a Alemanha nem a França. Temos tradição, temos cultura, temos mentes capazes, e que só são verdadeiramente valorizadas lá fora. E se for preciso ser patriota, ser-se-á.
2 comentários:
Agradeço a pronta resposta á sugestão de escreveres sobre este assunto que tanto preocupa as pessoas que gostariam de puder produzir alguma coisa, e não encontram como fazê-lo...
...RETOMO AGORA UMA FRASE DO TEU ARTIGO, QUE, SEM SER BAJULADOR, CONSIDERO BRILHANTE, _(como já pessoalmente tive oportunidade de te dizer,entendo que, para todos os assuntos, por mais sérios e graves que sejam, ficará sempre bem um toque de humor):
...(a frase)...Inventou também uma boa forma de as fazer indispensáveis aos olhos do consumidor (sem deixar de explorar a sua ignorância e vazio espiritual), levando-o a consumir! É isto que faz com que as pessoas se percam com produtos estrangeiros (tantas vezes produzidos em países que exploram crianças e as obrigam a trabalhar dezasseis horas por dia), em detrimento daquilo que é nacional, e tantas vezes de melhor qualidade...
...aumenta o desemprego.
...e retomo tal frase, dizia, para justificar a cópia da descrição de autor desconhecido...
... um dia na vida do Joaquim:
> >O Joaquim, depois de dormir numa almofada de algodão (MADE IN EGIPT), começou o dia bem cedo, acordado pelo despertador (MADE IN JAPAN) às 6 da manhã.
> >Depois de um banho com sabonete (MADE IN FRANCE) e enquanto o café (IMPORTADO DA COLÔMBIA) estava a fazer na máquina (MADE IN CHECH REPUBLIC), barbeou-se com a máquina eléctrica (MADE IN CHINA). Vestiu uma camisa(MADE IN SRI LANKA), jeans de marca (MADE IN SINGAPORE) e um relógio de bolso (MADE IN SWISS). Depois de preparar as torradas de trigo (PRODUCED IN USA) na sua torradeira (MADE IN GERMANY) e enquanto tomava o café numa chávena(MADE IN SPAIN), pegou na máquina de calcular (MADE IN KOREA) para ver quanto é que poderia gastar nesse dia e consultou a Internet no seu computador (MADE IN THAILAND) para ver as previsões meteorológicas.
Depois de acertar o relógio (MADE IN TAIWAN) pelo rádio (MADE IN INDIA), ainda bebeu um sumo de laranja (PRODUCED IN ISRAEL), entrou no carro (MADE IN SWEDEN) e continuou à procura de emprego.
Ao fim de mais um dia frustrante, com muitos contactos feitos através do seu telemóvel (MADE IN FINLAND) e após comer uma pizza (MADE IN ITALY), o Joaquim decidiu relaxar por uns instantes. Calçou as suas sandálias (MADE IN BRAZIL), sentou-se num sofá(MADE IN DANMARK, serviu-se de um copo de vinho (MADE IN CHILE), ligou a TV(MADE IN INDONÉSIA) e pôs-se a pensar porque é que não conseguia
encontrar um emprego em condições em PORTUGAL.
Nota:Caro filósofo, vale a pena continuares a filosofar, ainda que isso possa pareçer inútil para alguns cérebros de alto QI.
Se me quizeres enviar o teu e´mail, fá-lo, que oportunamente te irei remetendo algumas ideias em que não falte o tempero que entendo indispensável a uma vida saudável: O SENTIDO DE HUMOR...
e, desculpa-me por esta impertinência.
Jorge
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