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sexta-feira, setembro 23, 2005

Desemprego

Fico contente que um determinado leitor atento desta minha humilde página pessoal, me tenha sugerido que me debruçasse sobre um assunto que, apesar de fazer parte do dia-a-dia deste país, não se desgasta nem perde actualidade. Pelo contrário, é cada vez mais actual. Talvez esteja na altura de entender o que é isso do desemprego, e a razão pela qual esta «condição» é cada vez mais uma moda, como ser-se solteiro, casado, ou até divorciado ( seria até interessante que figurasse no B.I. o estado de desempregado [DES]).

Façamos uma análise: estar desempregado significa não empregue. Aquilo que designamos por Estado (que não é mais do que a sociedade em si) advoga o direito de classificar um indivíduo consoante o facto de contribuir activamente, ou não contribuir de modo nenhum (pelo menos aparentemente) para a produtividade da comunidade social em que se insere. A filosofia é simples: a sociedade economicista determina que cada um «compre» a sua própria vida. Ou seja, para que o indivíduo possa viver em sociedade, e para que essa mesma sociedade lhe proporcione os meios essenciais à sobrevivência, ele terá que realizar uma espécie de contrato social. Não é exactamente a ideia de Rosseau que aqui está implícita, embora tenha sido ele a inventar esta expressão. Neste contrato, o indivíduo permite-se abdicar de uma total liberdade alheia às modas e às convenções sociais, em prol da satisfação das suas necessidades essenciais, sejam elas de carácter fisiológico, reconhecimento, ou integração. Pondo de parte a possibilidade de ser herdeiro de uma herança fantástica, ou de ser o feliz contemplado de um prémio monetário faraónico, o indivíduo só tem uma solução: encontrar rapidamente uma forma de contribuir produtivamente (entenda-se apenas de uma forma económica) para a sua comunidade social. É aí que vem o pior: o trabalho!

A palavra trabalho vem do latim trepalium, que significa alguma coisa que se é obrigado a fazer, embora não se goste particularmente. Nas primeiras comunidades humanas cada indivíduo tinha uma tarefa específica, essencial para a prosperidade do conjunto. Escusado será dizer que com o nascimento do trabalho, nasceu também o conceito de desemprego. Nas primeiras comunidades humanas, em que todos os dias a sobrevivência estava em causa, cada elemento do grupo tinha uma missão especifica que servia a comunidade. Não se podia falar em trabalho. Tinha apenas uma obrigação quase familiar, em que a missão que desempenhava se reflectia imediatamente no grupo, e consequentemente em si mesmo. O jogo era duro, e impunha-se eficácia. Como tal, o considerado inútil se não era julgado por o seu próprio grupo, era julgado pela natureza, cuja selecção era implacável. Hoje, o inútil é aquele que não contribui para o furor económico, consumista, lucrativo. É inútil o idoso, o artista, o «asceta». O estudante, essa nobre esperança no futuro, só é valorizado realmente se projectar a sua vida segundo padrões estabelecidos, tendo sempre em vista uma boa integração, sem problemas financeiros, na moda. Mas para quê? Pobre Einstein se assim tivesse pensado...

A verdade é que tenho um certo ódio por este tipo de visão social. Uma visão que condena muitos à mediocridade e ao desemprego. A verdade é que a sociedade democrática capitalista e liberal jamais atingirá o ideal do pleno emprego, porque nela sempre subsistirão os gérmens da desigualdade e da injustiça. Nela sempre existirá exploração, e nela sempre haverão vozes oprimidas e desorientadas. Nela sempre vencerão as elites endinheiradas, detentoras dos meios de produção, bem como as suas hipocrisias. Por isso (e o nosso século é exemplo disso) é que cada vez é maior o fosso entre ricos e pobres, o desemprego, e o vazio moral em que estamos mergulhados. Cai a moralidade e com ela a cultura. No fim, é a liberdade que sofre.

Estar desempregado é terrível, mas trabalhar sem humanidade também o é. Talvez no dia em que o trabalho desaparecer desapareça também o desemprego. Ou talvez no dia em que se valorizar verdadeiramente o indivíduo em todas as suas potencialidades, lhe seja permitido ser quem é, e contribuir para a sociedade como sabe, como pode, e com vocação.

