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segunda-feira, dezembro 22, 2008

Natal sem clichés



Não. Garanto que o texto que se segue não vai reproduzir nenhum dos típicos clichés do Natal. Nesta época, não há ninguém que não tenha a bondade e a compaixão pelos pobres e oprimidos, na ponta da língua. Todos os anos é assim. Multiplicam-se os votos de amor, felicidade, alegria, esperança. O problema está no que vem a seguir. Os dias que sucedem às festas geram uma espécie de alzheimer generalizado, em que na verdade todos esquecem a boa vontade e a compaixão. E esquecem, não só por culpa de cada um, mas também porque a sociedade a isso obriga. A boa vontade é relegada para um segundo plano, quando a prioridade de muita gente começa a ser ajudarem-se a si mesmas, terem emprego, darem de comer aos filhos, assegurarem a sua existência familiar de uma forma digna. A nossa sociedade está a empobrecer. Empobrece porque há cada vez menos dinheiro, menos perspectivas de realização, menos... cultura. Empobrece a partir do momento em que os cidadãos ocupam noventa por cento do seu dia a pensar se para o mês que vem terão dinheiro para pagar a renda ou a prestação da casa, ou até para alimentar os próprios filhos. Empobrece quando as melhores cabeças ficam inaproveitadas em trabalhos sem futuro, gerações inteiras de licenciados atirados para a precariedade e para empregos a termo, vendas, recibos verdes, comissões, exploração, rotinas estupidificantes, atrofiantes, desumanizadas. Empobrece quando um governo dá prioridade ao défice financeiro, sem se aperceber de muitos outros défices bem mais problemáticos e urgentes. Governo? Que governo, quando quem nos governa cada vez mais é Bruxelas? Enfim, passando à frente. A nossa sociedade está a empobrecer todos os santos dias, porque o que é preciso é que todos consumam, é preciso que todos respondam solicitamente ao borbardeamento publicitário que interpela a pseudo-programação televisiva a que se vai assistindo, em zapings sonolentos. É preciso correr atrás do melhor telemóvel, do melhor computador, do melhor carro, da melhor peça para carro, do melhor acessório. E no meio de tudo isto é preciso andar rápido, rapidinho que atrás vem gente. A sociedade está empobrecer, como um balão a esvaziar-se lentamente. A sociedade está a sangrar, devagar devagarinho. Diria que há uma estupidificação crescente, generalizada e aceite. Porque o que importa é que cada um seja «livre»; porque cada um «sabe o que quer».

Já nem sequer falo nos milhares de pessoas que vão passar o Natal ao relento, a tiritar no vão de escada, enquanto um leve cheiro a rabanadas e filhoses lhes chega ao nariz. Já não falo nos doentes, nas crianças do IPO que não têm quem as visite nessa noite, e cuja única companhia são os soros e o pessoal de saúde. Já nem falo no pessoal de saúde, nos bombeiros, na polícia, enfim, em todos aqueles que passam o Natal a trabalhar. Já não falo nas mais variadas formas de opressão que muitos telhados escondem, vidas que nenhum 25 de Abril resgatou...ainda. Já não falo no resto do mundo, porque então nunca mais terminaria este texto. Já nem falo no resto do ano. Porque há por aí muita coragem, dessa coragem verdadeira que muitos poucos conhecem ou sequer ouviram falar. Porque há gente que no Natal não diz coitado, ou tenha esperança, mas age da maneira que sabe e pode para que os coitados sejam menos coitados, e os desesperados menos desesperados. Porque há quem faça. Ponto.

Ao menos no Natal pare, escute e olhe. O ano de 2009 vai ser (mais) difícil, económica e socialmente. Se existe esperança para mudar alguma coisa, ela reside apenas em cada um de nós, na coragem que temos latente. Ela reside na responsabilidade, na inteligência, na força, na entre-ajuda, na liberdade. E isso está tudo cá dentro, estou certo disso.

Feliz 2009

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