"A linguagem é a casa do ser. E nessa morada habita o homem. Os pensadores são os guardiães dessa morada" M. Heidegger
Anúncios google
terça-feira, junho 17, 2008
I do not Know what tomorrow will bring - Pessoas
No passado dia 13 de Junho comemoraram-se os 120 anos do nosso maior poeta da modernidade, Fernando António Nogueira Pessoa. Não há quem nunca tenha ouvido falar dele, embora nem todos o tenham lido de facto, ou sequer depois de o lerem o tenham entendido. E não os censuro. Fernando Pessoa é não só um poeta, mas uma literatura (não sei quem o disse mas soa bem). Ao longo da sua curta vida de 47 anos (…morrem cedo aqueles que os deuses amam…), Pessoa criou pelo menos 72 heterónimos diferentes. Porque:
O Poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Publicou um único livro em toda a sua vida graças a um concurso promovido pelo Secretariado de Propaganda Nacional. Neste concurso, o grande Pessoa ficou em segundo lugar em detrimento de um tal sacerdote que escreveu um livro com mais de cem páginas, enquanto A Mensagem de Pessoa tinha apenas 44 poemas, embora todos eles de profundo significado místico. Quem nunca leu
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
?
E um muito apropriado à época em que vivemos, e em geral a todas as épocas de crise:
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo - fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!
Ou mesmo um que sempre me inspirou bastante, heróico e verdadeiro:
Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz –
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será teatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grécia, Roma, Cristandade,
Europa – os quatro se vão
Para onde vai toda idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?
Cada vez mais me convenço que a escola não sabe ensinar poesia. A escola matematiza e profissionaliza a poesia. É errado e noventa por cento (numa perspectiva optimista) dos alunos que terminam o secundário não percebe nem gosta de poesia. O que é pena porque pode aprender mais sobre a vida lendo Fernando Pessoa do que tirando uma licenciatura ou lendo os maiores calhamaços intitulados tratados de qualquer disciplina.
Pessoa é o único poeta que continua a publicar anos depois de morto. Há sempre inéditos que vão sendo descobertos. Recentemente até contos policiais foram descobertos e publicados. No entanto, podemos de facto questionar a veracidade de muitas dessas edições ditas «inéditas». Não haverá gente a ganhar dinheiro à custa de pseudo escritos de Fernando Pessoa?
Não me vou estender com biografias. Seria uma hipocrisia escrever aqui uma biografia de Pessoa quando tanta gente já o fez, e o tio Google disponibiliza à distância de um Enter.
Ao morrer Pessoa escreveu: I do not know what tomorrow will bring.
Os grandes homens nunca morrem e merecem toda a nossa admiração.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Adoro Álvaro de Campos! A decadência, o fatalismo, o desencanto, o tédio, o cansaço...
É um dos meus poetas!
Ah que bom que era ir daqui de caída
prá cova por um alçapão de estouro!
A vida sabe-me a tabaco louro.
Nunca fiz mais do que fumar a vida.
E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas -
E basta de comédias na minh'alma!
"Para alguns que me falam e me ouvem, sou um insensível. Sou, porém, mais sensível - creio - que a vasta maioria dos homens. O que sou, contudo, é um sensível que se conhece, e que, portanto conhece a sensibilidade.
Ah, não é verdade que a vida seja dolorosa, ou que seja doloroso pensar na vida. O que é verdade é que a nossa dor só é séria e grave quando a fingimos tal. Se formos naturais, ela passará assim como veio, esbater-se-á assim como cresceu. tudo é nada, a nossa dor nele."
Um dos heterónimos que eu prefiro Bernardo Soares.
O homem morre mas a obra é intemporal.
Enviar um comentário