O que digo é todo o ser humano tem emprego. Só deixa de ter emprego numa sociedade que se baseia no consumismo, na competitividade pelo lucro, e pela economia. Neste caso o indivíduo tem que se adaptar para que este monstro das estepes não o engula vivo, e não o atire contra a parede para ser o alvo da chacota de todos. A verdade é que a nossa sociedade inventou necessidades a mais. Inventou também uma boa forma de as fazer indispensáveis aos olhos do consumidor (sem deixar de explorar a sua ignorância e vazio espiritual), levando-o a consumir! É isto que faz com que as pessoas se percam com produtos estrangeiros (tantas vezes produzidos em países que exploram crianças e as obrigam a trabalhar dezasseis horas por dia), em detrimento daquilo que é nacional, e tantas vezes de melhor qualidade. É isto que faz com que o consumidor diligente não se contente com o que tem no seu país a nível de turismo, da sua história e tradição, e se perca na moda de viajar para os «locais do momento», mesmo quando só haja praia, sol, e vazio. Sofre o consumo interno, sofre a produção nacional, aumenta o desemprego. Por outro lado aumentam as importações, diminuem as exportações. Não duvido que mais tarde ou mais cedo Portugal se torne um país de consumidores, vazio, à mercê das culturas de facilidade e de ocasião. Nessa altura, enquanto os ricos forem ricos manterão o seu ar de burgueses satisfeitos. Os pobres viverão à cata das migalhas que possam inadvertidamente ser deixadas cair pelos abastados consumidores.

Talvez esteja na altura de deixar de olhar o desemprego apenas como um resultado da crise económica. É sobretudo uma crise de valores, de ideias, de criatividade. Está na altura de deixar de querer seguir sempre apressadamente os exemplos do estrangeiro, só porque é estrangeiro. Portugal é Portugal, não é a Alemanha nem a França. Temos tradição, temos cultura, temos mentes capazes, e que só são verdadeiramente valorizadas lá fora. E se for preciso ser patriota, ser-se-á.

2 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Agradeço a pronta resposta á sugestão de escreveres sobre este assunto que tanto preocupa as pessoas que gostariam de puder produzir alguma coisa, e não encontram como fazê-lo...
...RETOMO AGORA UMA FRASE DO TEU ARTIGO, QUE, SEM SER BAJULADOR, CONSIDERO BRILHANTE, _(como já pessoalmente tive oportunidade de te dizer,entendo que, para todos os assuntos, por mais sérios e graves que sejam, ficará sempre bem um toque de humor):
...(a frase)...Inventou também uma boa forma de as fazer indispensáveis aos olhos do consumidor (sem deixar de explorar a sua ignorância e vazio espiritual), levando-o a consumir! É isto que faz com que as pessoas se percam com produtos estrangeiros (tantas vezes produzidos em países que exploram crianças e as obrigam a trabalhar dezasseis horas por dia), em detrimento daquilo que é nacional, e tantas vezes de melhor qualidade...
...aumenta o desemprego.

...e retomo tal frase, dizia, para justificar a cópia da descrição de autor desconhecido...
... um dia na vida do Joaquim:

> >O Joaquim, depois de dormir numa almofada de algodão (MADE IN EGIPT), começou o dia bem cedo, acordado pelo despertador (MADE IN JAPAN) às 6 da manhã.
> >Depois de um banho com sabonete (MADE IN FRANCE) e enquanto o café (IMPORTADO DA COLÔMBIA) estava a fazer na máquina (MADE IN CHECH REPUBLIC), barbeou-se com a máquina eléctrica (MADE IN CHINA). Vestiu uma camisa(MADE IN SRI LANKA), jeans de marca (MADE IN SINGAPORE) e um relógio de bolso (MADE IN SWISS). Depois de preparar as torradas de trigo (PRODUCED IN USA) na sua torradeira (MADE IN GERMANY) e enquanto tomava o café numa chávena(MADE IN SPAIN), pegou na máquina de calcular (MADE IN KOREA) para ver quanto é que poderia gastar nesse dia e consultou a Internet no seu computador (MADE IN THAILAND) para ver as previsões meteorológicas.
Depois de acertar o relógio (MADE IN TAIWAN) pelo rádio (MADE IN INDIA), ainda bebeu um sumo de laranja (PRODUCED IN ISRAEL), entrou no carro (MADE IN SWEDEN) e continuou à procura de emprego.
Ao fim de mais um dia frustrante, com muitos contactos feitos através do seu telemóvel (MADE IN FINLAND) e após comer uma pizza (MADE IN ITALY), o Joaquim decidiu relaxar por uns instantes. Calçou as suas sandálias (MADE IN BRAZIL), sentou-se num sofá(MADE IN DANMARK, serviu-se de um copo de vinho (MADE IN CHILE), ligou a TV(MADE IN INDONÉSIA) e pôs-se a pensar porque é que não conseguia
encontrar um emprego em condições em PORTUGAL.



Nota:Caro filósofo, vale a pena continuares a filosofar, ainda que isso possa pareçer inútil para alguns cérebros de alto QI.
Se me quizeres enviar o teu e´mail, fá-lo, que oportunamente te irei remetendo algumas ideias em que não falte o tempero que entendo indispensável a uma vida saudável: O SENTIDO DE HUMOR...

e, desculpa-me por esta impertinência.
Jorge